CHÁVENA COM HISTÓRIA
CAPÍTULO 7
PORTO
Clara só soube do sucedido, no primeiro de Maio desse ano, uma
sexta-feira (que ainda não era feriado em Portugal), quando o Macedo apareceu
em Vilar com uma garrafa de vinho do Porto, provando que não se esqueceu dela e
querendo festejar os seus 48 anos. Quis saber como ia a sua vida e como andavam
os tratamentos do pequeno Maciel. Por fim, acabou por lhe dar a notícia do
desaparecimento do seu finado patrão, José de Medeiros e de como andava a vida
das meninas e da velha Joaquina. Falou-lhe como tinha arranjado emprego de
motorista em Águas Santas na Maia. Durante a conversa, Clara acabou por
desabafar e contar como apareceu em Guimarães para trabalhar há dez anos atrás.
Desfiou-lhe o rosário da vida que passou, que era viúva (quase duas vezes...)
que nada sabia dos irmãos nem da filha que tinha deixado entregue à comadre em
Amarante, que nunca mais visitou e tinha muitas saudades. Macedo comprometeu-se
a levá-la a Amarante, mais para o verão e em data a combinar. Despediu-se, mas
ficou entre eles um certo sentimento que ia além da amizade, com a promessa de
a visitar mais vezes.
GUIMARÃES
Em S. Tiago de Gesta, as quatro mulheres vestidas de luto, iam
levando a vida e confortando-se mutuamente. Joaquina, a quem pegar numa enxada
nunca meteu medo, amanhou a terra e tirava assim algum do sustento para
alimentar as quatro bocas da casa. Conseguiam mais uns cobres para fazer
compras na venda, com os bordados que Cecília fazia, sentada no terraço ao sol
e muitas vezes aos serões. Leonor depressa aprendeu a bordar e ajudava a irmã,
mas por essa altura, já arrastava a asa a um rapaz mais velho oito anos,
acabado de voltar de Coimbra com o curso de direito. Era filho de um criador de
gado duma freguesia vizinha, gente de bem e abastados quanto possível. Começou
a namorar com o consentimento da irmã e veio a casar no começo do ano seguinte,
indo viver para Vila do Conde, onde o marido tinha montado um escritório de
advocacia, especializado direito sucessório. Ao partir, prometeu ajudar às
irmãs sempre que possível e visitá-las assim que pudesse.
Cecília que em 1932, fez vinte e dois anos e embora tivesse alguns
pretendentes, sentia a responsabilidade de olhar pela irmã mais nova, afastando
assim qualquer ideia de casar ou sair de casa. Noémia, aos onze anos entrou
para o liceu de Guimarães, com a ajuda do Dr. Clemente que a hospedou em sua
casa na cidade. Era uma menina prendada, estudiosa mas triste, com saudades das
irmãs. O bom doutor não tinha filhos e Noémia, era o Sol daquele lar, mas
sempre ansiosa pelas férias da Páscoa, de verão, das festas de Santa Barbara ou
do Natal, para voltar a casa cheia de saudades.
PORTO
Clara voltou nesse ano a Amarante para visitar a filha e os
irmãos, foi no dia dos festejos da Senhora de Lindar, mas... não foi muito bem
recebida pela família, por acharem que ela os tinha esquecido e abandonado a
filha ao Deus-dará. Isabel estava uma mulher com 28 anos, casada sem filhos e a
viver na casa da madrinha que entretanto tinha morrido. Mesmo contando os
infortúnios por que passou, não consegiu demover a família do que sentiam e a
Clara voltou mais triste, amargurada e arrependida da visita. Todos lhe viravam
a cara, até as amigas doutros tempos. Clara de olhos molhados, jurou que tão
cedo não voltaria a Amarante. Macedo que agora era mais do que um simples
amigo, aconselhou-a dar nova volta à sua vida, uma vez que uma das senhoras
onde vivia tinha falecido e a outra estava muito doente e com os parentes a
rondar a casa como abutres, levando jóias e outras coisas de valor. Antes que
pudesse ser responsável pela lapidação do património das velhas senhoras e sem
esperar qualquer agradecimento de tal gente, tratou de procurar uma prima que
também vivia no Porto, para os lados de Paranhos, disposta a dar uma viragem na
sua vida. Clara soube através dessa prima, de uma casinha para alugar na rua da
Flora na Lapa por vinte escudos por mês. Era o ideal.
“A Lapa
ainda hoje pertence à Freguesia de Cedofeita, em tempos, foi uma das Freguesia
mais burguesas do burgo tripeiro, mas que sempre teve nos seus limites, bairros
de operários de gente pobre mas muito bairrista, era o caso do bairro da Lapa
com suas ruas estreitas, escadinhas e vielas, que tem a sua história ligada ao
Cerco do Porto que durou quase um ano, de Julho de 1832 a Agosto de 1833, no
qual as tropas liberais de D. Pedro, estiveram sitiadas pelas forças fieis a D.
Miguel. É neste bairro que se encontra guardado o coração, que o Rei soldado doou á cidade
Invicta, que sofreu com ele o cerco e cujo a essa heróica resistência das suas
gentes, se deve a vitória da causa liberal em Portugal.
A morte do Rei D. Pedro IV, ocorreu no
palácio de Queluz em 24 de Setembro de 1834 e foi a Imperatriz D. Amélia, por
decisão testamentária, que a 5 de Fevereiro de 1835, chegou á barra do Douro
com o real legado, que foi transladado para a igreja da Lapa perante o
testemunho de milhares pessoa, ostentando luto carregado e empunhando tochas
acesas. O cofre com a urna de prata, é aberta de 4 em 4 anos por funcionários
da câmara, para que se proceda à mudança do líquido da jarra de cristal onde o
coração se encontra inserido”.
Macedo, com os poucos conhecimentos que tinha, arranjou à Clara
trabalho numa padaria no Largo Moinho de Vento (propriedade dos seu novos
patrões), para padeira e já com uma venda fixa na zona da rua de Camões. Tinha
que se levantar de madrugada para estar na padaria às seis horas, para depois
de canastra à cabeça, percorrer as ruas na entrega do pão. Clara aproveitou o
ensejo que a vida lhe dava, fez as trouxas, emalou as roupas e foi morar para a
rua da Flora na Lapa. Como recordação de Guimarães e dum tempo que gostava de
poder esquecer, entre a roupa levou a tal chávena e o pires de porcelana que
José Medeiros lhe tinha dado.
Assim se passaram alguns anos, Muitas feridas o tempo apagou,
outras continuavam à espera de cicatrizarem. Como o tempo tudo apaga e ameniza
as dores como bálsamo, Clara ia levando a sua vida, entre a venda do pão e as
visitas ao Refugio para ver o Maciel. De vez em quando, dava uns passeios com o
seu companheiro, que a visitava amiúde. Aproveitavam os lindos passeios
(chamados passeios pelo rio acima) em batelões pelo rio Douro, fazendo
piqueniques nas margens, com bailaricos animados em Ribeira d’Abade, onde ainda
davam pequenos passeios pela tarde, em “Valboeiros” da pesca do sável.
Conseguiam assim levar uma vida pacata, mas com alguma alegria. Chegaram a
levar num desses passeios o Maciel, numa das ocasiões em que veio a casa de
férias, dando os primeiros passos com as muletas a que ainda não se habituara
bem.
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