O ANJO VERMELHO
SÉTIMO
Andava
ansiosa por ver aquela disquete que tinha encontrado, mas queria ler com calma
e para isso, tinha que acabar de vez com a limpeza do computador. Depois da
palavra-chave, teclou para abrir a pasta “Poemas”. Apenas um poema sem título
se encontrava na pasta e dizia assim:
Quando
teu corpo é moldado / No meu de um certo jeito
É
um verbo conjugado / No tempo mais que perfeito
Perfeito?
Perfeitos
são os teus seios /Onde em gostosos passeios
Meus
dedos andam /Esmagam, apertam
Ligam
teu corpo ao meu
Com
nossas bocas / Ávidas de desejo, loucas
Colam-se,
beijam-se
Em
perfeita comunhão /De prazer, exaltação
De
amor, sequiosas / Esfomeadas gulosas
Perdidas.
Então,
sem palavras, mudo / No silêncio de tudo
Em
harmonia extrema / Nasce um poema
Enleiam-se
nossos braços / Como finos sargaços
Que
acende, ateia /A chama, o calor
O
gosto, o sabor / O clímax, o orgasmo
O
máximo, o pasmo /O rebentar do dique
E
por fim o clique.
Depois
Num delicioso cansaço / Num eterno abraço
Um
cigarro, o fumo /E a volta ao mundo
Este
original seria só dela, ninguém mais o conheceria, Gravou-o numa disquete,
guardou-a no bolso e apagou a pasta.
Restavam
apenas duas pastas: “Agenda” e “Correspondência”. A primeira tratava-se de
endereços, números de telefone, etc. Como não tinha interesse para ela, depois
de dar uma vista d’olhos apagou-a. Na segunda, havia muitas cartas enviadas a
diversos escritores amigos, a artistas plásticos e ao editor, resolveu salvar
esta correspondência, gravando um CD com todo o conteúdo da pasta. Apagou todo
o arquivo, não restavam pastas no computador.
Lembrou-se
de um lugar importante e foi até ao “Outlook Express”. Não havia nada no Item
“Rascunhos”. Leu então a pasta dos “Recebidos” e entre muitos sem importância
para ela, Helga reparou em alguns que lhe chamaram a atenção…
Por
data de entrada, Helga foi lendo uma a um:
Quinta-feira:
13 de Julho/1991
“Querido
Mano
Finalmente
resolveste falar comigo. Fiquei muito feliz quando soube que me procuravas.
Sempre gostei de ti meu querido irmão e nunca aprovei a tua saída de casa. Já
lá vão quarenta anos e mesmo sem saber por onde andavas, nunca perdi a
esperança de um dia te encontrar. Como já estou com sessenta e dois anos, vivo
ansiosa por te ver, agora mais que nunca. Um beijo”.
Sábado:
15 de Julho/1991
“Querido
irmão
Quanto
á minha prole, depois de me formar em direito, casei com o teu amigo Tobias
(que certamente recordas), que entretanto tinha acabado de se formar em gestão. Tive uma
filha que casou e deu uma linda neta, a Joana. Está a viver comigo desde que os
pais faleceram num desastre de viação. Eu e meu marido tomamos em nossas mãos o
destino das empresas de meu genro, expandimos o negócio de confecções e abrimos
boutiques em diversas cidades. Foi numa filial do Porto que encontrei a
Mariana, trabalhava no balcão e ficou muito admirada por voltar a ser empregada
da família Canavarro, o destino tens destas coisas… Perguntei por ti, mas não
me soube dizer nada, não te via há muitos anos, mas soube que a vossa menina
estava com doze anos na altura. A nossa mãe teria gostado de a conhecer, mas
tinha falecido um ano atrás.
Foi
uma pena nosso pai não aceitar a vossa relação e por isso, teres abandonado a
casa tão novo. A Mariana era boa rapariga, fiquei muito triste com a injustiça
de nosso pai, quando a despediu mesmo sabendo que estava grávida. A menina deve
ter agora uns quarenta anos. Da Mariana nunca mais soube, desde que se despediu
em 1973.
Temos
que marcar um encontro, tenho muitas saudades tuas e temos muito para contar um
ao outro, depois as nossas idades já não dão para muitas esperas. Vives cá no
Porto, ou ainda estás por Coimbra?”
Segunda-feira:
18 de Julho/1991
“Maciel
Fiquei
muito admirada e com certeza cometi uma inconfidência, nunca imaginei que não
tivesses conhecimento que a Mariana tinha uma menina tua.
Perdoa-me
meu irmão pelo impacto que a notícia te causou. Dizes que te sentiste muito
mal, deve ser a comoção natural ao saberes quem tens uma filha. Consulta o
médico, não descores essas coisas do coração. Sempre foste desprendido, mas
nunca pensei que não tivesses a curiosidade de saber da “nossa” empregada
Mariana, depois do vosso curto namorico, mas que tanta incompreensão e tristeza
despoletaram.”
Sexta-feira:
20 de Agosto/1991
“
Mano Maciel
Já
passou um longo mês desde o meu último e-mail. Que se passa contigo? Tinha a
esperança que nos encontrássemos. A tua sobrinha/neta, está ansiosa por te
conhecer. A tua saúde como vai? Diz-me algo.”
Helga
ficou estática, durante muito tempo ficou a digerir todas aquelas novidades.
Agora compreendia tudo. Maciel era mesmo seu pai. Tinham vivido
inconscientemente um incesto durante todo este tempo. Porque será que sua mãe
nunca lhe contou a verdade, mesmo depois de ter casado? Afinal... O tal segredo
escondido sempre existia... Longe dela incriminar alguém, mas a sua mãe, porque
não lhe disse, se a relação com ela foi sempre tão boa, pensaria que eu não
compreenderia? Qual seria a sua intenção? Teria pensado em me contar e a
fatalidade da morte não a deixou? E por pensar em morte, seria esta notícia que
“matou” o Maciel?
Tantas
interrogações, e não havia ninguém para responder, para dar uma explicação.
Um
manto negro cobria agora aquele romance, tapando num luto forçado de tristeza,
uma vida feita de felicidade aparente, ou não? Ele não sabia, eu muito menos.
Que Deus nos perdoe, (mas Ele sabia) e nem um anjo enviou à terra para nos
avisar.
A
Helga não sabia, que pelas mãos do Maciel, esse anjo vivia numa tela que ela
gostava muito, só que nunca tinha compreendido o seu verdadeiro significado até
a esse dia, era O ANJO VERMELHO.
Sem comentários:
Enviar um comentário