quinta-feira, 8 de outubro de 2020

MAIANGA "NOVELA" 6



6º CAPITULO



 
No domingo acordado, a mesa estava cheia. Minha mulher caprichou no seu “Bacalhau à Lara”. Comigo na cabeceira da mesa (qual patriarca) a Lara, o Dário e a sua companheira Sara do lado direito, à minha esquerda ficaram, a minha (nova) neta Nádia, o Joel e a Clarinha. O Dário e a Sara enalteciam a beleza da nova sobrinha, enquanto a Clarinha gabava a sua inteligência para a economia, além de ser poliglota, uma vês que Nádia falava seis línguas, onde se incluía o Kimbundu, língua falada por cerca de três milhões de pessoas. É uma língua com grande relevância, por ser a língua tradicional da Capital, hoje provavelmente com mais de 5 milhões de habitantes.
A Conversa estava boa, mas todos esperavam com ansiedade, o parecer importante da avó Lara. Joel foi o primeiro a puxar à conversa a opinião da avó.
— Então avó, que tem a dizer sobre a sua nova neta?
A Minha condescendente Lara falou assim:
— Apesar, de só ser neta do teu avô, vou considera-la como minha também e é com uma enorme alegria que a recebo, pois à muito tinha perdido a ideia de ter uma netinha, ainda por mais, disse-me o Joel, nasceste a 13 de Maio. Nossa Senhora nunca me faltou. A Avó Lara levantou-se e disse:
— Vem cá meu amor, dá um abraço grande à tua “nova”avó e sê bem-vinda à nossa família.
A Nádia correu para abraçar a avó e reparei que não era só meus olhos que choravam. Ficaram ambas aos beijos e logo que a Lara se recompôs, disse para mim:
— Então chorão limpa essas lágrimas e informou a Nádia.
— Sabes que teu avô chora por tudo e por nada, a ver um filme ou uma notícia na televisão. Vamos mas é ao bacalhau antes que esfrie. A Nádia deu um beijo aos tios e ao sentar-se a avó Lara então, proferiu uma frase que ficou na lembrança de todos até hoje.
— Já repararam como ela é tão parecida com o tio?
O Joel entrou na brincadeira e disse ao pai.
— Ó Pai que andaste a fazer lá por Luanda? Vê lá…
O Dário sorriu, mas notou-se que não ficou muito confortável com este dito do filho. Corri a desanuviar o ambiente.
— Quem andou na guerra fui eu…
Logo a Nádia perguntou:
— O Avô, os portugueses devem ter recebido por cá com muita alegria, o final da guerra?
— É verdade Nádia, todos estávamos cheios dessa guerra inútil e foi com a revolução de Abril de 74 que ninguém mais segurou o povo tão martirizado. E prossegui:
— Nem mais um militar para o ultramar! Era uma das muitas palavras de ordem a seguir à revolução de Abril. E o “Grande Dia” chegou, e com ele a libertação de muitos povos, desde a Guiné a Moçambique e de S. Tomé a Angola. Com os acordos de Alvor em 15 de Janeiro de 1975 ficou estabelecido que os três partidos de Angola (FNLA, MPLA e UNITA) constituiriam uma coligação legítima para exercer a soberania em Angola, após a independência a 11 de Novembro de 1975. Era o quebrar das grilhetas, a autodeterminação do vosso povo, que veio em sequência da revolução de 25 de Abril, quando o exército português libertou o povo, dum jugo de quarenta e oito anos de obscurantismo.
Em seguida foi a descolonização possível, com todas as precipitações, com os soldados a quererem vir passar o Natal de 74 a casa, abandonando os quartéis, contrariando as ordens do então comandante militar Rosa Coutinho. Com boas e más intenções, custos fabulosos e mais sacrifícios, para um povo já tão sofrido de viver em guerra e arrasado psicologicamente. Entretanto logo após a independência (mas tu Nádia, sabes isso melhor que eu) o MPLA, detentor do aparelho de estado e graças ao apoio de tropas cubanas, afasta os outros partidos da área do poder, ficando a ser a única força popular autorizada, fazendo de Angola uma república popular.
Ao vosso presidente Agostinho Neto, que morreu em 1979, sucedeu José Eduardo dos Santos que assiste ao agravamento e ressurgimento dos combates entre o MPLA e a UNITA, esta última com o apoio da África do Sul. Só em 1990 com o patrocínio da EUA e da URSS, e o sucesso da diplomacia portuguesa, se avança para os chamados acordos de Bicesse, em Abril de 90 a UNITA reconhece o Estado de Angola, é então que em Maio de 91, José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi assinam o acordo de paz. Mas a partir daí, de acordo em acordo, de traição em traição, com o nascimento de elites enriquecidas com os diamantes, enquanto nas zonas urbanas nascia a miséria com os povos deslocados pela guerra civil. Angola não alcançava a paz desejada.
Jonas Savimbi é capturado e morto em 2002 e Eduardo dos Santos acomoda-se no poder até hoje.
 
