UM CRUZEIRO DE SONHO
PARTE 1
Tínhamos entrado à muito na era do
dinheiro plástico.
Dessa vez
porém, o cartão de banda magnética servia para abrir a porta do nosso camarote.
É verdade, íamos a bordo do “Malhoa”, um navio pequeno que embora não tenha
todos os luxos dos modernos e enormes paquetes, era um lindo navio com uma
lotação de trezentos passageiros, bons camarotes, uma cozinha genuinamente
portuguesa, uma tripulação simpátiquissima, e ainda: Piscina, ginásio,
cabeleireiro, cinema, tabacaria com venda de jornais, livraria e revistas e uma
maravilhosa sala de jantar, que era também salão de festas e de baile, enfim, o
necessário conforto para um cruzeiro revigorante pelo Mediterrâneo ao Egipto e
à Grécia.
Era um dos
desejos que faziam parte da nossa extensa lista de sonhos por realizar. Tinha
chegado agora a ocasião, graças ao prémio obtido no concurso das Selecções
Reader’s Digest. Fora das tais sortes que eu penso, sem querer ser pretensioso,
há muito tempo que merecíamos.
Eu tinha
tido a experiência do Vera Cruz, na ida para a guerra do Ultramar. Mas... além
daquele cruzeiro simpático que fizemos pelo Douro, quem nunca tinha tido o
prazer de navegar, era a Olga.
Ela estava
particularmente feliz nessa noite, em que tínhamos dançado depois do jantar,
bebido champanhe, e por fim, um passeio pelo convés. A noite estava amena e de
um luar luzidio. Sempre tinha sonhado com uma noite assim: A Lua reflectida no
mar, o sussurrar das ondas e ela nos meus braços, assim especialmente bonita. O
cabelo muito bem arranjado, um vestido comprido de finas alças, de uma seda azul-escuro
muito brilhante, com reflexos de azul-cobalto dado pelo luar. Uma écharpe de
veludo quase do mesmo tom do vestido, com arabescos em prata. Sapatos de saltos
finíssimos cor de prata e a bolsa do mesmo tom. Ainda uma lindíssimas
gargantilha de ouro encrostada com lindos rubis, pulseira e brincos iguais,
(prenda pelos 30 anos de casada), faziam o conjunto perfeito naquele quadro: “A
noite pincelada de luar”, que o destino tinha pintado finalmente.
Beijamo-nos
levados pelo romantismo da noite, mas com tal entusiasmo, que apesar dos nossos
cinquenta anos sentimos o desejo acender-se em nossos peitos, éramos dois quase
adolescentes novamente.
Era a nossa
primeira noite a bordo e ansiamos tanto por ela, ao lembrarmo-nos que nunca
tínhamos tido uma noite de núpcias. Bem!... E com franqueza! Nós já a
merecíamos!
A decoração
do camarote embora não fosse muito moderna era sóbria, o mobiliário de linhas
elegantes onde sobressaia um lindo arranjo de rosas amarelo vivo, em cima de uma
cardência de estilo americano e ladeada por dois apliques de cristal, que davam
ao camarote uma luminosidade quente e confortante.
Depois da
écharpe ter voado para cima da cadeira, voltou-se de costas para que lhe
desapertasse o fecho eclaire, adoro ouvir-lhe o deslizar. Lentamente da nuca ao
fundo das costas. Admirei aquele corpo, que embora não fosse jovem, transmitia
uma sensualidade autêntica e bela. Uma langerie vaporosa de cor cinza rato,
onde se destacavam as meias de seda, muito finas e de costura, presas pelas
molas de um ligueiro de renda da mesma cor do conjunto. Estava fascinante,
solta, desinibida. A felicidade tem destas coisas!...
Claro que
além das flores, eu tinha pedido ao camareiro um champanhe no gelo e duas
taças. Tudo estava perfeito. Estávamos quase a realizar um sonho; Proporcionar
a nós mesmo, um prémio de trinta anos de vida em comum, uma noite maravilhosa a
bordo de um navio num cruzeiro ao Mediterrâneo.
O som da
música de orquestra ouvia-se ainda vinda do salão, o som e a brisa do mar
entravam pela vigia aberta. Depois o amor sempre ele, imprescindível nestas
ocasiões, misturou-se com o desejo e o champanhe, os beijos e as carícias, a
maresia e o prazer!
Há coisas
que com a idade sabem melhor, esquecemos a pressa, adquirimos serenidade,
deliciamo-nos em cada bocadinho de prazer com gozo e doçura.
— Estás
hoje tão docinha!
— Eu sou
feita de açúcar...
E o açúcar
derreteu como mel. O dique que rebentou como um rio que nos inunda de paz, por
fim o clique reconfortante. O sonho realizado... O cansaço, o sono e mais uma
vez o sonho...
