CARTAS DE SETEMBRO
CARTA AO LUCIANO SOBRE LUANDA
Ao melhor amigo que encontrei na vida
militar
Ermesinde, 11 de Novembro de 2007
Amigo Luciano
Faz hoje 35 anos que não
nos vimos!
Nesse dia longínquo de Novembro de 1972,
despedimo-nos à porta de armas do Quartel do RAAF em Queluz, já vestidos à
civil e com o documento carimbado da nossa passagem à disponibilidade no bolso.
Demos um abraço forte, trocamos endereços e desejamos um ao outro, felicidades
com um até sempre! Estávamos com pressa, eu de apanhar o “Foguete” para o
Porto, tu de apanhares o barco para o Barreiro.
Nunca te escrevi, tu foste mais corajoso
e passados alguns meses, mandaste-me dizer que casaste com a Rosa, enviaste-me
até uma foto do vosso enlace. Quando em 1997, o nosso amigo Pinho me convidou
para ir a Lisboa, a um encontro comemorativo dos 25 anos do nosso regresso do
ultramar, aceitei, convencido que te encontrava. Apesar de rever muitos dos
nossos amigos, aqueles que com nós passaram pelo mesmo limbo na vida, tu não
apareceste por qualquer motivo e eu fiquei triste. Claro que abracei e
relembrei momentos vividos, com o Franco, o Liberato, o Vicente e muitos outros
mas... faltavas tu meu amigo, era contigo que eu gostava ter falado daqueles
tempos, dos momentos que vivemos, dos livros que lemos, dos filmes que vimos,
da poemas que escrevemos, da cidade de Luanda que palmilhamos rua a rua.
Lembraste do Bowling em Alvalade, próximo
à Igreja da Sagrada Família, enfrente ao Hospital Militar, ao lado daquela
esplanada onde tantas vezes estivemos? E a Praça da Maianga onde apanhávamos o
“Machimbombo” para a praia, ou Berliet para a Base. Ali era a baixa, onde
haviam as montras da “Saratoga” e outras casas chiques. Onde havia o Museu de
Luanda, o fotografo “Salvador” e o “Bitok” onde comíamos os Chocos com tinta.
Onde jogávamos xadrez na “Biker” e bebíamos uns bons finos na esplanada da
“Portugália”, acompanhados de um pires de dobrada, mesmo enfrente à elitista
“Versalhes”. Logo por trás, havia o “Campino” que tinha umas moelas deliciosas
em pratos de barro?
E o Mercado da Maria da Fonte, onde por
50 escudos, comprávamos um quilo de camarão para comer na cantina da Base
Aérea, acompanhados de uma grade de cerveja Nocal, Cuca, ou a Eka, “a loira
tropical”. Aquele Praça onde tinha a estátua da Maria da Fonte e começava
aquela grande avenida dos Combatentes. Passamos lá tantas vezes a caminho em
busca de prazer nas meninas do B.O. (Bairro Operário). Depois parávamos na
cervejaria “Apolo 11”
para mais um fino e um pratinho de camarão que era oferta?
Recordaste dos passeios que dávamos pela
Baía, que ao pôr-do-sol era maravilhosa, com a sua avenida marginal, as
palmeiras e as esplanadas?
E da Ilha de Luanda quando íamos para a
praia do “Tamariz” ou da “Barracuda”. E
naquelas noites de calor, quando íamos comer um caldo-verde no
restaurante do “Ti Maria Conceição”? E a praia de Belas, com palmeiras pelo
areal e o cheiro a peixe na seca, ou o cheirinho bom a banana assada nas
fogueiras da praia? E a “Restinga” onde havia aquele buteco o “Tá-Mar” que
quando havia mais dinheiro lá entravamos para um copo. Recordo-me de outros
como: o “Acrópole”, o “Lorde”, o “Muxima”.
Lembraste do futebol nos “Coqueiros” e do
Hóquei em patins no “Ferroviário”? E os passeios pela Fortaleza, pela Sé, onde
haviam aquelas ruas estreitinhas, onde descobrimos o bom bacalhau no
“Floresta”?
Lembraste dos cinemas ao ar livre como o
“Miramar” e outros, onde víamos um bom filme acompanhados de uma CUCA? E o
“Restauração” onde vimos o Percy Sleid, a Elisabete, o Nelson Ned e outros
cantores. O Teatro “Avenida” onde nos deliciamos com tantas peças de bom
teatro, como “A Ratoeira” da Aghata Cristie que desenhei o logótipo?
Recordaste, quando um de nós recebia um
envelope azul (Valor declarado) com dinheiro e logo íamos defronte à Base, ao
Bairro Salazar, comer um bife com batatas fritas e um ovo a cavalo, com uma
cerveja e só custava dezassete e quinhentos? E no dia seguinte íamos gastar ao
“Casão” comprando volumes de cigarros? E a cantina onde fazíamos campeonatos de
Dominó que o Seixas ganhava sempre? Nessa cantina que ao fim do mês para pagar
o débito era um problema com os mil e duzentos escudos que ganhávamos de prémio
de especialidade. Dos vinte e cinco tostões por um lugar no Cinema da Base ao
ar livre, parecido com o de Grafanil, esse campo militar onde vivemos em tendas
montadas na terra, durante quatro meses a comer cabeças de peixe frito nas
cozinhas ao ar livre, com as moscas a zumbir e a chuva a cair. Onde enjoamos a
compota de maçã no café da manhã, naquelas canecas de alumínio sem asa e com os
dedos tapávamos os furos deixados pelos cravos?
Sabes, ás vezes consigo fechar os olhos e
sentir aquele cheiro de Luanda, ver a terra vermelha do Bairro do Prenda e os
olhos cor de avelã da Mimi (a arrumadora no teatro). Consigo ainda ver aquela
cor de pele linda que a Nandinha tinha (a empregada da pensão na Rua de Serpa
Pinto, onde passamos com o Rodrigo e o Franco as férias). Ainda ouço as piadas
do Franco, com aquele seu peculiar humor, ou o Vicente a distribuir o correio.
Lembro todas estas coisa boas, as más? Não
quero lembrar, tu também não decerto não queres!
Perdoa amigo, esta carta já vai longa.
Recebe um abraço do Carvalho com muitas
saudades de Luanda.
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