O ANJO VERMELHO
ANTES DO TERCEIRO
Em
Outubro de 1973, os meus vinte e um anos foram comemorados com muita alegria,
depois de apagar as velas do bolo, dei aos presentes a feliz noticia que estava
grávida. Fui felicitada pelo meu marido e pela dona Ondina que ficaram
radiantes. Então minha mãe e Maciel, que entretanto tinham oficializado em
segredo a sua união no registo notarial, deram pulos de alegria com a
perspectiva de serem avós
Tudo
corria bem, até a minha mãe saber, depois de uma biopsia, que um carcinoma do
lado esquerdo do peito tinha que ser extraído com urgência. Foi operada mas… o
que o médico operador pensava ser uma rotina, acabou por se complicar de tal
maneira, que minha mãe veio a falecer na antevéspera de natal desse mesmo ano.
Fiquei
desolada, amava muito a minha mãe, a ela devia tudo que sou, senti-me mais só
do que nunca. Minha família era agora o meu bebé que me dava alento para
continuar a viver. Tive muita pena que minha mãe não o chegasse a conhecer. Meu
marido desajeitadamente, acompanhou o meu luto mais pelo filho que trazia no
ventre, que por qualquer sentimento em relação à minha perda. Maciel
acarinhou-me como um pai e foi nos braços dele que desabafei meu pranto sentido
pelo desenlace.
Meu
filho nasceu em Fevereiro de 74 e embora estivesse um mês de férias de parto, o
Dário fez questão de contratar uma ama interna, para olhar pelo nosso filho e
eu pudesse continuar como investigadora na faculdade.
A
revolução do 25 de Abril, encontrou o Maciel viúvo e seriamente comprometido
com a conspiração dos capitães, no controle da reitoria da universidade onde
leccionava. Festejou a revolução com os amigos durante o dia, na noite de 26
encontrei-me com ele lá em casa, para saber das suas ideias e expor as minhas,
quanto às directrizes a tomar em relação aos acontecimentos, com vista a
modificações imediatas e importantes, nos destinos da reitoria onde eu
investigadora. Tinha que organizar uma comissão directiva e apresentar as
justas reivindicações dos alunos, agora que a situação política mudara
finalmente. Naquela noite estávamos só os dois e festejava-mos com alegria a
chegada da democracia, éramos dois fervorosos liberais de esquerda, filhos dos
ideais de Maio de 68 e influenciados pelas cantigas intervencionistas de: Zeca
Afonso; José Mário Branco; Adriano Correia de Oliveira; Fausto; Paco Ibáñez; Bob
Dylan e outros. Leitores clandestinos do “Avante” e outra literatura de autores
proibida pela censura de Salazar desde Karl Marx, Máximo Gorki, Manuel Alegre
ou Jorge Amado…
Maciel
desde que abandonou a sua família burguesa e conservadora, defensora da
ideologia: Deus, Pátria e Família, que há muito abraçara os ideais de esquerda
de orientação progressista e socialista. Eu, que tomada pela consciência
politica das minhas origens, com uma visão democrática do mundo, depois de ter
vivido no Reino Unido influenciada por uma sociedade aberta e liberal, só podia
abraçar os ideais do humanismo pelo progresso e do bem-estar da humanidade.
Comemoramos
com vivas à democracia e pela primeira vez levada pelo entusiasmo, acompanhei
Maciel numa cerveja fresca, depois noutra e noutra, bebidas mesmo pela garrafa,
como mandam os maus costumes contrários à civilização. Foi assim, no meio deste
frenesim e contagiados pela alegria, que pela primeira vez e num impulso (difícil
ou não, de explicar), que nos beijamos tão ardentemente, que caímos como loucos
no sofá e nos esquecemos quem éramos, dando inicio a uma relação que viria a
durar quase dezassete anos.
Confessara-me
depois, que sempre gostara de mim desde o dia em que me conheceu. Nunca mais
esqueci as suas palavras, nessa noite maravilhosa:
—
Comecei a amar-te pela tua beleza, depois pela tua inteligência, hoje amo-te
mais ainda por teu corpo, acreditando que conquistei também a tua alma.
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