quinta-feira, 8 de outubro de 2020

MAIANGA "NOVELA" 5


5º CAPITULO
 
 

Numa bela manhã de verão, quando eu fazia as palavras cruzadas na esplanada da praia do Molhe como era meu costume, o Joel apresentou-me a sua amiga Nádia e mostrou-me aquelas duas fotos iguais na imagem, mas diferentes na dedicatória. Fiquei incrédulo, apenas balbuciei:
— Onde foste buscar esta foto?
Joel contou-me com a ajuda da Nádia, como tinham descoberto aquele segredo com quase 40 anos. No final só consegui dizer:
— Então és mina neta… e agora reparo, tens os olhos lindos, cor de avelã como os da tua avó. E tua mãe como se chama, está bem? A Nádia respeitosamente apenas respondeu com outra pergunta:
— Avô gostava de lhe dar um beijo, posso?
— Claro que sim minha querida! Ah que dia maravilhoso, ganhei mais uma neta.
— E eu estou tão contente por te ter encontrado meu avô, só faltava encontrar também o meu pai. Parece que as mulheres desta família têm uma sina especial, terem filhos sem pai.
— Nádia, eu gostava que soubesse como tudo se passou com a tua avó Nini e como ela enfrentou o facto de engravidar.
— Não precisa avô, sei como tudo se passou, minha mãe contou-me depois de minha avó falecer em 2009, tinha 71 anos, tinha eu acabado de fazer os meus 18.
— Então não sabes quem foi o teu pai? A tua mãe nunca te disse? Como se chama ela? Deve ter hoje… 44 anos.
— É verdade avô, a sua filha chamasse Dália e está bem, trabalha no Museu de Luanda, digitalizando e organizando o espólio. Está casada há 18 anos, com um advogado que pertence a um departamento jurídico do ministério da justiça, é o único pai que conheço e tem sido meu amigo. O Museu onde minha mãe trabalha, fica num edifício onde dantes era a “Biker”, o avô lembra-se?
— Se me lembro… passei lá horas a jogar xadrez com o meu amigo Luciano. Nunca voltei a Luanda, o que conheço de hoje é só pela TV. Quem lá foi algumas vezes a trabalho, foi o meu filho Dário e pai do Joel, como técnico de hotelaria. Montou alguns hotéis de referência em Luanda e em (antigamente) Santo António do Zaire, hoje Soyo. Tu não te lembras Joel, foi no ano em que nasceste, em 1992, esse ano foi um caos para nós… Mas sobrevivemos e tu estás aqui um rapagão de quem muito me orgulho.
A Nádia apressou-se a comentar que tinha nascido um ano depois, em 1993, mais precisamente no dia 13 de Maio.
— Mas que teve 92 de tão catastrófico para vós?
O meu neto Joel fez uma síntese do acontecido:
— Foi uma desgraça que me levou a nunca ter conhecido a minha mãe. Tinha nascido a 4 de Fevereiro desse ano e a minha mãe, infelizmente, faleceu no parto. Meu pai deixou-me aos cuidados de meus avós para me criarem. Foram tempos maus para todos, mas meus avós felizmente, fizeram um bom “trabalho” (e abrindo os braços) estou aqui rijo como demonstra o exemplar presente. A Nádia rui-se, mas pesarosa lamentou.
— Lamento o sucedido, logo nesse dia que é tão festivo na minha terra, deram até esse nome ao aeroporto de Luanda.
— È verdade Nádia, foi o dia em que o Salazar tremeu quando em Angola a 4 de Fevereiro de 1961, eclodiu a revolta na esquadra da polícia de Luanda que deu inicio á guerra colonial, o ditador veio á RTP ordenar: «Para Angola rapidamente e em força». Houve mesmo um hino que entupia as rádios nacionais. Com o título: “Angola é Nossa”.
Como nestas coisas não me consigo calar, prossegui:
— Sabes Nádia, já em 1959, a 22 de Janeiro, o general Henrique Galvão com 24 homens, apoderou-se do navio Santa Maria para protestar contra a ditadura. O navio depois de atracar no porto brasileiro do Recife, foi devolvido a Portugal e o ditador veio à RTP dizer:
«Obrigado portugueses, temos o Santa Maria connosco».
No ano seguinte, em Dezembro de 60, a Índia apodera-se de Goa, Damão e Diu, fazendo centenas de prisioneiros para grande raiva de Salazar, que queria que lutassem até à morte, (mesmo sem terem com quê) contra o poderio bélico indiano.       
Desde a independência do Brasil, em 1822, que nenhuma colónia portuguesa cortara com Portugal o seu cordão umbilical, tudo isto, era o começo da queda do império colonial português.                                 