Não sabia qual era a opinião da Nádia em relação à situação actual do seu país, compreendia que queira ajuda Angola, para isso veio tirar um curso, mas não estava muito satisfeita…
 
— Tens de certeza uma visão diferente do que se passa, mas dá-me o benefício da dúvida, quanto ao que penso sobre o José Eduardo dos Santos.
— Houveram grandes homens e com boas intenções, o caso do recente falecido Lúcio Lara que faz parte da história de Angola, como patriota, por ter participado activamente na luta contra o colonialismo português e contribuído para a sua independência ao lado de Agostinho Neto. Claro que, como ainda há dias li no jornal Expresso:
«O homem que domina a política angolana quase há 36 anos está a caminho de dar mais um golpe de mestre. Invocando as circunstâncias excepcionais que o país enfrenta, como já o fez em várias outras ocasiões, prepara-se para ficar no palácio presidencial até 2022, quando tiver 80 anos. Nessa altura terá talvez a tentação de proceder a uma sucessão dinástica. Ou então, quem sabe, fazer uma nova alteração da Constituição, como tem ocorrido em vários países africanos, que lhe permita eternizar-se no poder até à morte».
Claro que não concordo com isto, estou a dize-lo aqui em família, mas não o diria abertamente. Não posso esquecer a surpreendente detenção, em Junho, de 15 jovens acusados de preparem um ato de rebelião e atentado contra o Presidente da República. Os jovens são conhecidos por organizarem manifestações pacíficas desde 2011, exigindo a demissão de José Eduardo dos Santos.
Diz ainda o Expresso e eu concordo:
«A situação de Angola alterou-se radicalmente por causa da queda do preço do petróleo, mas o efeito mais nocivo é político”, Só para se ter uma ideia de como o problema é assustador para uma economia que não se conseguiu diversificar, assinale-se que as receitas totais de Angola, de capital e correntes, atingiram em Maio 485 milhões de dólares contra os 3,2 mil milhões no mesmo período do ano passado, uma quebra de 85 por cento, como admite o Ministério angolano das Finanças, no relatório de execução orçamental divulgado a semana passada. “Esta quebra de receitas apanhou os dirigentes angolanos em contramão e evidenciou um país cheio de fragilidades. Não há uma economia alternativa ao petróleo. Criou-se essa aparência mas ela não existe».
— Vejo Nádia que estás por dentro dos problemas que assolam a tua Angola. Sabes que o escritor João Melo mostra outro exemplo e denuncia que ainda recentemente o ministro da Saúde conseguiu impedir, in extremis, a saída em bloco de vários directores de hospitais que queriam demitir-se por causa da escassez de medicamentos. Mas depois estranha que isto esteja a acontecer, quando o preço do petróleo até está acima dos 40 dólares estimados no Orçamento revisto. “A imagem que está a ser passada é a de um Estado aparentemente falido. Ora, o Estado angolano não está falido. O país tem dinheiro. Mas onde está? Pergunta o escritor.
 
Joel, o pai e a Clarinha levantaram-se para o café na sala de estar. A Sara e a Lara foram tirar cafés para todos. Ninguém ousavam fazer parte do nosso diálogo, apenas escutavam siderados com o saber da Nádia. Já nos sofás da sala a Clarinha perguntou.
 
