CARTAS DE SETEMBRO
CARTA AO SILÊNCIO
Ermesinde Setembro de 2019
Senhor Silêncio
Ouvir o silêncio é fazer descansar o espírito. De quando
em vez sabe tão bem! Ficar distraído, de olhar distante, vazio, sentir o corpo
lentamente esvaziar até quase deixar de ouvir o respirar.... Depois, escolher
um dos dois caminhos:
Aquele em que
imaginamos uma paisagem enevoada, em tons de cinzentos, cada vez mais ténues
como brumas, e nos vai levando de montanha em montanha cada vez mais longe,
voando ao sabor da brisa, mais e mais, até ao vazio total do pensamento (o mais
difícil de atingir), porque há sempre algo que nos preocupa, que ocupa a nossa
mente.
Ou então
aquele que nos leva a uma introversão, ou seja, uma concentração de espírito,
um recolhimento íntimo da alma, a uma introspecção. Resumindo: Um exame ao
nosso interior... Pensar em quem somos, para que somos, pensar em quem amamos,
pensar nos nossos sonhos, nas nossas legítimas ambições. Enfim, meditar.
Numa dessas
ocasiões quase chorei, quando me senti tão abandonado, que tive tantas saudades
de mim!.. Do tudo que fui, de tudo que fiz. E perguntei-me:Onde estão aquelas
dezenas de amigos, que me acompanharam nos ralis, nos passeios, nos jantares,
nos fados, nas horas bem passadas em francos convívios!? É grande a minha
tristeza, por não ter sabido preservar essas amizades, (ou não seriam!).
E aqueles que
estavam a meu lado nas horas más que tive, na guerra, na traição, na falência,
nos momentos infelizes!? Será que nem a esses eu soube ser grato?
Depois, bem!
depois vem sempre o cansaço, porque o silêncio também cansa. Então, para nos
encontrar-mos, nada melhor que a nossa música preferida, muito baixinho nos
auscultadores, até acordar lentamente o silêncio, e voltar-mos à triste (quase
sempre) realidade da nossa vida. Àquela
por quem lutamos dia a dia, numa luta constante pela sobrevivência, tentando
não ferir aqueles de quem gostamos, e principalmente tentando ser feliz, que é
das coisas mais difíceis que existem. Embora por vezes, por tão pouco, a
felicidade era tão simples: Se nos contentasse-mos com o que temos; Se nunca
fizesse-mos aos outros, o que não queríamos que nos fizessem a nós; E
principalmente, se fizesse-mos um pequeno esforço para compreender os
outros!... A vida seria com toda a certeza bem melhor, e nós éramos mais
felizes.
Mas...Existem muitos momentos na vida que
estamos sós, alguns mesmo irremediavelmente sós. E embora haja muitas formas de
solidão, das piores que existe, é aquela em que nos sentimos sozinhos no meio
da multidão. Quando gostamos daquilo que
os outros não gostam, ”Não devíamos de gostar, de quem não canta a mesma
canção” ( Diz o Rui Veloso, nas palavras de Carlos Tê) nem fazem um esforço
para gostar; Quando temos sentido de
humor, e tentamos contar uma anedota que ninguém a compreende; Quando ninguém
gosta de ler Eça, Steinbeck, Jorge Amado ou Garcia Marques, e assim não podemos
lê-los juntos; Quando ninguém gosta de Sinatra, Betânia, Strauss ou Beethoven,
e não os podemos ouvir juntos; Quando ninguém gosta de Woody Allen, Clint
Eastwood ou De Niro, e nunca podemos ver esses filmes juntos; Quando não gostam
de ir ao teatro, ouvir poesia ou visitar um museu, e só vibram com um jogo de
futebol, uma telenovela, um mexerico; e nunca com o mistério dum bom filme
policial!... Com a beleza de Melanie Griffith ou o talento de Al Pacino. Por
tudo isto, é que estamos sós no meio de tanta gente.
