terça-feira, 20 de outubro de 2020

O ANJO VERMELHO




QUINTO




 
 
O Santos da galeria recebeu aqueles quadros com enorme satisfação, pensando no lucro fabuloso que iriam dar. A obra de um artista valoriza imenso quando este desaparece. O Santos tinha a sala de exposições devoluta, à espera daquele espólio que era capital garantido. Como a Helga não queria lá voltar, deixou-lhe o número da sua conta para ele depositar os cheques, depois de retirar a sua percentagem.
Voltou ao apartamento para continuara a apagar o computador. Desta vez ocupou-se da pasta ”As minhas imagens”, tratava-se de imagens digitais sobre material de pesquisa, que Marcelo tinha usado nos seus livros. Além de muitas referentes a cidades diversas, algumas referiam-se a museus como: Hermitage; Gaudí; Louvre; Prado e Nacional de Arte Antiga. Havia também muitas referentes a paisagens maravilhosas, daquelas que inspiram qualquer pintor sensível à natureza. Helga apagou todas as imagens, não sem antes imprimir algumas que achou formidáveis sobre a temática da água e ainda, pequenas reproduções de quadros famosos que ela aprecia como: “O Soldado bebe” de Chagall (1912); “Capricho” de Kandinsky (1930); “Jovem equilibrista” de Picasso (1905); “Despejada” de Portinari (1934) e o celebre “Os Girassóis” de Van Gogh (1888).
Abriu depois a pasta “As minhas músicas”. A lista era enorme, mas estava dividida por três pastas diferentes: Clássica; Canção e Fado.
Na música clássica, havia temas desde “Sonho de amor” de Liszt à sinfonia “O Barbeiro de Sevilha” de Rossini, passando por “Nocturno” de Chopin ou “As Quatro Estações” de Vivaldi, entre outras.
Da pasta das canções, faziam parte: “My Way” de Sinatra; “Fascinação” de Elis Regina; “Eu não sou nada sem você” de Carlos Jovim; “Et maintenante” de Gibert Bécaud e muitas, muitas mais. Sobre fado, Maciel tinha gravado diversos intérpretes, de Amália a Fernanda Maria, de Carlos Ramos a Alfredo Marceneiro, de Teresa Siqueiro a António Rocha e principalmente aqueles que cantavam temas de sua autoria, como Nelson Duarte, Rosita, Manuel Barbosa, Filomeno Silva, Aida Arménia e muitos outros.
Helga decidiu deixar para o dia seguinte, pois antes de apagar estas pastas, iria trazer CD’s para gravar e posteriormente ouvir com calma.  
O jantar dessa noite ficaria marcado com um pequeno tumulto levantado por Diogo, devido a uma pergunta (nada ingénua), que fez à mãe:
— O avô tinha alguma irmã?
— Não sei filho, mas porque perguntas?
— Hoje na faculdade, o salão nobre da biblioteca foi visitado por uma senhora idosa mas muito distinta, que doou à Faculdade de Letras, uma basta colecção de livros antigos de grande valor, segundo palavras do reitor. A senhora em causa, vinha acompanhada de uma menina muito bonita, que soube ser sua neta e se chamar Joana, mas a avó tinha um nome que chamou a minha atenção, Regina Canavarro. Será familiar do avô? 
— Se calhar é! Mas não tenho conhecimento.
— Ainda o que mais me pôs a cismar, foi ela ao passar por mim, olhar-me nos olhos por instantes e sem dizer nada, sorrir de uma maneira que parecia conhecer-me há muito tempo.
— Pode ser apenas coincidência.
— De facto pode mãe… Mas diz-me uma coisa. Eu sei que o avô Maciel, era meu avô só por afinidade, mas mesmo assim achas-me parecido com ele?
— Só se for pelos teus olhos claros.
— Olha que reparando com atenção — disse o pai levantando-lhe as melenas da testa — és um pouco parecido do nariz para cima.
— Ora vê lá! Tu que andas sempre distraído a opinares sobre parecenças sem nexo…
— Eu distraído? Só tu pensas isso de mim Helga!
— Pronto, pronto! Não gosto de vos ver nesse despique de palavras. — Disse o Diogo.
— O teu pai é tão fanático pelo trabalho, tão obcecado pela carreira que sempre foi um distraído e até desprendido das coisas mais elementares, isto sem falar em compromissos sociais, esses só de longe.
— Não te entendo, a que propósito vem isso?
— A propósito das tuas opiniões, quando tas pedia nunca as davas (digo no passado, porque há muito deixei de tas pedir). Por exemplo: Quando o Diogo era pequeno nunca foste a uma reunião da escola ao mesmo a uma reunião de pais, fui sempre eu que tratei dessas coisas. Quanto a causas sociais, nunca quiseste assumir responsabilidades, sempre tiveste posições dúbias. Só em pensar que nunca votaste nas eleições! Sempre declinaste os convites que te fizeram, desde a Junta de Freguesia ao simples clube cá do bairro. Como vês a tua participação colectiva, resume-se a este agregado familiar e mal. Por isso é que duvido muito das tuas opiniões.
— Estar a ser injusta, sou bastante participativo no que me interessa, como é o caso do trabalho onde assisto a muitas reuniões e graças a Deus, as minhas opiniões são muitas vezes levadas em conta.
— Quanto a isso… Não ponho em duvida, senão como é que era sempre convidado para congressos, etc. Lá de seguros percebes tu.
— Também compreendo outras coisas, só que muitas vezes para não ferir susceptibilidades, faço de conta que não entendo.
— Tais como?
— Agora não é a ocasião própria nem o lugar adequado para tal. Com licença, vou até à varanda fumar um cigarro.
Helga retraiu-se de fazer mais perguntas. Diogo teve que sair, tinha o namora á espera. Chamou a criada:
— Rosário, pode levantar a mesa e leva café ao meu marido.
Já no sofá e sem qualquer atenção à série “Sexo e a cidade”, que passava no canal três e tanto gostava de ver, pensou para os seus botões: “ Que diferença Maciel… Eu amei-te até pela fortes convicções que tinhas em relação a tudo que te rodeava e que te tornava tão especial…”   

Sem comentários:

Enviar um comentário

ENQUANTO ME LEMBRO...