terça-feira, 20 de outubro de 2020

O ANJO VERMELHO


 



ANTES DO TERCEIRO
 


 
Em Outubro de 1973, os meus vinte e um anos foram comemorados com muita alegria, depois de apagar as velas do bolo, dei aos presentes a feliz noticia que estava grávida. Fui felicitada pelo meu marido e pela dona Ondina que ficaram radiantes. Então minha mãe e Maciel, que entretanto tinham oficializado em segredo a sua união no registo notarial, deram pulos de alegria com a perspectiva de serem avós
Tudo corria bem, até a minha mãe saber, depois de uma biopsia, que um carcinoma do lado esquerdo do peito tinha que ser extraído com urgência. Foi operada mas… o que o médico operador pensava ser uma rotina, acabou por se complicar de tal maneira, que minha mãe veio a falecer na antevéspera de natal desse mesmo ano.
Fiquei desolada, amava muito a minha mãe, a ela devia tudo que sou, senti-me mais só do que nunca. Minha família era agora o meu bebé que me dava alento para continuar a viver. Tive muita pena que minha mãe não o chegasse a conhecer. Meu marido desajeitadamente, acompanhou o meu luto mais pelo filho que trazia no ventre, que por qualquer sentimento em relação à minha perda. Maciel acarinhou-me como um pai e foi nos braços dele que desabafei meu pranto sentido pelo desenlace.
Meu filho nasceu em Fevereiro de 74 e embora estivesse um mês de férias de parto, o Dário fez questão de contratar uma ama interna, para olhar pelo nosso filho e eu pudesse continuar como investigadora na faculdade. 
A revolução do 25 de Abril, encontrou o Maciel viúvo e seriamente comprometido com a conspiração dos capitães, no controle da reitoria da universidade onde leccionava. Festejou a revolução com os amigos durante o dia, na noite de 26 encontrei-me com ele lá em casa, para saber das suas ideias e expor as minhas, quanto às directrizes a tomar em relação aos acontecimentos, com vista a modificações imediatas e importantes, nos destinos da reitoria onde eu investigadora. Tinha que organizar uma comissão directiva e apresentar as justas reivindicações dos alunos, agora que a situação política mudara finalmente. Naquela noite estávamos só os dois e festejava-mos com alegria a chegada da democracia, éramos dois fervorosos liberais de esquerda, filhos dos ideais de Maio de 68 e influenciados pelas cantigas intervencionistas de: Zeca Afonso; José Mário Branco; Adriano Correia de Oliveira; Fausto; Paco Ibáñez; Bob Dylan e outros. Leitores clandestinos do “Avante” e outra literatura de autores proibida pela censura de Salazar desde Karl Marx, Máximo Gorki, Manuel Alegre ou Jorge Amado…
Maciel desde que abandonou a sua família burguesa e conservadora, defensora da ideologia: Deus, Pátria e Família, que há muito abraçara os ideais de esquerda de orientação progressista e socialista. Eu, que tomada pela consciência politica das minhas origens, com uma visão democrática do mundo, depois de ter vivido no Reino Unido influenciada por uma sociedade aberta e liberal, só podia abraçar os ideais do humanismo pelo progresso e do bem-estar da humanidade.
Comemoramos com vivas à democracia e pela primeira vez levada pelo entusiasmo, acompanhei Maciel numa cerveja fresca, depois noutra e noutra, bebidas mesmo pela garrafa, como mandam os maus costumes contrários à civilização. Foi assim, no meio deste frenesim e contagiados pela alegria, que pela primeira vez e num impulso (difícil ou não, de explicar), que nos beijamos tão ardentemente, que caímos como loucos no sofá e nos esquecemos quem éramos, dando inicio a uma relação que viria a durar quase dezassete anos.
Confessara-me depois, que sempre gostara de mim desde o dia em que me conheceu. Nunca mais esqueci as suas palavras, nessa noite maravilhosa:  
— Comecei a amar-te pela tua beleza, depois pela tua inteligência, hoje amo-te mais ainda por teu corpo, acreditando que conquistei também a tua alma.

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