Festas de forte caris popular, o S. João do Porto é uma
festa que nasce espontaneamente, nada se encontra combinado, embora a festa se
vá preparando discretamente durante o dia, é normalmente depois do
jantar, constituído por sardinhas assadas, batatas cozidas e pimentos ou
entrecosto e fêveras de porco na brasa, acompanhadas de óptimas saladas, jantar
obviamente regado com vinho verde ou cerveja, mais modernamente. Findo o
jantar, os grupos de amigos começam a encontrar-se, organizando rusgas de
S. João, como são chamadas. As pessoas muniam-se de alhos-porros
e molhos de cidreira, actualmente as armas, são outras, mudaram para
martelos de plástico, duros e ruidosos, mas que acabaram por ser bem aceites e
hoje já fazem parte da tradição,
Há alguns anos atrás, o S. João limitava-se a uma área da
cidade que era constituída, pelas Fontainhas (Ponto nevrálgico ) . A par deste
percurso, que juntava para cima de meio milhão de pessoas, que tornavam as ruas
pejadas de gente, e onde não há atropelos, as zaragatas são de imediato
sustidas pelos populares, os beligerantes rapidamente selam a paz com
mais um copo e uma pancada de alho-porro de amizade. O S. João do Porto é uma
festa onde ricos e pobres convivem uma noite de inteira fraternidade e onde a
festa é constante. Nos bairros, a festa continua e as comissões organizadoras
de cada uma mantém o baile animado até altas horas da madrugada. No tempo
áureo do alho-porro quem chegasse ao Porto vindo de fora, estranharia o odor espalhado
pela cidade... efectivamente ela cheirava a alho.
Mas muita da tradição ainda se mantém: Em barracas ou
espalhados pelo chão lá estão os manjericos (Planta tradicional do S. João), as
tendas das fogaças, as farturas, o algodão doce, as pipocas, as barracas da
sardinha assada e dos comes e bebes. Os matraquilhos, os carroceis, as
pistas dos carros. As tendas de venda das louças de barro, das
cutelarias, o tiro ao alvo e as tômbolas. Durante toda a noite, centenas
de balões são lançados e muito fogo de artificio particular é queimado, pela
meia-noite o tradicional fogo de artificio da Câmara Municipal, faz sempre
furor pela sua beleza. No fim e já alta madrugada é ver os foliões procurarem
as padarias onde o pão acabado de fazer e ainda quentinho vai confortar as
barrigas para um merecido descanso.
O S. JOÃO DE GERMANO SILVA
“O S. João era mais divertido, o que não quer dizer que hoje
não haja diversão”, começou por explicar à Viva o conhecido jornalista e
historiador do Porto Germano Silva. “É um momento em que se esquece o ‘vossa
excelência’. A diferença é que as rusgas eram menos organizadas:
formavam-se nos bairros, passavam nas Fontainhas e terminavam com o tradicional
banho nas águas orvalhadas do Douro, antes de o sol nascer, porque todos
acreditavam que dava saúde”, acrescentou.
Com efeito, contrariamente ao que muitas pessoas pensam, o
S. João nunca foi uma festa católica. Trata-se de uma celebração pagã,
intimamente ligada ao culto da fecundidade, do fogo e do sol. Apesar de muitos
desconhecerem as verdadeiras origens do festejo, a felicidade estampada
nos rostos de quem percorre o coração da cidade naquela noite é já uma marca da
Invicta. O conceito “é o mesmo”, sublinhou Germano Silva, notando que as
pessoas se entregam “à folia sem constrangimentos”.
“Claro que o S. João vai evoluindo conforme a cidade
evolui”, afirmou o historiador, recordando que “as ruas dos Caldeireiros, do
Almada – onde as varandas ficavam todas iluminadas – e a Praça da Liberdade –
com o fogo preso – já foram os epicentros” da festividade. O auge do arraial
chegou também a ser junto ao Bolhão e no Mercado do Anjo que, entretanto,
encerrou. Nos anos 50, o fogo de artifício era lançado na Serra do Pilar “para
que as pessoas o vissem das Fontainhas”.
“O S. João continua a ser a rua”
Apesar das diferenças, Germano Silva ainda vive a celebração
da mesma forma. “Para mim, o S. João continua a ser a rua”, revelou à Viva,
acrescentando que, todos os anos, se desloca à rua de S. Victor, na qual a
festa “mantém as características antigas, como a cascata”. O historiador
recorda também o arraial das Fontainhas que, não sendo o mais antigo da cidade,
se transformou na verdadeira “meca” do S. João do Porto. Em meados do
século XIX, “um senhor decidiu construir uma cascata monumental e oferecia café
quente e pão com manteiga a quem a fosse ver”, explicou, esclarecendo que, com
o tempo, se tornou “quase obrigatório” a passagem pelas Fontainhas nesta época.
Mas a festa popular não é apreciada apenas pelos portuenses.
“É preciso não esquecer que a revista Newsweek fez, há uns anos, grandes
reportagens sobre festas cíclicas do mundo e o S. João do Porto vinha lá”,
relembrou Germano Silva, explicando que ao contrário do que acontece, por
exemplo, em Braga, onde o S. João “tem uma programação”, no Porto, não existe
um plano definido, “o que é muito aliciante para os turistas”. “Recordo-me que,
num ano, Mitterrand estava na cidade e ficou espantado com o S. João. Os
seguranças ficaram atormentados por causa da confusão, mas ele andou na rua a
ver a festa”, contou o historiador do Porto.
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