CHÁVENA COM HISTÓRIA

CAPÍTULO 16
Foi num dia de verão bastante quente, que Marcelo, Eunice e a
prima advogada Anabela se encontraram à beira rio, almoçaram no D. Tonho a
convite de Marcelo, que queria mostrar às primas a boa cozinha portuense, num
lugar agradável, fresco e acolhedor. Anabela tinha vindo de Vila do Conde onde
tinha escritório, para esclarecê-los sobre algumas medidas legais sobre a
paternidade.
Anabela mostrou-se muito simpática e depois de feitas as
apresentações, criou-se uma grande empatia entre todos.
— Saiba o Marcelo, que a prima Eunice já me pôs a par de tudo,
devo confessar que fiquei abismada com tanta coincidência e admirada, como o
que uma simples chávena pode fazer. Para tornar este acto legal e seu pai
(nosso tio), vir a ter o nome do pai (nosso avô), era necessário proceder a
diversas formalidades que passo a expor:
Com a possibilidade de testes de ADN, é possível admitir a
verdadeira paternidade com 99% de certeza. Para isso, é necessário que cada um
dos indivíduos faça o teste, para posterior comparação genética. Não sei se
está a par do que é o ADN, mas vou explicar muito sucintamente:
O DNA, ou também chamado ADN
(Ácido Desoxirribo Nucleico), é um conjunto de moléculas que compõe os
cromossomas, que estão localizados nos núcleos das células e arranjados aos
pares. A espécie humana possui 46 cromossomas, sendo uma metade deles de origem
materna, e a outra, de origem paterna. Cada cromossoma é composto por moléculas
de DNA dispostas em seqüência única para cada indivíduo. O exame de DNA, não
tem de ser feito só no sangue, como é o componente genético básico e está
presente em todas as células do nosso corpo. O DNA é absolutamente o mesmo nas
células brancas do sangue, nas células da mucosa bucal, nas células da raiz do
cabelo, no sêmen etc. O teste de pode ser feito com qualquer tecido que
contenha DNA.
Conclusão; no caso que estamos a tratar, seria preciso proceder à
exumações dos dois corpos (pai e filho) para a identificação do DNA. Estudos
post-morte, têm mostrado um bom índice de sucesso nas perícias já realizadas
com ossos, dentes e outros materiais exumados. Os exames sempre dependem do
estado de preservação do material fornecido. Mas experiências incluem sucessos
até mesmo com ossos semi-carbonizados. A exumação deve ser realizada por um
médico legista, devidamente autorizado e acompanhado de representantes legais
que atestarão ter presenciado a exumação no referido cemitério, da referida
sepultura, etc.
Resultado: Não vejo necessidade nenhuma de termos este trabalho,
pelo seguinte:
1º - O nosso avô já faleceu há setenta e nove anos e seu filho
(nosso tio, e seu pai), à sete.
2º - Infelizmente, não existe fortuna ou bens pessoais da familia,
que se possam herdar.
3º - O único interessado em que a sua paternidade fosse reposta,
para não ter no B.I. a famigerada frase que a lei antiga admitia, como “filho
de pai incógnito”, já não está entre nós.
4º - Todo este processo, desde a exumação até à investigação da
paternidade e exames de DNA, são bastante onerosos.
Por tudo isto, acho no meu entender, que não merece a pena
levantarmos tal processo. Basta que moralmente, o Marcelo tenha o nosso
merecido reconhecimento como membro da familia, uma vez que foi atestado pelo
testemunho do velho Macedo (motorista de meu avô), que Clara Meneses Castro
(sua avó) teve um filho de meu avô José Medeiros dos Santos, no dia 20 de
Janeiro de 1922. Tudo isto está aqui assinado e reconhecido, neste documento
que minha tia Noémia teve o discernimento de fazer na altura e que lhe entrego
uma cópia devidamente autenticada.