— Nádia que dizes da filha do presidente?
— É um caso mediático Clarinha, é só ver o que diz a imprensa angolana e estrangeira:
«Isabel dos Santos tem vindo a fazer fora do país, nomeadamente em Portugal, grandes investimentos. Só compra o que compra porque é filha do Presidente. Existia em Angola uma ponta de orgulho. Contudo, o sentimento terá mudado com a crise e a recente aquisição da maioria do capital da empresa portuguesa Efacec terá levado a várias críticas no sentido de Isabel dos Santos apostar em Angola para fazer novos investimentos em vez de optar pelo estrangeiro (embora neste caso o cerne da aposta é preparar-se para ganhar os concursos de equipamentos para a barragem do Laúca e outros empreendimentos que se seguem neste sector. Há um mal-estar grande. Isabel dos Santos, a primogénita, é de longe a mais bem sucedida, tendo sido considerada pela revista norte-americana “Forbes”, em Janeiro de 2013, como a primeira bilionária africana. Com posições em Portugal no BPI, NOS, Galp e Efacec, além do banco angolano BIC, os seus investimentos em Angola são muito relevantes, indo das telecomunicações (Unitel) aos cimentos, passando pela banca, diamantes, restauração, imobiliário, televisão e outras áreas de actividade. São conhecidos vários casos em que usou o peso das suas ligações familiares para passar a deter negócios que pretendia. Sendo muito discreta — não dá entrevistas e raramente aparece em público ou em eventos sociais —, Isabel dos Santos já processou publicações portuguesas, como a “Sábado”, por textos sobre a sua actividade empresarial que considera serem danosos para a sua imagem. Mas a reacção mais espectacular foi a compra em 2013 dos direitos de exploração da revista “Forbes” para os mercados de língua portuguesa, pouco depois de a edição norte-americana ter publicado um artigo que questionava a forma como a empresária tinha construído a sua fortuna». 
 
Surgiu então uma pergunta, feita pelo Joel:
— Se fosses convidada para integrar o elenco governativo, agora que voltas ao teu país com o canudo em economia, aceitavas, mesmo com essa “visão do país”?  
 
— Talvez aceitasse, ainda tenho esperança numas eleições livres e democráticas. Voltando às minhas leituras sobre o assunto, concordo com o que diz o conhecido jornalista angolano Rafael Marques, em declarações recentes: «Caso se mantenha esta inércia política actual em 2017, José Eduardo dos Santos estenderá o seu mandato até 2022». Ora isto é inadmissível.
 
O Whisky que o Dário trouxe foi servido, a conversa estava boa, mas o almoço de hoje tinha outra intenção, dar as boas vindas da Nádia. Foi quando o Dário perguntou:
— Em que sitio de Luanda moras Nádia?
— Na Maianga, na mesma casa que foi da minha avó Nini e depois de minha mãe. Conhece a Maianga tio?
— Conheço muito bem, estive aí numa pensão em 92.
A Lara então lembrou-se de perguntar:
— Ainda ficas cá muito tempo? É que no próximo domingo de manhã realiza-se no Porto a caminhada das mulheres a favor da Liga Portuguesa Contra o Cancro. Todos os anos tenho ido com a Clarinha, o ano passado também foi a Sara. Este ano queres vir connosco?
— Claro que vou, então não sou uma defensora de causas? O meu visto ainda dá até dia 29 de Junho, dia 30 embarco.
— Então vais ter connosco ao jardim da Boavista, junto à Casa da Música. O percurso começa aí e termina no Castelo do Queijo. O Joel espera por nós e traz-nos para almoçar. O teu avô Marcelo vai estar atento ao assado. Ouviste meu menino? (menino era comigo…). Já agora, vê quando arranjas tempo para arrumar o sótão que está em pantanas desde da última vez que lá foste, sabes que já não tenho pernas para andar a subir e a descer.
— Segunda e terça estou livre, posso vir ajudar! Ofereceu-se a Nádia.
— Eu também não tenho trabalho, amanhã, dia 10 é feriado.
— Boa! Exclamou o Joel. Vamos os três arrumar e aproveito para mostrar à Nádia “A Caverna do Saber”, sabes que é assim que meu avô chama ao sótão desde que eu era pequeno?


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