quarta-feira, 4 de novembro de 2020

S. JOÃO E OS TRIPEIROS

 





A História de um Feriado




(Texto original, publicado na Revista Ponto de Encontro de Julho de 2001 )
 
A história é curiosa e mostra o protagonismo que, já na altura, a Comunicação Social tinha. Estávamos em Janeiro de 1911 e a República Portuguesa dava os primeiros passos. A monarquia tinha sido destronada apenas três meses antes, com a revolução de 5 de Outubro de 1910. O Governo Provisório da República assumia a governação do país e, desde logo, começava a introduzir mudanças na sociedade portuguesa que espelhavam, muito naturalmente, os ideais da nova ordem republicana. Numa tentativa de implementar a nova ordem junto da população, o Governo Provisório redefiniu os dias feriados em Portugal. Por decreto, a República instituiu como feriados nacionais o 5 de Outubro (instauração da República) e o 1º de Dezembro (restauração da independência em 1640), para além do Natal e do Ano Novo. Mas o mesmo decreto impunha, a cada município do país, a escolha de um dia feriado próprio:
E foi com este propósito que a Comissão Administrativa do Município do Porto reuniu a 19 de Janeiro de 1911. Logo foi sugerido a data de 24 de Junho para feriado municipal. O facto não causa espanto. Afinal de contas, o S. João era, já na altura, uma festa com longa tradição na cidade do Porto. A primeira alusão aos festejos populares data já do século XIV, pela mão do famoso cronista do reino, Fernão Lopes. Em 1851, os jornais relatavam a presença de cerca de 25 mil pessoas nos festejos sanjoaninos entre os Clérigos e a Rua de Santo António.
 
Referendo popular 
 
Contudo, a sugestão de eleger o S. João como feriado municipal da Invicta foi contestada por outros membros da Comissão Administrativa do Município do Porto, que mostraram opiniões diversas. Foi então que foi lembrado e inspirado no alto princípio democrático, que não devia a Comissão deliberar nada sem que o povo do Porto, por qualquer forma, se pronunciasse em tal assunto. Para solucionar o imbróglio, o Jornal de Notícias dispôs-se a organizar um surpreendente referendo popular para escolher o feriado municipal. Logo no dia 21 de Janeiro, somente dois dias após a reunião da Comissão Administrativa, foi colocado na primeira página do jornal o anúncio da "Consulta ao Povo do Porto", explicando toda a situação e a forma de participação. As pessoas teriam que enviar, até ao dia 2 de Fevereiro, "um bilhete-postal ou meia folha de papel dentro de envelope" para a redacção do jornal, com a indicação do dia de sua preferência. E, para recompensar o trabalho dos leitores, o Jornal de Notícias oferecia "dez valiosos prémios" - o mais valioso era de 10 mil réis, cerca de cem escudos - a serem sorteados de entre todos aqueles que votassem no dia eleito. Porto ser considerada "a capital do trabalho", o 1º de Maio quase passava para a liderança da votação. Até que, a 4 de Fevereiro de 1911, foram publicados os totais finais da consulta popular: o dia 24 de Junho foi o mais votado, com 6565 votos, seguido pelo 1º de Maio, com 3075 votos, o dia de Nossa Senhora da Conceição, com 1975 votos, e o dia 9 de Julho, com oito. "Ficou, pois, vencedor o dia de S. João que é aquele que o povo do Porto escolhe para ser o de feriado municipal". Só não se sabe se o vencedor do sorteio chegou a receber os seus 100 escudos…promessa

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