segunda-feira, 26 de outubro de 2020

UM CRUZEIRO DE SONHO

 





PARTE 1



    
 
 
Tínhamos entrado à muito na era do dinheiro plástico.
       Dessa vez porém, o cartão de banda magnética servia para abrir a porta do nosso camarote. É verdade, íamos a bordo do “Malhoa”, um navio pequeno que embora não tenha todos os luxos dos modernos e enormes paquetes, era um lindo navio com uma lotação de trezentos passageiros, bons camarotes, uma cozinha genuinamente portuguesa, uma tripulação simpátiquissima, e ainda: Piscina, ginásio, cabeleireiro, cinema, tabacaria com venda de jornais, livraria e revistas e uma maravilhosa sala de jantar, que era também salão de festas e de baile, enfim, o necessário conforto para um cruzeiro revigorante pelo Mediterrâneo ao Egipto e à Grécia.
       Era um dos desejos que faziam parte da nossa extensa lista de sonhos por realizar. Tinha chegado agora a ocasião, graças ao prémio obtido no concurso das Selecções Reader’s Digest. Fora das tais sortes que eu penso, sem querer ser pretensioso, há muito tempo que merecíamos.
       Eu tinha tido a experiência do Vera Cruz, na ida para a guerra do Ultramar. Mas... além daquele cruzeiro simpático que fizemos pelo Douro, quem nunca tinha tido o prazer de navegar, era a Olga.
       Ela estava particularmente feliz nessa noite, em que tínhamos dançado depois do jantar, bebido champanhe, e por fim, um passeio pelo convés. A noite estava amena e de um luar luzidio. Sempre tinha sonhado com uma noite assim: A Lua reflectida no mar, o sussurrar das ondas e ela nos meus braços, assim especialmente bonita. O cabelo muito bem arranjado, um vestido comprido de finas alças, de uma seda azul-escuro muito brilhante, com reflexos de azul-cobalto dado pelo luar. Uma écharpe de veludo quase do mesmo tom do vestido, com arabescos em prata. Sapatos de saltos finíssimos cor de prata e a bolsa do mesmo tom. Ainda uma lindíssimas gargantilha de ouro encrostada com lindos rubis, pulseira e brincos iguais, (prenda pelos 30 anos de casada), faziam o conjunto perfeito naquele quadro: “A noite pincelada de luar”, que o destino tinha pintado finalmente.
        Beijamo-nos levados pelo romantismo da noite, mas com tal entusiasmo, que apesar dos nossos cinquenta anos sentimos o desejo acender-se em nossos peitos, éramos dois quase adolescentes novamente.
        Era a nossa primeira noite a bordo e ansiamos tanto por ela, ao lembrarmo-nos que nunca tínhamos tido uma noite de núpcias. Bem!... E com franqueza! Nós já a merecíamos!      
      A decoração do camarote embora não fosse muito moderna era sóbria, o mobiliário de linhas elegantes onde sobressaia um lindo arranjo de rosas amarelo vivo, em cima de uma cardência de estilo americano e ladeada por dois apliques de cristal, que davam ao camarote uma luminosidade quente e confortante.
         
        Depois da écharpe ter voado para cima da cadeira, voltou-se de costas para que lhe desapertasse o fecho eclaire, adoro ouvir-lhe o deslizar. Lentamente da nuca ao fundo das costas. Admirei aquele corpo, que embora não fosse jovem, transmitia uma sensualidade autêntica e bela. Uma langerie vaporosa de cor cinza rato, onde se destacavam as meias de seda, muito finas e de costura, presas pelas molas de um ligueiro de renda da mesma cor do conjunto. Estava fascinante, solta, desinibida. A felicidade tem destas coisas!...        
       Claro que além das flores, eu tinha pedido ao camareiro um champanhe no gelo e duas taças. Tudo estava perfeito. Estávamos quase a realizar um sonho; Proporcionar a nós mesmo, um prémio de trinta anos de vida em comum, uma noite maravilhosa a bordo de um navio num cruzeiro ao Mediterrâneo.
       O som da música de orquestra ouvia-se ainda vinda do salão, o som e a brisa do mar entravam pela vigia aberta. Depois o amor sempre ele, imprescindível nestas ocasiões, misturou-se com o desejo e o champanhe, os beijos e as carícias, a maresia e o prazer!
        Há coisas que com a idade sabem melhor, esquecemos a pressa, adquirimos serenidade, deliciamo-nos em cada bocadinho de prazer com gozo e doçura.           
          — Estás hoje tão docinha!
          — Eu sou feita de açúcar...
       E o açúcar derreteu como mel. O dique que rebentou como um rio que nos inunda de paz, por fim o clique reconfortante. O sonho realizado... O cansaço, o sono e mais uma vez o sonho...
 
