O ANJO VERMELHO
QUINTO
O
Santos da galeria recebeu aqueles quadros com enorme satisfação, pensando no
lucro fabuloso que iriam dar. A obra de um artista valoriza imenso quando este
desaparece. O Santos tinha a sala de exposições devoluta, à espera daquele
espólio que era capital garantido. Como a Helga não queria lá voltar,
deixou-lhe o número da sua conta para ele depositar os cheques, depois de
retirar a sua percentagem.
Voltou
ao apartamento para continuara a apagar o computador. Desta vez ocupou-se da
pasta ”As minhas imagens”, tratava-se de imagens digitais sobre material de
pesquisa, que Marcelo tinha usado nos seus livros. Além de muitas referentes a
cidades diversas, algumas referiam-se a museus como: Hermitage; Gaudí; Louvre;
Prado e Nacional de Arte Antiga. Havia também muitas referentes a paisagens
maravilhosas, daquelas que inspiram qualquer pintor sensível à natureza. Helga
apagou todas as imagens, não sem antes imprimir algumas que achou formidáveis
sobre a temática da água e ainda, pequenas reproduções de quadros famosos que
ela aprecia como: “O Soldado bebe” de Chagall (1912); “Capricho” de Kandinsky
(1930); “Jovem equilibrista” de Picasso (1905); “Despejada” de Portinari (1934)
e o celebre “Os Girassóis” de Van Gogh (1888).
Abriu
depois a pasta “As minhas músicas”. A lista era enorme, mas estava dividida por
três pastas diferentes: Clássica; Canção e Fado.
Na
música clássica, havia temas desde “Sonho de amor” de Liszt à sinfonia “O
Barbeiro de Sevilha” de Rossini, passando por “Nocturno” de Chopin ou “As
Quatro Estações” de Vivaldi, entre outras.
Da
pasta das canções, faziam parte: “My Way” de Sinatra; “Fascinação” de Elis
Regina; “Eu não sou nada sem você” de Carlos Jovim; “Et maintenante” de Gibert
Bécaud e muitas, muitas mais. Sobre fado, Maciel tinha gravado diversos
intérpretes, de Amália a Fernanda Maria, de Carlos Ramos a Alfredo Marceneiro,
de Teresa Siqueiro a António Rocha e principalmente aqueles que cantavam temas
de sua autoria, como Nelson Duarte, Rosita, Manuel Barbosa, Filomeno Silva, Aida
Arménia e muitos outros.
Helga
decidiu deixar para o dia seguinte, pois antes de apagar estas pastas, iria
trazer CD’s para gravar e posteriormente ouvir com calma.
O
jantar dessa noite ficaria marcado com um pequeno tumulto levantado por Diogo,
devido a uma pergunta (nada ingénua), que fez à mãe:
—
O avô tinha alguma irmã?
—
Não sei filho, mas porque perguntas?
—
Hoje na faculdade, o salão nobre da biblioteca foi visitado por uma senhora
idosa mas muito distinta, que doou à Faculdade de Letras, uma basta colecção de
livros antigos de grande valor, segundo palavras do reitor. A senhora em causa,
vinha acompanhada de uma menina muito bonita, que soube ser sua neta e se
chamar Joana, mas a avó tinha um nome que chamou a minha atenção, Regina
Canavarro. Será familiar do avô?
—
Se calhar é! Mas não tenho conhecimento.
—
Ainda o que mais me pôs a cismar, foi ela ao passar por mim, olhar-me nos olhos
por instantes e sem dizer nada, sorrir de uma maneira que parecia conhecer-me
há muito tempo.
—
Pode ser apenas coincidência.
—
De facto pode mãe… Mas diz-me uma coisa. Eu sei que o avô Maciel, era meu avô
só por afinidade, mas mesmo assim achas-me parecido com ele?
—
Só se for pelos teus olhos claros.
—
Olha que reparando com atenção — disse o pai levantando-lhe as melenas da testa
— és um pouco parecido do nariz para cima.
—
Ora vê lá! Tu que andas sempre distraído a opinares sobre parecenças sem nexo…
—
Eu distraído? Só tu pensas isso de mim Helga!
—
Pronto, pronto! Não gosto de vos ver nesse despique de palavras. — Disse o
Diogo.
—
O teu pai é tão fanático pelo trabalho, tão obcecado pela carreira que sempre
foi um distraído e até desprendido das coisas mais elementares, isto sem falar
em compromissos sociais, esses só de longe.
—
Não te entendo, a que propósito vem isso?
—
A propósito das tuas opiniões, quando tas pedia nunca as davas (digo no
passado, porque há muito deixei de tas pedir). Por exemplo: Quando o Diogo era
pequeno nunca foste a uma reunião da escola ao mesmo a uma reunião de pais, fui
sempre eu que tratei dessas coisas. Quanto a causas sociais, nunca quiseste
assumir responsabilidades, sempre tiveste posições dúbias. Só em pensar que
nunca votaste nas eleições! Sempre declinaste os convites que te fizeram, desde
a Junta de Freguesia ao simples clube cá do bairro. Como vês a tua participação
colectiva, resume-se a este agregado familiar e mal. Por isso é que duvido
muito das tuas opiniões.
—
Estar a ser injusta, sou bastante participativo no que me interessa, como é o
caso do trabalho onde assisto a muitas reuniões e graças a Deus, as minhas
opiniões são muitas vezes levadas em conta.
—
Quanto a isso… Não ponho em duvida, senão como é que era sempre convidado para
congressos, etc. Lá de seguros percebes tu.
—
Também compreendo outras coisas, só que muitas vezes para não ferir
susceptibilidades, faço de conta que não entendo.
—
Tais como?
—
Agora não é a ocasião própria nem o lugar adequado para tal. Com licença, vou
até à varanda fumar um cigarro.
Helga
retraiu-se de fazer mais perguntas. Diogo teve que sair, tinha o namora á
espera. Chamou a criada:
—
Rosário, pode levantar a mesa e leva café ao meu marido.
Já
no sofá e sem qualquer atenção à série “Sexo e a cidade”, que passava no canal
três e tanto gostava de ver, pensou para os seus botões: “ Que diferença
Maciel… Eu amei-te até pela fortes convicções que tinhas em relação a tudo que
te rodeava e que te tornava tão especial…”
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