(Prémio “27
Anos do 25 Abril”, JN / 2001)
Ao Joaquim Martins (Relojoeiro)
Prudente como sempre, o
Quim Manquinho só no dia 27 de Abril depois de jantar, mancando com o seu pé
boto, entrou no café onde há muitos anos nos juntávamos noite após noite.
Sentou-se e depois de pedir o pingo do costume, pousou na mesa o manifesto do
PCP e disse:
— Pronto meus amigos, já
perdemos muito tempo vamos tratar da nossa vida! E logo ali foi pondo as suas
ideias em prática — Tu Deolindo estás no sector dos metalúrgicos, trata de
fazeres uma reunião na oficina com os teus camaradas, é preciso fazer um
caderno reivindicativo, acabou a mama dos patrões. Temos agora que conseguir um
mês de férias e subsídio igual, como á muito tempo já há lá fora. E falando
para o Lino:
— Agora podes por em
prática tudo quanto temos conversado sobre as justas reivindicações dos
pintores de automóveis, a lista é enorme, desde a obrigatoriedade de beber
leite para desintoxicar até ás máscaras, passando pelo aumento de salários.
Acabou o medo, trata de promoveres forma de te elegerem delegado sindical.
Escreve para França e diz ao teu primo Zeca que vai poder voltar de vez.
— E tu Silva? Já podes
organizar a tal Associação de Moradores, não dês descanso ao senhorio, esse
latifundiário que tem uma fortuna em terrenos no Douro por cultivar.
Organizem-se e obriguem-no a fazer obras naquelas espeluncas. Nunca esqueças
que o teu pai morreu ali naquela humidade, num quarto onde as paredes reviam
água... A “ilha” não tem saneamento, falta água potável e os candeeiros a
petróleo já não são solução nos tempos que correm, é preciso meter a
electricidade!
O Quim estava eufórico,
tinha passado finalmente aquele tempo medonho, o momento era de alegria e como
dizia, também de “limpeza”:
— Temos que acabar com essa
corja de pides e bufos! Recordo bem em que termos se dirigiu ao emgraixador do
café:
— Ouça lá seu grande bufo,
não tem remorsos de tantos amigos nossos que meteu no “Casarão do Heroísmo”,
como o Zé barbeiro que lá morreu? Abandone este local e não apareça mais aqui
seu fascista de merda.
A liberdade tinha chegado,
acabaram as idas ao WC do café para ler o Avante, depois deixá-lo dobrado em
oito e preso com elástico por debaixo da sanita. Já não teríamos que nos
esconder debaixo daquele camião ali em Visconde Setúbal,
quando o Peugeot da “Judite” passou ás duas da madrugada, naquela noite em que
distribuíamos panfletos pelas portas, para eleições de 1969. Eu tinha vindo de
fim-de-semana da tropa, e estava mobilizado para Angola. Como me recordo bem o
abraço de despedida que o Quim me deu quando parti para lá do mar... Mais
tarde, muito mais tarde escrevi:
Quando parti com o vento
Nessa guerra sem verdade
Se demorava mais tempo
Eu morria de saudade.
Já
lá vão 27 anos! Viva o 25 de Abril
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