Estávamos na década de 60 e Paris estava em ebulição com o Maio de 68. Os protestos estenderam-se de Praga ao Cairo, de Pequim a Portugal, de Buenos Aires aos EUA. Aqui, a guerra do Vietname foi um dos detonadores, onde se sucederam manifestações de protesto com palavras de ordem: «Abaixo a guerra do Vietname». À cabeça dos jovens franceses, estava Daniel Cohn-Bendit em manifestações de rua, fartos da rotina, e das velhas estruturas decadentes das universidades. Defendiam a revolução dos costumes, com menos autoridade e mais liberdade. Nestes protestos surgiram nomes como Che Guevera, morto na Bolívia um ano antes e os filósofos Marcuse e Sartre, surgiu o Livro Vermelho de Mao e as canções de protesto de Ferré, Bob Dylan e Zeca Afonso; a minissaia da inglesa Mary Quant e os movimentos Hippies, com os símbolos de “Paz e amor”. O Presidente De Gaulle chamou-lhe ”a revolução dos filhos do papá”, mas como dizia Bob Dylan na sua canção: «Os tempos estão a mudar...»
Os trabalhadores da Renault viram os seus salários aumentados, os pais permitiram que os filhos chegassem a casa depois das dez da noite, “ Os Beatles “ trouxeram os cabelos compridos e as calças de boca-de-sino, juntamente com a loucura da sua música; Logo no ano seguinte, em Julho de 69, o homem pôs pela primeira vez os pés na Lua. Restavam algumas conquistas civis, como o divórcio, o aborto, e o reconhecimento da homossexualidade, etc.
No segundo semestre de 68, as águas tinham regressado ao leito. Mas em Portugal ficou tudo, ou quase tudo na mesma, alem da crise académica de Outubro de 68 onde Jorge Sampaio lutou e que durou até ao natal de 69. Foi o maior protesto estudantil contra o Estado Novo em Coimbra e Lisboa.     
Mas... nem o “O Último tango em Paris”, nem a Coca-Cola, ou os livros pornográficos da Virgínia Maio cá entrava. Mesmo com a vinda da primavera Marcelista que só fez mudar as moscas, porque a “merda” continuou na mesma. Como dizia Marcelo Caetano em Fevereiro de 1965, na tomada de posse da comissão executiva da União Nacional: «Combatemos sem espectáculo, sem alianças, orgulhosamente sós». Esta expressão política tornou-se numa síntese do que era o isolamento do regime e da solidão política do seu velho líder. Só que um dia... Nove anos depois, em 25 de Abril de 1974, a liberdade finalmente chegou, e hoje passados estes anos, não podemos levar em conta os excessos cometidos, as hesitações e os fracassos. Seja qual for a análise que se faça, o valor da liberdade sobrepõe-se aos acidentes de percurso. Apesar da crise na década de 2008 a 2016, onde a democracia foi abalada por governos que não souberam criar um estado sustentável para essa democracia, deixando o povo na miséria e no desemprego, com restrições impostas pelo FMI e a própria Comunidade Europeia que enriqueceu a banca á custa do povo, sempre “ele”, o povo mais uma vez sacrificado pelo poder.
— Mas não foi para ouvir “História” que vieram ter comigo.
— Não avô! Estamos a gostar de ouvir (disse a Nádia) que dizes Joel?
— Ouvir meu avô falar assim, podemos dar graças pela vida que temos hoje. Pena é, que nas escolas não contem aos meninos como se vivia em Portugal naquela época, talvez dessem mais valor à vida e não se perdessem tantos valores que felizmente se vão perdendo. Ainda bem que tive um avô e uma avó que me educaram com exemplos de vida.
— Por falar nisso, tens que levar a Nádia lá a casa, tua avó vais gostar de a conhecer. Não tenhas receio Nádia, vais ver que serás bem recebida, vou prepará-la para o que aconteceu e minha mulher vai compreender com certeza. Vamos preparar um almoço, que dizes Joel?
— Este fim-de-semana não, porque o meu pai está em Zurique a chefiar uma equipa de montagem num hotel, mas para a semana ele está cá e era bom a família estar completa.
— Dizes bem rapaz, então para a semana apresentamos a nossa Nádia à família. Agora já se faz tarde e a tua avó deve estar à espera para almoçar. Dás-me boleia’
— Claro avô, sendo assim, vamos pela Boavista e deixo a Nádia em casa.
— Ok, deixa-me só ir ali defronte buscar o célebre croissant que levo sempre da “Doce Mar” para a tua avó.
Deixamos a Nádia em casa com beijos para a Constança e a promessa que em breve eu a ia visitar.

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