CARTAS DE SETEMBRO
CARTA AO SERRÃO
Ao amigo que não esqueço
Ermesinde, Setembro de 2007
Amigo Serrão
Sei que nunca vais ler esta carta, porque
nunca a vou enviar, trata-se apenas de um desabafo ou de uma forma de te dizer
o que sinto sem te ouvir nas críticas acutilantes que sempre fazes, que aliás,
podem ser muito construtivas, mas que a mim, de nada me valeram. São sempre são
sentidas pelo teu ponto de vista e nunca pelo meu. Falar de barriga cheia é
simples! Para ti tudo é facilidades e tudo tem que ser como tu queres. Ou não
vivesses tu nessa bolha de arrogância e perfeição, sem admitir os erros ou
imperfeições dos outros.
Conhecemo-nos pessoalmente numa
livraria, embora te conhecesse de vista há muito tempo, ou mesmo de nome pelos
amigos. Tinhas na altura, passado por um momento mau da tua vida, que tive
conhecimento pelos jornais.
Encontrávamo-nos no café do bairro para
leitura dos jornais, principalmente aos sábados. Já nessa ocasião, davas ares
de figura importante e muita gente não te via com bons olhos. Mas eu gostava de
conversar contigo e não via impedimento na tua condição de pseudo doutor.
Talvez fosse precisamente pelo teu modo de ser, que conseguiste sempre safar-te
dos casos duvidosos em que te enleavas e que punham os outros de pé atrás.
Posso compreender que tenhas o teu modo
de pensar, todos temos o nosso! Mas confesso, que a maior parte das vezes não
te entendo por mais esforço que faça. Se te falo das minhas dificuldades, que
não me posso comprometer com nada no momento, tu insistes com a tua forte
personalidade e modo agressivo de dizeres as coisas, que muitas vezes nem
queres entender as minhas razões, és sempre tu que sabes e eu nunca sei nada.
Adorava conversar contigo sobre cinema,
literatura e outros temas, tu és uma verdadeira enciclopédia nesses temas,
aprendi muito nessas conversas, mas sempre notava em ti um ar de superioridade
de petulância até. Mas compreendia, é verdade que compreendia, quem não sente
uma certa vaidade quando vê que está a ser superior a alguém? Aturava as tuas
taras, sim taras, ou então que nome dás ao gesto que tiveste por exemplo,
quando me obrigaste a pagar aquelas cassetes de vídeo, mesmo sem ter
possibilidades para tal? Recordo como se fosse hoje:
Tudo se passou naquela época, em que te
dei a ideia de ordenares a tua fabulosa videoteca, com o filme junto do livro
de onde foi extraído o enredo, o que quase sempre acontece. Como também estava
a fazer o mesmo, embora numa escala muito mais pequena, houve um dia em que me
vendeste 25 cassetes de vídeos com filmes repetidos que eu não tinha. Deste-me
a possibilidade de tos pagar aos poucos e assim fui cumprindo (contigo não pode
haver falhas...), como podia? Um dia em que não tinha mesmo possibilidades,
falei contigo com a ideia de poder adiar o pagamento, que diabo! Éramos amigos
(ou não?), mas tu foste irredutível e a única forma que arranjaste para solucionar
o problema (depois de palavras bem agrestes, tipo: Não tens palavra, prometeste
e agora falhas, etc., que muito me magoou), era que eu devolvesse a quantidade
de vídeos igual ao valor em
falta. Respirei fundo e já em casa, escolhi os filmes que
mais me interessavam e devolvi-te os restantes (a minha vontade na altura foi
devolver todos). Tu conferiste e assim deste por saldada a minha divida.
Engoli a tua afronta, primeiro que
afinal embora tenhas lido muito, não consegues compreender uma simples amizade.
Depois, porque tinhas resolvido para mim, um problema que muito me preocupava
sobre o tribunal e as finanças e como nada quiseste em troca... desculpei-te
pelo favor que me fizeste, porque como diz o povo: Uma mão lava a outra.
Deitei tudo para trás das costas e
continuei a ser teu amigo, até porque não te esquecias dos meus anos e mesmo no
Natal, tinhas sempre um livro como presente e eu não tinha (nem tenho) nenhum
amigo que me dê presentes. Por tudo isso, sacrificava os meus sábados de manhã
para de lista em punho, procurar na loja de vídeos em Fernão Magalhães
(o que me obrigava a pagar transportes), os filmes que tu querias para gravar.
Depois precisaste de mim para ser tua
testemunha abonatória em tribunal, pelo caso em que estavas envolvido. Nunca
faltei (como chegou a fazer o Américo com atestado médico), mesmo com prejuízo
no trabalho, pois era-me descontado as horas que perdia para esse efeito, de
cada vez que lá ia e foram muitas as vezes. Até que um dia...
Depois de mudares a tua vida e estar
algum tempo sem te ver, continuaste a enviar-me alguns livros pela tua filha,
enquanto continuávamos a falar agora pelo telefone. Soube então que estavas bem
e eras agora uma espécie de consultor de uma editora, convidaste-me (sabendo
que eu tinha alguma coisa escrita e registada na SPA), para fazer parte do
livro “Novíssimos” que a tua editora ia publicar, dando oportunidade a novos
autores e poetas (letristas no meu caso), para serem editados pela primeira
vês. Delirei com a ideia e logo escolhi meia dúzia de coisas para te mandar
como me pediste, grato pelo convite e eufórico por ser finalmente editado. O
pior veio a seguir... Eu sei que nada se faz de graça, mas a minha alegria era
tanta à mistura com muita ingenuidade, que aceitei os requisitos que me
impuseste e fui enfrente.
