terça-feira, 27 de outubro de 2020

CHÁVENA COM HISTÓRIA

 





CAPÍTULO 3




AMARANTE
 
Distante dali mais de seis léguas e meia, no lugar de Carreiro do Rei em Amarante, Clara Menezes de Castro, viúva e com uma filha de 12 anos, pensava na forma de dar um novo rumo à sua vida de miséria. Vivia entre o campo e a quase escravidão de “servir” senhores da terra, ansiava partir para outros lugares. Tinha 32 anos, nascera no Lugar de Lindar a 1 de Maio de 1882, conhecera o Samuel no areal da praia do rio Tâmega em Larim, num domingo quente de Julho. Servia na época com vinte anos e desde os treze, numa casa senhorial na Vila de Amarante. Era a terceira filha de sete irmãos e era com ansiedade que os pais a queriam “arrumada”. Casou grávida de quatro meses, no dia da Feira do Cavalinho a 12 de Julho de 1902 na Igreja velha de Lindar. Ficou a viver em casa da sogra, uma velha rabugenta e viúva que não gostava dela. O marido que em Outubro desse mesmo ano assentou praça no Regimento de Infantaria 18, no Campo de Santo Ouvidio no Porto, teve a infelicidade de ser mobilizado para Angola no ano seguinte, para fazer parte do regimento que embarcou no Douro, primeiro para Lisboa e depois para Luanda. Esteve presente no desastre militar de Pembe, de onde saiu com as pernas decepadas por o rebentamento dum obus.
 
«Foi a 25 de Setembro de 1904, que se produziu a maior derrota dos portugueses em África. No sul de Angola, a cerca de 500 quilómetros da costa, quando uma coluna comandada pelo governador da Huíla, João Aguiar (de que fazia parte Gomes da Costa, mais tarde famoso pela revolução portuguesa de 1926), se internou para lá do rio Cunene, através do vau do Pembe, numa campanha de início contra a poderosa tribo dos Cuanhamas. Os soldados portugueses, foram apanhados numa emboscada, caíram às mãos de outra tribo do grupo dos Ambós, os Cuamatos, que deixaram no local centenas de mortos».
 
 
Samuel foi enviado para casa, onde veio a falecer quatro anos depois, levado pela bebida onde afogava o desgosto, de não ser mais um homem normal e ter que ser empurrado numa cadeira de rodas cedida pelo exército. A filha Isabel tinha seis anos e Clara ficou com uma parca pensão para sustento da filha. Ainda aguentou a trabalhar dobrado, entre a cozedura de pão num forno de Padronelo e como cozinheira numa casa da vila durante 12 anos. Passou pelo racionamento de géneros alimentícios provocados pela guerra, apesar de menos sentido no interior do país. Passou ainda pela “Pneumónica” de 1918, que lhe levou a sogra, mas infelizmente também lhe levou os pais e um irmão, Essa peste que só no norte fez quase 45 mil mortes e desencadeou uma grave crise demográfica no país.
Clara trabalhou até onde pôde, mas a vida era bem adversa, vivia só com a filha, seu irmãos viviam longe, dois tinham ido para o Porto e outro vivia em Salvador, do outro lado da Vila e a irmã mais velha tinha casado, indo viver com o marido para Lisboa. A única companhia de Clara além da filha, era a sua comadre Florinda que tomava conta da pequena enquanto trabalhava. Até que a sua amiga de infância Clotilde, numa das vindas a casa, na festa da Senhora de Lindar, a convenceu a mudar de vida e ir trabalhar para Guimarães, pois sabia de uma família nobre que precisava de cozinheira. Clara ainda hesitou, mas perante a desdita em que vivia, tomou uma solução. Fez uma trouxa, vestiu a sua melhor saia de cotim e a sua blusa de chita, pôs o xaile pelas costas e depois de deixar a filha já moçoila, entregue aos cuidados da madrinha, partiu na camioneta da carreira com a Clotilde para Guimarães a 9 de Agosto de 1920. À passagem por Celorico, Clara ainda soluçava, mas ao passar por Fafe já limpara as lágrimas, arregaçara as mangas disposta a enfrentar a sua nova vida.
 

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