terça-feira, 20 de outubro de 2020

O ANJO VERMELHO




SEGUNDO



 
A Revista Classe, suplemento literário de domingo, do jornal Gazeta do Porto, trazia uma pequena notícia sobre o falecimento de Omar Wilson, fazendo referência a uma pequena cerimónia feita no Ateneu, numa homenagem póstuma ao escritor. 
Dário, o marido da Helga, só tomou conhecimento da morte de Maciel passado alguns dias. Além de se encontrar num congresso sobre o tema: “As Seguradoras e a Europa, face ao Terrorismo” que se prolongava há vários dias em Roma, só teve acesso ao jornal na segunda-feira. A notícia falava do escritor e sua obra, revelando o seu pseudónimo ao público e terminava com o desejo do artista, em ser cremado e as suas cinzas lançadas ao mar junto ao paredão do Molhe no Porto. A Foz do Porto que foi a sua terra natal...  
Dário pelo telefone irritou-se com a Helga, por não o ter avisado do sucedido. Ela desculpou-se contando-lhe que ele tinha voltado de repente e do hotel, fora directamente para o hospital onde morrera de um AVC (acidente vascular cerebral). Ainda que não quis preocupar o filho, nem interromper o trabalho dele, uma vez que não se viam há muitos anos e a sua relação com Maciel não era nenhuma. Foi a melhor maneira como Helga se consegui desculpar.
Ela teve conhecimento antecipado do evento no Ateneu, com um telefonema de Tomé Ferrão (único confidente da ligação do escritor com ela), mas claro que não quis estar presente, até para evitar perguntas de índole privada. Mesmo assim, soube que Tomé Ferrão foi assediado pelos jornalistas presentes, sobre a eventual presença na sala de uma filha de Omar Wilson. A fonte jornalística não tinha sido divulgada. O editor mais uma vez contornou a situação, declarando:
– Só pode ter havido confusão com uma secretária em part-time, que ajudava o autor na compilação de seus textos, pois Omar Wilson não tinha família chegada e ao que consta, é essa mesma secretária que ficou de providenciar as últimas vontades do escritor, como a doação do seu espólio literário, mas isso é já do conhecimento dos senhores jornalistas.
Helga quando voltou ao apartamento conversou amistosamente com o porteiro do prédio, pois desconfiava que a confusa informação de ser filha de Omar Wilson teria saído dali mesmo Disse então ao Pascoal que para evitar jornalistas intrometidos, tinha constado que ela era uma simples secretária e não filha do locatário, por tal, pedia a sua compreensão na corroboração desta pequena mentira, mas essencial para a salvaguarda da privacidade e concretização dos desejos finais de seu pai. Disse-lhe ainda, que ia subir para empacotar os montes de livros que enchiam as estantes e gostava de não ser incomodada, com a promessa (que muito alegrou o porteiro), que o artista tinha mostrado vontade, em ofertar ao casal Pascoal um quadro da sua colecção. Agradeceu ao porteiro e subiu no elevador com um lote de caixas desmanchadas, pronta a iniciar a tarefa que se tinha proposto, tinha muito tempo para o fazer...

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