Tínhamos
saído da doca de Alcântara, em Lisboa, pela madrugada desse dia. O primeiro dia
a bordo foi passado um pouco à descoberta das coisas, a percorrer todos os
cantos do navio, conhecer bem o seu leve baloiçar (a Olga não esqueceu os
comprimidos para o enjoo ), dos ruídos
característicos do mar, conhecer ”In loco”
o reflexo do Sol no mar, aquele que só conhecemos visto da praia, ou
pintado em quadros. Experimentar a primeira tarde a bordo, o banho na piscina,
as cadeiras de lona espalhadas pelo deck, todo o “Malhoa” em suma, para
exploramos com a curiosidade própria de quem nunca se viu em tal aventura.
Fascinante, é sempre a imensidão do mar que nos faz tão pequeninos, que
no coloca no lugar certo em relação à natureza no universo. Chega a meter medo
quando tanto horizonte a nossa vista alcança, sem no entanto conseguir ver um
pouco de terra que seja. A temperatura média no Mediterrâneo é de 15 graus.
Nesse dia porém, o calor era sufocante. Com uma área de 2.500.000 Km2, o
Mediterrâneo tem a profundidade máxima de 5.267 Metros. Comunica
com o Indico pelo Canal de Suez, O Mar de Màrmara, pelo estreito de Dardanelos,
que separa a Turquia europeia da asiática. E o oceano Atlântico através do
estreito de Gibraltar.
Este
estreito com uma largura de 12.7
Km. Entre a costa de Espanha e a de Marrocos, deve o seu
nome à colónia com 6 Km2 e 30 mil habitantes, que está sob o domínio inglês
desde 1713 e é uma importante base militar da coroa britânica.
Inesquecível para nós foi aquele primeiro jantar a bordo, uma espécie de
“Boas-vindas” dadas pelo comandante. Pessoa muito simpática, ainda novo, sem
barba, sem cachimbo e nem sequer binóculos a tiracolo, o que desgostou o nosso
imaginário de “Velho comandante”.
O Jantar
foi acompanhado de música ambiente com uma orquestra privativa. A sala
lindíssima com mesas redondas, todas elas com lindos arranjos florais. Toalhas
e guardanapos de linho. Louça de fina porcelana e copos em cristal ao lado de
talhares de belo design.
Abundavam
pela sala de jantar grandes jarrões de japoneiras, onde lindas camélias brancas
(as flores da nossa cidade do Porto), davam à sala um ar festivo. Dois lampiões
estilo arte-nova, no começo dos corrimãos das largas escadas de quatro degraus
apenas, forrados de passadeira carmim, que desciam do salão de baile, davam à
sala um ar acolhedor. Os criados de laço e avental verde garrafa, estavam
impecáveis nas suas camisas brancas e seus sorrisos afáveis.
A ementa
constava de: Creme verde: Escalopes de vitela; Ervilhas de quebrar à minhota e
pudim laranja de caramelo. O vinho era tinto maduro, da região da Bairrada.
Depois do café, foi servida uma boa aguardente velha “Aliança”.
Desejaram-se
votos de uma viagem inesquecível, brindou-se com champanhe à alegria do saber
(e poder) viver a vida da melhor maneira. Depois, bem depois um bolero encheu a
noite de lindos sons, e nos braços um do outro dançamos como se ainda
tivéssemos vinte anos...
Soube depois,
que durante o jantar o navio tinha parado, prosseguindo viagem no começo do
baile.
Deixamos
nessa noite do nosso lado esquerdo, as Ilhas Baleares. Milhões de luzinhas como
estrelas, lá estavam ao longe, as famosas ilhas espanholas de rara beleza, e
conhecidas pelo seu clima: Ibiza, Minorca e Maiorca, com a sua capital “ Palma”
reflectindo mais luz.
Atracamos
pela manhã em Hammamet, na Tunísia. Uma baía mediterrânica lindíssima, ao longe
viam-se soberbas praias, banhadas por aquele mar de águas cálidas e calmas,
eram um convite ao relaxamento.
Autocarros
turísticos esperavam-nos no cais, (soube depois que muitos passageiros, optavam
por permanecerem a bordo) fomos transportados ao “Aziza”, um hotel de luxo
virado à praia. O nosso quarto tinha terraço, ar condicionado e mini-bar. No
terraço depois dum banho a dois, secamo-nos deitados em cadeiras longas de
lona, sob um toldo branco que filtrava a luz do Sol. Em baixo podia-se ver duas
piscinas enormes, lindos jardins, toldos de várias cores, campos de ténis e uma
vereda para passear a cavalo, que terminava num largo picadeiro para a prática
de equitação. Ao fundo o mar muito azul diluía-se num céu da mesma cor.
Desfrutámos aquela paisagem soberba respirando aquele ar calmo da nossa
primeira manhã a norte do continente africano.
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