terça-feira, 27 de outubro de 2020

CHÁVENA COM HISTÓRIA





CAPÍTULO 7



 


PORTO


Clara só soube do sucedido, no primeiro de Maio desse ano, uma sexta-feira (que ainda não era feriado em Portugal), quando o Macedo apareceu em Vilar com uma garrafa de vinho do Porto, provando que não se esqueceu dela e querendo festejar os seus 48 anos. Quis saber como ia a sua vida e como andavam os tratamentos do pequeno Maciel. Por fim, acabou por lhe dar a notícia do desaparecimento do seu finado patrão, José de Medeiros e de como andava a vida das meninas e da velha Joaquina. Falou-lhe como tinha arranjado emprego de motorista em Águas Santas na Maia. Durante a conversa, Clara acabou por desabafar e contar como apareceu em Guimarães para trabalhar há dez anos atrás. Desfiou-lhe o rosário da vida que passou, que era viúva (quase duas vezes...) que nada sabia dos irmãos nem da filha que tinha deixado entregue à comadre em Amarante, que nunca mais visitou e tinha muitas saudades. Macedo comprometeu-se a levá-la a Amarante, mais para o verão e em data a combinar. Despediu-se, mas ficou entre eles um certo sentimento que ia além da amizade, com a promessa de a visitar mais vezes.
 
GUIMARÃES
  
Em S. Tiago de Gesta, as quatro mulheres vestidas de luto, iam levando a vida e confortando-se mutuamente. Joaquina, a quem pegar numa enxada nunca meteu medo, amanhou a terra e tirava assim algum do sustento para alimentar as quatro bocas da casa. Conseguiam mais uns cobres para fazer compras na venda, com os bordados que Cecília fazia, sentada no terraço ao sol e muitas vezes aos serões. Leonor depressa aprendeu a bordar e ajudava a irmã, mas por essa altura, já arrastava a asa a um rapaz mais velho oito anos, acabado de voltar de Coimbra com o curso de direito. Era filho de um criador de gado duma freguesia vizinha, gente de bem e abastados quanto possível. Começou a namorar com o consentimento da irmã e veio a casar no começo do ano seguinte, indo viver para Vila do Conde, onde o marido tinha montado um escritório de advocacia, especializado direito sucessório. Ao partir, prometeu ajudar às irmãs sempre que possível e visitá-las assim que pudesse.
Cecília que em 1932, fez vinte e dois anos e embora tivesse alguns pretendentes, sentia a responsabilidade de olhar pela irmã mais nova, afastando assim qualquer ideia de casar ou sair de casa. Noémia, aos onze anos entrou para o liceu de Guimarães, com a ajuda do Dr. Clemente que a hospedou em sua casa na cidade. Era uma menina prendada, estudiosa mas triste, com saudades das irmãs. O bom doutor não tinha filhos e Noémia, era o Sol daquele lar, mas sempre ansiosa pelas férias da Páscoa, de verão, das festas de Santa Barbara ou do Natal, para voltar a casa cheia de saudades.
  
PORTO
  
Clara voltou nesse ano a Amarante para visitar a filha e os irmãos, foi no dia dos festejos da Senhora de Lindar, mas... não foi muito bem recebida pela família, por acharem que ela os tinha esquecido e abandonado a filha ao Deus-dará. Isabel estava uma mulher com 28 anos, casada sem filhos e a viver na casa da madrinha que entretanto tinha morrido. Mesmo contando os infortúnios por que passou, não consegiu demover a família do que sentiam e a Clara voltou mais triste, amargurada e arrependida da visita. Todos lhe viravam a cara, até as amigas doutros tempos. Clara de olhos molhados, jurou que tão cedo não voltaria a Amarante. Macedo que agora era mais do que um simples amigo, aconselhou-a dar nova volta à sua vida, uma vez que uma das senhoras onde vivia tinha falecido e a outra estava muito doente e com os parentes a rondar a casa como abutres, levando jóias e outras coisas de valor. Antes que pudesse ser responsável pela lapidação do património das velhas senhoras e sem esperar qualquer agradecimento de tal gente, tratou de procurar uma prima que também vivia no Porto, para os lados de Paranhos, disposta a dar uma viragem na sua vida. Clara soube através dessa prima, de uma casinha para alugar na rua da Flora na Lapa por vinte escudos por mês. Era o ideal.
      
“A Lapa ainda hoje pertence à Freguesia de Cedofeita, em tempos, foi uma das Freguesia mais burguesas do burgo tripeiro, mas que sempre teve nos seus limites, bairros de operários de gente pobre mas muito bairrista, era o caso do bairro da Lapa com suas ruas estreitas, escadinhas e vielas, que tem a sua história ligada ao Cerco do Porto que durou quase um ano, de Julho de 1832 a Agosto de 1833, no qual as tropas liberais de D. Pedro, estiveram sitiadas pelas forças fieis a D. Miguel. É neste bairro que se encontra guardado o coração, que o Rei soldado doou á cidade Invicta, que sofreu com ele o cerco e cujo a essa heróica resistência das suas gentes, se deve a vitória da causa liberal em Portugal.
 A morte do Rei D. Pedro IV, ocorreu no palácio de Queluz em 24 de Setembro de 1834 e foi a Imperatriz D. Amélia, por decisão testamentária, que a 5 de Fevereiro de 1835, chegou á barra do Douro com o real legado, que foi transladado para a igreja da Lapa perante o testemunho de milhares pessoa, ostentando luto carregado e empunhando tochas acesas. O cofre com a urna de prata, é aberta de 4 em 4 anos por funcionários da câmara, para que se proceda à mudança do líquido da jarra de cristal onde o coração se encontra inserido”.
       
 
Macedo, com os poucos conhecimentos que tinha, arranjou à Clara trabalho numa padaria no Largo Moinho de Vento (propriedade dos seu novos patrões), para padeira e já com uma venda fixa na zona da rua de Camões. Tinha que se levantar de madrugada para estar na padaria às seis horas, para depois de canastra à cabeça, percorrer as ruas na entrega do pão. Clara aproveitou o ensejo que a vida lhe dava, fez as trouxas, emalou as roupas e foi morar para a rua da Flora na Lapa. Como recordação de Guimarães e dum tempo que gostava de poder esquecer, entre a roupa levou a tal chávena e o pires de porcelana que José Medeiros lhe tinha dado.
 
 
Assim se passaram alguns anos, Muitas feridas o tempo apagou, outras continuavam à espera de cicatrizarem. Como o tempo tudo apaga e ameniza as dores como bálsamo, Clara ia levando a sua vida, entre a venda do pão e as visitas ao Refugio para ver o Maciel. De vez em quando, dava uns passeios com o seu companheiro, que a visitava amiúde. Aproveitavam os lindos passeios (chamados passeios pelo rio acima) em batelões pelo rio Douro, fazendo piqueniques nas margens, com bailaricos animados em Ribeira d’Abade, onde ainda davam pequenos passeios pela tarde, em “Valboeiros” da pesca do sável. Conseguiam assim levar uma vida pacata, mas com alguma alegria. Chegaram a levar num desses passeios o Maciel, numa das ocasiões em que veio a casa de férias, dando os primeiros passos com as muletas a que ainda não se habituara bem.

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