terça-feira, 27 de outubro de 2020

CHÁVENA COM HISTÓRIA


 



CAPÍTULO 2




José Sebastião Medeiros dos Santos, filho de uma humilde família de Azurém, nasceu a 14 de Dezembro de 1872 e foi baptizado a 20 de Janeiro, dia de S. Sebastião padroeiro do lugar. Desde novo mostrou aptidão para as contas e aos 12 anos já trabalhava na fábrica São Tiago como moço de recados. Foi aí, que já um homem feito, disputado pelas moçoilas casadoiras que passeavam no jardim do Turel, ou se exibiam na festas de S. Torcato, que o então exímio mecânico de teares, conheceu Adelaide, no último dia do século XIX, se bem que era de opinião, que o último dia do século só seria o 31 de Dezembro de 1900. Mas nesse ano de 1899, o fim do ano calhou a um sábado e ao fim de mais um dia de trabalho, o patrão fez uma reunião com todos os operários, na presença da esposa e da filha, distribuindo gratificações e agradecendo a todos a colaboração no engrandecimento da Fábrica de Lanifícios S. Tiago, fazendo votos de progresso para o novo século. Tinha José 27 anos e Adelaide 15. Só daí a quatro anos se começaram a encontrar às escondidas e só no ano de 1903, tiveram permissão para namorar, seis meses depois de sua mãe falecer, até que no ano de 1906, o José com 34 e a Adelaide com 22 casaram. Era vontade dele casarem na capela de Santa Barbara de quem era devoto. Juntamente com seus pais, nunca faltou a uma missa ou a uma festa no dia da padroeira das tempestades e trovões. Mas a vontade de Adelaide e do pai prevaleceu e a cerimónia foi na igreja de S. Tiago, onde os ancestrais da família Albuquerque sempre se tinham unido pelos respeitosos laços do matrimónio, há muitos anos atrás.
Foi uma cerimónia bonita, a que não faltaram os convidados de ambas as partes, embora do lado humilde de José Medeiros, se notasse que não se sentiam muito à vontade naquelas jaquetas apertadas, num dia de calor de Agosto como aquele. Não fora o banquete bem bebido à sombra dos amieiros na margem do idílico rio Gesta e os convivas tinham suado as estopinhas.
A festança correu até às tantas e já um lindo céu de tons vermelho carregado morria por trás dos ciprestes, quando Adelaide e José se recolheram ao quarto de núpcias, entre beijos e promessas de amor. O Comendador Albuquerque nessa noite, foi pernoitar ao hotel “Portucalense” na cidade, para deixar os pombinhos à vontade no solar, não sem antes passar pelo bar da Associação dos Industriais de Guimarães, para oferecer aos amigos charutos e fazer brindes à felicidade da sua “princesa” Adelaide.
O Sol do novo dia já ia alto, quando José Medeiros veio encontrar a esposa de robe na sala, desfazendo os embrulhos de laços coloridos das prendas que receberam na véspera. Uma das caixas brilhava com o verniz bem lacado, era um estojo de café que logo mereceu lugar de destaque em cima do aparador, junto de outros serviços de porcelana fina.
Adelaide que tanto ansiava não conseguia engravidar, mas nunca perdeu a fé com preces a S. Tiago e levava à risca as recomendações do Dr. Clemente, até que em Julho de 1909, foi com muita alegria que anunciou ao marido que esperava um filho. José Medeiros não coube em si de contente, apesar das preocupações que agora o afligiam em tomar definitivamente o destino da fábrica em suas mãos. Tinha acontecido, a partir do dia em que uma grave doença prostrou o Comendador em Dezembro de 1907. No ano seguinte, andava o país em alvoroço pelo assassinato do Rei D. Carlos a 1 de Fevereiro. O sogro ainda esteve dois anos acamado, mas o seu estado agravou-se e a doença levou-o com o advento da Republica, um mês antes de conhecer a neta a quem puseram o nome de Cecília (nome da mãe de Adelaide) e que nasceu a 20 de Abril de 1910.
O parto foi difícil, Adelaide andava fraca, tinha perdido seu pai muito querido há pouco tempo, mas a vinda daquele anjo de cabelo loirinho à sua vida, fez com que ganhasse ânimo e ser uma mãe sempre presente ao lado da sua bebé, ao contrário de José Medeiros que agora se tornara mais ausente com preocupações na fábrica, na política e outras coisas que ela ouvia os criados cochichar, mas que Adelaide não queria acreditar.
José Medeiros era um galante, altivo e bem-apessoado com seu bigode imponente, um elegante cavalheiro que facilmente seduzia as mulheres, principalmente aquelas da alta-roda vimaranense, que frequentavam os salões de chã da cidade ou o clube da Associação Comercial e Industrial de Guimarães.
Com a fundação do Banco de Braga, no ano de 1912 (por coincidência ou mau presságio, na mesma segunda-feira dia 12, em que o “Titanic” se afundou ao norte do Atlântico), o comércio e a indústria do distrito conseguiram um novo incremento em todas as suas vertentes.
O Dr. Manuel de Arriaga era agora o 1º Presidente da Republica constitucionalmente eleito e todos ansiavam a estabilidade do país. José Medeiros, que na época já era considerado um conceituado industrial de Guimarães, tinha montado escritório na cidade para estar mais próximo do telégrafo e outros centros nevrálgicos que em S. Tiago de Gesta não tinha acesso. Levava a vida entre a fábrica e o escritório, negligenciando um pouco a sua vida familiar, onde praticamente só ia dormir e muitas vezes tarde da noite. Empregava agora a quase totalidade da povoação de S. Pedro e muitos de lugares vizinhos. Tinha conseguido um contrato de exportação para Inglaterra, onde a qualidade do linho dos seus afamados lençóis tinha chegado. Assim, os Lençóis S. Tiago solidificaram a sua marca no exterior, com a ajuda de grandes investimentos em novas tecnologias, a maior parte deles financiados pelo novo Banco, que punha à disposição dos industriais mais afoitos os seus serviços, visando como sempre, auferir dos lucros que daí advinham.
O tempo foi passando com o espectro da guerra a pairar sobre a Europa. Adelaide, depois de rezas e muitas promessas a S. Tiago e S. Torcato, ficou de novo grávida para grande alegria do marido e deu à luz a segunda filha do casal no dia 14 de Outubro de 1914, a quem deu o nome da avó paterna, Leonor. José Medeiros sentiu-se desiludido, por ainda não ser desta vez que a sua Adelaide lhe dava um rapaz, que ele muito desejava para herdeiro do seu império. Adelaide desabafava com Joaquina, a antiga criada de seus pais, falava-lhe do quanto sofria, em ver nos olhos do marido a sua tristeza, rezavam juntas e faziam promessas, pedindo a S. Tiago que trouxesse àquela casa um menino.
Um dia, Adelaide questionou-o sobre a sua tristeza e quase indiferença dele, José para lhe demonstrar agrado, mandou pintar em Barcelos, sem ela saber, em quatro pires do serviço de café que ela tanto gostava, os nomes da família: José, Adelaide, Cecília e Leonor. Quando dias depois a surpreendeu com um beijo e com o estojo na mão, disse-lhe:
— Ainda temos dois pires! Havemos de tentar até Deus nos dar um filho homem. Adelaide ficou radiante com a ideia, mesmo sabendo o quanto sofria por tentar mais uma vez engravidar. Conservava o estojo aberto, dentro da cristaleira da sala, junto de outras peças de cristal e serviços de faiança da Vista Alegre, que desde 1824 tinha intensificado o aperfeiçoamento de finas e lindas porcelanas portuguesas.
 

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