CHÁVENA COM HISTÓRIA
CAPÍTULO 2
José Sebastião Medeiros dos Santos, filho de uma humilde família
de Azurém, nasceu a 14 de Dezembro de 1872 e foi baptizado a 20 de Janeiro, dia
de S. Sebastião padroeiro do lugar. Desde novo mostrou aptidão para as contas e
aos 12 anos já trabalhava na fábrica São Tiago como moço de recados. Foi aí,
que já um homem feito, disputado pelas moçoilas casadoiras que passeavam no
jardim do Turel, ou se exibiam na festas de S. Torcato, que o então exímio
mecânico de teares, conheceu Adelaide, no último dia do século XIX, se bem que
era de opinião, que o último dia do século só seria o 31 de Dezembro de 1900.
Mas nesse ano de 1899, o fim do ano calhou a um sábado e ao fim de mais um dia
de trabalho, o patrão fez uma reunião com todos os operários, na presença da esposa
e da filha, distribuindo gratificações e agradecendo a todos a colaboração no
engrandecimento da Fábrica de Lanifícios S. Tiago, fazendo votos de progresso
para o novo século. Tinha José 27 anos e Adelaide 15. Só daí a quatro anos se
começaram a encontrar às escondidas e só no ano de 1903, tiveram permissão para
namorar, seis meses depois de sua mãe falecer, até que no ano de 1906, o José
com 34 e a Adelaide com 22 casaram. Era vontade dele casarem na capela de Santa
Barbara de quem era devoto. Juntamente com seus pais, nunca faltou a uma missa
ou a uma festa no dia da padroeira das tempestades e trovões. Mas a vontade de
Adelaide e do pai prevaleceu e a cerimónia foi na igreja de S. Tiago, onde os
ancestrais da família Albuquerque sempre se tinham unido pelos respeitosos
laços do matrimónio, há muitos anos atrás.
Foi uma cerimónia bonita, a que não faltaram os convidados de
ambas as partes, embora do lado humilde de José Medeiros, se notasse que não se
sentiam muito à vontade naquelas jaquetas apertadas, num dia de calor de Agosto
como aquele. Não fora o banquete bem bebido à sombra dos amieiros na margem do
idílico rio Gesta e os convivas tinham suado as estopinhas.
A festança correu até às tantas e já um lindo céu de tons vermelho
carregado morria por trás dos ciprestes, quando Adelaide e José se recolheram
ao quarto de núpcias, entre beijos e promessas de amor. O Comendador
Albuquerque nessa noite, foi pernoitar ao hotel “Portucalense” na cidade, para
deixar os pombinhos à vontade no solar, não sem antes passar pelo bar da
Associação dos Industriais de Guimarães, para oferecer aos amigos charutos e
fazer brindes à felicidade da sua “princesa” Adelaide.
O Sol do novo dia já ia alto, quando José Medeiros veio encontrar
a esposa de robe na sala, desfazendo os embrulhos de laços coloridos das
prendas que receberam na véspera. Uma das caixas brilhava com o verniz bem
lacado, era um estojo de café que logo mereceu lugar de destaque em cima do
aparador, junto de outros serviços de porcelana fina.
Adelaide que tanto ansiava não conseguia engravidar, mas nunca
perdeu a fé com preces a S. Tiago e levava à risca as recomendações do Dr.
Clemente, até que em Julho de 1909, foi com muita alegria que anunciou ao
marido que esperava um filho. José Medeiros não coube em si de contente, apesar
das preocupações que agora o afligiam em tomar definitivamente o destino da
fábrica em suas mãos. Tinha acontecido, a partir do dia em que uma grave doença
prostrou o Comendador em Dezembro de 1907. No ano seguinte, andava o país em
alvoroço pelo assassinato do Rei D. Carlos a 1 de Fevereiro. O sogro ainda
esteve dois anos acamado, mas o seu estado agravou-se e a doença levou-o com o
advento da Republica, um mês antes de conhecer a neta a quem puseram o nome de
Cecília (nome da mãe de Adelaide) e que nasceu a 20 de Abril de 1910.
