4º CAPITULO
— Estás preocupado, que se passa? Joel disse ser uma caso sem importância, mas precisava de ajuda dela no Power Point para apresentação da sua tese, não estava muito familiarizado com o programa. Nádia logo se ofereceu para o ajudar e ele lembrou-se que me tinha prometido digitalizar algumas fotos da minha vida militar, para mostrar no almoço anual dos meus camaradas do ultramar.
— Que tal aproveitar esse facto para me ensinares a fazer uma apresentação? De pasta em punho, com as fotos que eu tinha escolhido para o evento, meu neto foi a casa da Nádia digitalizar e introduzi-las no tal programa. Ao ver algumas fotos, a Nádia admirou-se de eu ter estado na guerra do ultramar, e como a maioria das fotos eram de Angola, duas delas chamaram a sua atenção. Uma jurava já a ter visto num álbum de fotos antigas de sua avó Nimi, que sua mãe Dalila tinha guardado. A Outra, bem a outra, para alegria da dona Constança, tratava-se do Marcelo do “Malucos” o que confirmava que a senhora era boa fisionomista e em relação ao Joel tinha razão, era neto do amigo do seu Osvaldo. Enquanto a senhora Constança contava as histórias daquela antiga camaradagem ao Joel, a Nádia contactou a mãe por correio electrónico, pedindo-lhe para lhe enviar por encomenda postal o tal álbum, pois tinha que fazer um trabalho sobre a sua árvore genealógica (mentiu para não a assustar) e precisava dessas fotos, assim como de datas de nascimento de seus antepassados, etc. Meu neto ficou um pouco intrigado, mas ela logo o serenou:
— Calma Joel, posso estar enganada, quando tiver o álbum tiramos as dúvidas. No mínimo, podes ser meu primo e eu, bem eu… neta de teu avô! Que mal há nisso? Só se tua avó não gostar…
Algumas imagens eram bem tristes com as ruínas que a guerra deixara naquela Luanda tão linda! Até que a tal foto igual à minha lá estava. Um militar de mangas arregaçadas e boina debaixo do braço, sentado num banco do Jardim de Alvalade, junto à igreja da Sagrada Família. Por trás estava escrito: «Para a Nini com saudades antecipadas, Marcelo», a Nádia tinha razão, o avô do seu amigo Joel, tinha sido o grande amor da sua avó Nini e talvez… pai de sua mãe. Mas nesse caso… era neta do mesmo avô do Joel… e eram primos!
Dona Constança não entendeu logo o espanto da Nádia, mas após a explicação de sua pupila a senhora entrelaçou os dedos das mãos e exclamou:
— O destino prega-nos cada partida… Quem diria que ao vires estudar em Portugal, irias encontrar o teu avô! Mas diz-me Nádia (perguntou a senhora com a curiosidade ao rubro) tua avó nunca te contou quem ele era? Nem a tua mãe?
A Nádia muito paciente começou por narrar o que sua mãe lhe contara, satisfazendo a curiosa da senhora Constança:
— Minha avó Nini nasceu em S. Tomé, era descendente de uma geração de escravos idos de Angola no século IXX. Minha avó era filha de uma criada de quarto que fazia serviço numa casa colonial da roça do “Paraíso”. Desses tempos antigos dos escravos das plantações de cacau, o escritor Miguel Sousa Tavares no seu livro “Equador” traça muito bem o cenário lá vivido, passado no tempo do Rei D. Carlos e do “Ultimato” inglês. Minha avó Nini foi enfermeira no hospital de S. Tomé e lá conheceu um médico pediatra que a trouxe para Angola quando montou consultório em Luanda. Trabalhou alguns anos como enfermeira nesse consultório, acumulando às noites com o part-time de arrumadora no Teatro Avenida na baixa de Luanda. Foi numa dessas noites (estava em cena a peça de Agatha Christie, “A Ratoeira”) que minha avó conheceu, num intervalo da peça, o meu avô, um garboso rapaz de 23 anos por quem se apaixonou no primeiro momento em que o viu. Meu avô que altura trajava à civil, contou-lhe que era militar e qualquer relação entre ambos seria interrompida ao fim da sua comissão de serviço, uma vez que era casado, com filhos e a esposa esperava ansiosa pelo seu regresso à metrópole. Nada demoveu a minha avó, que se ofereceu para madrinha de guerra (estava na moda na altura) e logo a seguir, convidou-o a acompanha-la a sua casa no bairro da Maianga. A relação entre os dois durou pouco mais de um ano, até que em Agosto de 1972, tinha a minha avó 32 anos, ficou grávida para grande susto do meu avô. A Avó Nini tratou de acalmá-lo e esclarecer que não queria nada dele, a responsabilidade duma “produção independente” (como se diz agora) seria totalmente dela pois queria muito ser mãe e a sua idade já ia adiantada. Tinha minha avó 3 meses de gestação quando se despediram e ele voltou para casa. Minha mãe Dalila nasceu em Fevereiro de 1973 e se nem ela conheceu o pai, muito menos eu o meu avô. Não fosse esta foto e feliz coincidência em conhecer o Joel, nunca o teria encontrado.
Sem comentários:
Enviar um comentário