Marcelo e Eunice ouviram atentamente e no fim, quase em simultâneo
disseram:
— Muito bem, estamos esclarecidos! Ao que Marcelo ainda
acrescentou:
— Mas que competência tem a Sr.ª. Doutora!
Anabela aproveitou para fazer o convite a Marcelo, extensivo a
toda a família, para a visitar em Vila do Conde:
— Vivo só, tenho casa junto à praia e adorava conhecer a minha
nova família, nesse dia, gostava que meus irmãos estivessem presentes.
— Vamos combinar, mas a primeira visita gostava de a fazer só com
minha esposa. Em
seguida Anabela ergueu o seu copo num brinde aos novos
membros da família.
Marcelo em conversa com Matilde, contou-lhe todos os trâmites por
que era preciso percorrer, para vir a ter o nome de família do avô e
importância que isso podia ter, ou não. Falou-lhe do convite para visitarem a
prima de Vila do Conde, mas principalmente, do dia dos anos de Lúcio, em que a
prima Eunice estaria presente. Matilde tratou de preparar o menu para esse dia,
pois queria agradar no seu modo caloroso de receber em sua casa. Iria
apresentar o seu afamado frango de cerveja, muito apreciado pela família.
Foi precisamente num domingo, a 16 de Agosto de 2009, dia de
aniversário do Lúcio, que a Eunice foi almoçar a casa do primo Marcelo. Eram
catorze pessoas à mesa, os topos foram ocupados pelo Marcelo e a Eunice. À
direita de Marcelo, a esposa Matilde, a filha mais nova Célia, o bisneto Celso
Júnior, a neta mais velha Vânia e o marido Celso, terminando com o barão da
família em 5ª geração, o Lúcio, que ficou à esquerda da prima Eunice. Do lado
esquerdo de Marcelo, sentou-se o primogénito Telmo, seguido do filho mais novo
Lucas, logo a seguir a filha mais velha Lara, seguida dos três filhos: Dário,
Mário e Joana.
Eunice e Marcelo contaram a todos a história que a chávena guardou
durante tantos anos, por fim, a prima Eunice apresentou a todos o estojo, agora
completo e fez questão, com a aprovação de Marcelo, entregá-lo a Lúcio, por ser
moralmente o legitimo herdeiro da família, embora no seu nome de registo, não
conste o nome de Medeiros dos Santos, seu trisavô, por este, nunca ter
perfilhado o seu filho nascido fora do casamento, mas que o podia ter feito
legitimamente, pois no ano de 1923 era viúvo e livre de ter filhos de outra.
Assim, Lúcio hoje, apenas tem no seu nome “Castro” de Clara Meneses de Castro
sua trisavó.
Marcelo agradeceu a oferta de Eunice e propôs que o estojo ficasse
entregue a seu pai Telmo, como fiel depositário até ao casamento de Lúcio.
Falaram ainda da hereditariedade, dos feitios de cada um,
comparados com os herdados de José Medeiros e ainda das coincidências de muitas
datas, principalmente aquela em que aos 58 anos, os homens da família têm
sempre um percalço. Para o Telmo só vai acontecer em 2025 e para o Lúcio só
muito mais tarde, lá para 2050. Mas... pode não acontecer…
— Agora as chávenas estão juntas, assim como estas duas famílias
afastadas durante tantos anos.
Brindaram à nova família e à chávena que os uniu. Uma lágrima de
saudade pelo pai, correu pela face de Marcelo, dizendo:
— Era tão bom se ele estivesse aqui... E algumas quadras duns
versos seus que a Rosita canta, vieram-lhe de repente à lembrança:
Ò minha
mãe, minha santa / Se pudesses cá voltar
Tinha
tanta coisa, tanta / Minha mãe p’ra te contar
Se
vires o meu pai também / Num canto desse jardim
Diz-lhe
que vai tudo bem / E dá-lhe um beijo por mim
Ermesinde/2009
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