O parto foi difícil, Adelaide andava fraca, tinha perdido seu pai
muito querido há pouco tempo, mas a vinda daquele anjo de cabelo loirinho à sua
vida, fez com que ganhasse ânimo e ser uma mãe sempre presente ao lado da sua
bebé, ao contrário de José Medeiros que agora se tornara mais ausente com
preocupações na fábrica, na política e outras coisas que ela ouvia os criados
cochichar, mas que Adelaide não queria acreditar.
José Medeiros era um galante, altivo e bem-apessoado com seu
bigode imponente, um elegante cavalheiro que facilmente seduzia as mulheres,
principalmente aquelas da alta-roda vimaranense, que frequentavam os salões de
chã da cidade ou o clube da Associação Comercial e Industrial de Guimarães.
Com a fundação do Banco de Braga, no ano de 1912 (por coincidência
ou mau presságio, na mesma segunda-feira dia 12, em que o “Titanic” se afundou
ao norte do Atlântico), o comércio e a indústria do distrito conseguiram um
novo incremento em todas as suas vertentes.
O Dr. Manuel de Arriaga era agora o 1º Presidente da Republica
constitucionalmente eleito e todos ansiavam a estabilidade do país. José
Medeiros, que na época já era considerado um conceituado industrial de
Guimarães, tinha montado escritório na cidade para estar mais próximo do
telégrafo e outros centros nevrálgicos que em S. Tiago de Gesta não tinha
acesso. Levava a vida entre a fábrica e o escritório, negligenciando um pouco a
sua vida familiar, onde praticamente só ia dormir e muitas vezes tarde da
noite. Empregava agora a quase totalidade da povoação de S. Pedro e muitos de
lugares vizinhos. Tinha conseguido um contrato de exportação para Inglaterra,
onde a qualidade do linho dos seus afamados lençóis tinha chegado. Assim, os
Lençóis S. Tiago solidificaram a sua marca no exterior, com a ajuda de grandes
investimentos em novas tecnologias, a maior parte deles financiados pelo novo
Banco, que punha à disposição dos industriais mais afoitos os seus serviços,
visando como sempre, auferir dos lucros que daí advinham.
O tempo foi passando com o espectro da guerra a pairar sobre a
Europa. Adelaide, depois de rezas e muitas promessas a S. Tiago e S. Torcato,
ficou de novo grávida para grande alegria do marido e deu à luz a segunda filha
do casal no dia 14 de Outubro de 1914, a quem deu o nome da avó paterna,
Leonor. José Medeiros sentiu-se desiludido, por ainda não ser desta vez que a
sua Adelaide lhe dava um rapaz, que ele muito desejava para herdeiro do seu
império. Adelaide desabafava com Joaquina, a antiga criada de seus pais,
falava-lhe do quanto sofria, em ver nos olhos do marido a sua tristeza, rezavam
juntas e faziam promessas, pedindo a S. Tiago que trouxesse àquela casa um
menino.
Um dia, Adelaide questionou-o sobre a sua tristeza e quase indiferença
dele, José para lhe demonstrar agrado, mandou pintar em Barcelos, sem ela
saber, em quatro pires do serviço de café que ela tanto gostava, os nomes da
família: José, Adelaide, Cecília e Leonor. Quando dias depois a surpreendeu com
um beijo e com o estojo na mão, disse-lhe:
— Ainda temos dois pires! Havemos de tentar até Deus nos dar um
filho homem. Adelaide ficou radiante com a ideia, mesmo sabendo o quanto sofria
por tentar mais uma vez engravidar. Conservava o estojo aberto, dentro da
cristaleira da sala, junto de outras peças de cristal e serviços de faiança da
Vista Alegre, que desde 1824 tinha intensificado o aperfeiçoamento de finas e
lindas porcelanas portuguesas.
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