        Tínhamos saído da doca de Alcântara, em Lisboa, pela madrugada desse dia. O primeiro dia a bordo foi passado um pouco à descoberta das coisas, a percorrer todos os cantos do navio, conhecer bem o seu leve baloiçar (a Olga não esqueceu os comprimidos para o enjoo ),  dos ruídos característicos do mar, conhecer ”In loco”  o reflexo do Sol no mar, aquele que só conhecemos visto da praia, ou pintado em quadros. Experimentar a primeira tarde a bordo, o banho na piscina, as cadeiras de lona espalhadas pelo deck, todo o “Malhoa” em suma, para exploramos com a curiosidade própria de quem nunca se viu em tal aventura.
         Fascinante, é sempre a imensidão do mar que nos faz tão pequeninos, que no coloca no lugar certo em relação à natureza no universo. Chega a meter medo quando tanto horizonte a nossa vista alcança, sem no entanto conseguir ver um pouco de terra que seja. A temperatura média no Mediterrâneo é de 15 graus. Nesse dia porém, o calor era sufocante. Com uma área de 2.500.000 Km2, o Mediterrâneo tem a profundidade máxima de 5.267 Metros. Comunica com o Indico pelo Canal de Suez, O Mar de Màrmara, pelo estreito de Dardanelos, que separa a Turquia europeia da asiática. E o oceano Atlântico através do estreito de Gibraltar.
         Este estreito com uma largura de 12.7 Km. Entre a costa de Espanha e a de Marrocos, deve o seu nome à colónia com 6 Km2 e 30 mil habitantes, que está sob o domínio inglês desde 1713 e é uma importante base militar da coroa britânica.
        Inesquecível para nós foi aquele primeiro jantar a bordo, uma espécie de “Boas-vindas” dadas pelo comandante. Pessoa muito simpática, ainda novo, sem barba, sem cachimbo e nem sequer binóculos a tiracolo, o que desgostou o nosso imaginário de “Velho comandante”.        
        O Jantar foi acompanhado de música ambiente com uma orquestra privativa. A sala lindíssima com mesas redondas, todas elas com lindos arranjos florais. Toalhas e guardanapos de linho. Louça de fina porcelana e copos em cristal ao lado de talhares de belo design.
        Abundavam pela sala de jantar grandes jarrões de japoneiras, onde lindas camélias brancas (as flores da nossa cidade do Porto), davam à sala um ar festivo. Dois lampiões estilo arte-nova, no começo dos corrimãos das largas escadas de quatro degraus apenas, forrados de passadeira carmim, que desciam do salão de baile, davam à sala um ar acolhedor. Os criados de laço e avental verde garrafa, estavam impecáveis nas suas camisas brancas e seus sorrisos afáveis.        
      A ementa constava de: Creme verde: Escalopes de vitela; Ervilhas de quebrar à minhota e pudim laranja de caramelo. O vinho era tinto maduro, da região da Bairrada. Depois do café, foi servida uma boa aguardente velha “Aliança”.
      Desejaram-se votos de uma viagem inesquecível, brindou-se com champanhe à alegria do saber (e poder) viver a vida da melhor maneira. Depois, bem depois um bolero encheu a noite de lindos sons, e nos braços um do outro dançamos como se ainda tivéssemos vinte anos...
      Soube depois, que durante o jantar o navio tinha parado, prosseguindo viagem no começo do baile.
      Deixamos nessa noite do nosso lado esquerdo, as Ilhas Baleares. Milhões de luzinhas como estrelas, lá estavam ao longe, as famosas ilhas espanholas de rara beleza, e conhecidas pelo seu clima: Ibiza, Minorca e Maiorca, com a sua capital “ Palma” reflectindo mais luz.
       Atracamos pela manhã em Hammamet, na Tunísia. Uma baía mediterrânica lindíssima, ao longe viam-se soberbas praias, banhadas por aquele mar de águas cálidas e calmas, eram um convite ao relaxamento.
       Autocarros turísticos esperavam-nos no cais, (soube depois que muitos passageiros, optavam por permanecerem a bordo) fomos transportados ao “Aziza”, um hotel de luxo virado à praia. O nosso quarto tinha terraço, ar condicionado e mini-bar. No terraço depois dum banho a dois, secamo-nos deitados em cadeiras longas de lona, sob um toldo branco que filtrava a luz do Sol. Em baixo podia-se ver duas piscinas enormes, lindos jardins, toldos de várias cores, campos de ténis e uma vereda para passear a cavalo, que terminava num largo picadeiro para a prática de equitação. Ao fundo o mar muito azul diluía-se num céu da mesma cor. Desfrutámos aquela paisagem soberba respirando aquele ar calmo da nossa primeira manhã a norte do continente africano.
 
 
          
        
 
    

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