Por tudo isso é que se faz poesia, por
tudo isto é que sofremos com o que escrevemos, tentando pôr no papel, esta
amálgama de sentimentos que nos rói a alma, este sentir que sentimos tanto. E é
por isto tudo que vivemos a vida com
paixão, sensíveis a tudo, até ao amor que não nos dão; Ás traições que nos
fazem; Até ás lutas que travamos e ficamos sempre prejudicados, só para que os
outros não sofram, porque gostamos da vida e de todos; Dos filhos e do Sol; Da
chuva e de pasteis de nata; Da Lua e dum cigarro; Do nevoeiro no Douro e dum
café bem tirado; De tudo, tudo, até de quem de mim não gosta.
Por isso temos necessidade de escrever, e
escrever... É um acto solitário. Entre o monitor e o teclado, apenas o
pensamento voa no espaço do silêncio, amontoando letras do alfabeto em palavras
, frases em conceitos, textos em narrativas. Levados pela imaginação, vamos
gerando no papel sentimentos que
transmitimos aos outros nas mais
variadas formas.
Vestir a pele do criminoso da vitima e do
detective num livro policial, conseguir caminhar ao lado da personagem que criámos, dar-lhe vida, amá-la e matá-la, ser
o dono do seu destino; Ir onde se quer em qualquer altura, viajar com quem se
quiser a qualquer momento; Ser-se bom ou cruel; Rico ou pobre; Fazer-se tudo
que nos der na ideia, até amor... com quem passamos a vida a sonhar. Descrever
uma paixão, só o consegue quem esteve apaixonado. Descrever o acto de fazer
amor é difícil se não se disser as palavras todas, como na pornografia tão
difícil de escrever, que o digam Cassandra Rios, ou Dallas Mayo, pseudónimos de
grandes escritores, de grandes novelas pornográficas conhecidas no mundo
inteiro, perseguidos pela censura, falsos moralistas, beatas e mulheres
frustradas.
O amor e a poesia, andaram sempre de
braço dado, não gosto dos poemas que falem de morte ou desgraça. Todas as paixão que tive, foram
fontes de inspiração para mim. É maravilhoso ouvir em público, cantar um poema
nosso, e saber que ninguém sabe a quem se referem aquelas palavras, só eu sei
mais ninguém. Algumas quadras emendei-as, à última hora, num último instante,
pois denunciavam indiscretamente a quem se destinavam, mas guardo na memória o
original. Depois, as letras que faço e que cantam, contam uma situação, levam
uma mensagem:
Se pudesse alguém pesar/O amor
que a gente sente
Teu amor para meu pesar/Pesava mais porque mente.
E se mesmo assim depois/Negasses
o resultado
Eu mentia pelos dois/Só para te ter a meu lado.
Ou assim:
És alma gémea da minha/Gostas de
tudo que eu gosto
Tu podias ser só minha/ Mas não és para meu desgosto.
Ou ainda assim quando partiste:
Nem adeus me disseste/ Um beijo apenas me deste/Tão leve que o ar levou
Com a pressa que partiste/Em maus olhos
tu nem viste/A saudade que ficou.
Ou assim quando voltaste:
Tu voltaste finalmente/Agora sim
sou feliz
Não há passado, o presente/Nasce quando tu sorris.
Ou assim este recado:
Nada nem ninguém pode entender/O
que me vai na alma de momento
Só eu a conheço e ando a viver/Este amor
inconstante como o vento.
Quando vier o frio me gelar/Os
lábios da boca que a beijou
Em gavetas vai decerto encontrar/Poemas seus que o
vento não levou.
Mas... e o medo?
Á Muito que o meu anseio/Era
ter-te nos meus braços
Mas sempre havia pelo meio/Muitos medos, outros passos.
Até que um dia vieste/Como quem
vem para se dar
E lembro até que trouxeste/Olhos tristes de chorar.
Beijei-te como quem tem/Um desejo
acumulado
Amei-te como quem vem/Das galeras degredado.
No final, o nascer:
Tu vieste com a bruma/Junta á
onda que desmaia
Em nuvens feitas de espuma/ Como rendas de cambraia.
Depois veio o Sol, cobriu/Teu
corpo que bem me lembro
E um poema floriu/ Nessa manhã de Setembro.
Bonito, é quando se sente
realmente o que se escreve.
Maravilhoso, é quando se consegue
escrever o que se sente.
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