Para fazer parte de uma pequena edição de
1000 exemplares, era obrigatório cada um dos 30 autores como eu, ficarem com 30
exemplares cada e paga-los a 1.750$00 cada. Ora 30 vezes 1.750$00, dava 52.000$00
que manifestamente eu não tinha. Embora para ti (Deus da facilidade), eu tinha
que ter... Quem não tem? Mesmo assim, depois de conversarmos, fizeste-me o
grande favor de aceitar essa verba em 3 prestações. Tu nem imaginas o
sacrifício que fiz para conseguir pagar-te, porque sempre penso que vives num
mundo superior, onde tudo são facilidades e não podes, nem queres, entender os
pobres mortais. Sou humano, peco, perdoo, rio, choro, vivo e tenho que me
alimentar a mim e aos meus. Não posso pensar no supérfluo, a minha vida tem
sido de trabalho, não tenho carro, não tenho muita coisa que gostava, mas tenho
o dever de olhar pelos meus e a legitimidade de ser como sou, mas não
entendes... mas eu pensava sempre que tu entendias. És culto, lês-te muito, sabes
mais das coisas (saberás?), nasceste possivelmente em berço d’oiro e sempre
mantiveste um padrão de vida média-alta (pelo menos aparentemente...) só que em
relação aos terráqueos mantinhas uma distância de ser superior.
Muitas vezes penso, que mesmo quando tens
um gesto de dádiva para com alguém, é sempre com ares de grande senhor, como se
estivesses a fazer um grade favor à humanidade. Ora eu, na minha insignificante
existência também penso e ao fazer contas vi: Que os 1000 livros editados foram
todos pagos e nenhum de graça, sim porque 30 vezes 30 é igual a 900 e com 30
oferecidos (3 a
cada um dos 30 autores), apenas sobraram 10 para ofertas pessoais e
publicidade. Como uma edição de autor com 1000 exemplares fica por 700.000$00,
esta deu muito lucro pois ficou por 1.750.000$00.
Par te poder pagar a terceira e última
das prestações, tentei pôr à venda (à consignação), alguns desse livros na
livraria do bairro, que não aceitou a minha oferta e eu fiquei com todos na
estante para oferecer aos amigos.
Enfim, consegui pagar-te tudo, nada te
devo.
A par deste caso, fomos conversando
sobre a possibilidade de poderes editar dois livros que eu tinha prontos. Um
com 100 letras de fados meus e outro (uma novela), sobre o fado na cidade do
Porto.
Entretanto como tinhas saído da tal
editora e agora eras sócio de outra, mostras-te interesse e disseste-me, que
havia agora mais possibilidades de meus livros serem editados.
Depois de tos enviar pela tua filha
para tua apreciação e como passou tanto tempo sem o fazeres (ou não tinham mesmo
interesse nenhum e nem sabias como mo dizer), falei-te em reavê-los pois tinha
que ajustá-los de novo ao tempo, uma vez que num deles, existe uma lista de
nomes ligados ao fado e que entretanto tinha crescido.
De novo te enviei o primeiro pela Cati,
depois de te ligar para te informar que estava a trabalhar no segundo. Mais
tarde, liguei-te novamente para saberes que estava pronto e ia mandar-to,
disseste-me que o 1º tinha muitos erros e que logo que verificasses também o
2º, telefonarias a marcar um encontro, para falarmos sobres a rectificações
necessárias agora nos dois.
Fiquei à espera desde de Maio de 2006,
hoje são 12 de Setembro de 2007...
Tenho consciência que não sou nada como
escritor, nem sequer tenho pretensões a isso, no entanto, confesso que sonhei
um pouquinho com a possibilidade e o sonho de ser editado.
Tentei com uma carta que enviei ao
responsável pelo pelouro da cultura da Câmara de Valongo, a possibilidade do
patrocínio de um dos livros “À Janela do Fado” o tal que fala da vivência do
fado no Porto. Não fui atendido, paciência!
Quis saber o custo de uma edição de
autor e pedi que me enviassem orçamentos a várias tipografias. A verba rondava
sempre os 350.000$00 para 500 exemplares. Mas claro que eu não tinha, nem tenho
esse dinheiro e fiquei á espera de melhores dias, mas a minha relação com o
dinheiro é muito fraca... e fui perdendo a esperança.
Vou escrevinhando algumas coisas,
imprimo para guardar em arquivo, gravo em disquetes para desafogar o disco duro
e fico com a remota esperança de um dia (quando já não andar por cá) os meus
filhos ou netos os leiam.
Não fora o meu modo recatado de ser, em
não gostar de palcos nem protagonismos (mais uma das coisa que criticas) e
talvez já tivesse tido essa oportunidade de ver um livro meu publicado. É que
ás vezes o que é preciso é ter lata, saber-se encostar aos que podem,
frequentar o meio, esperar uma oportunidade, bajular ás vezes e consegue-se. Ou
não anda por aí tanta gente armada em intelectual de meia tigela?
Quanto a ti, estou-te grato pelas
oportunidades que me deste e que decerto eu não soube aproveitar.
Obrigado pela tua ajuda e cá debaixo do
teu pedestal te saúdo. Ave Serrão!
Um abraço do amigo
Manuel Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário