1968 – O MEU PAÍS
Oh gente!
Inventem
outras palavras mais verdadeiras
Ò então
Troquem por
outras mais certeiras
Chamai hipocrisia à caridade
Ao altruísmo,
falsidade
E á guerra,
trampa
E às mulheres? Chamai-lhes “máquinas de parir”
ou não geram elas seres para
destruir
nessa guerra de verdade (a
fingir)?
Chamai cegos, aos petulantes
Felizardos,
aos ignorantes
E aos
pacíficos, covardes
E vós homens!
Que misturais
suor com sémen
Lágrimas com
pão e calos com tristeza
Só tendes uma
certeza!
Que viveis
neste pais autista e mudo
Sabeis que
aqui não sois nada
E no entanto,
sois TUDO.
1969 - TENS DESCULPA
Então amigo, estás triste?
Porquê?
Acaso não estás inteiro?
Olha aquele que ficou sem pernas
na guerra do ultramar.
Não és feliz?
Olha aquele que a mulher enganou
por não saber esperar.
Dinheiro?
Não vês que não podes exigir mais!
Não te ensinaram na escola
Que é tão bonita a casinha dum pobre
que basta haver, pão e
vinho sobre a mesa
á entrada um azulejo de
santo António
e é o que basta numa casa
portuguesa?
Vai gastar a merda do salário da semana
Come, bebe e dá pancada na mulher
Não vês que tens desculpa meu sacana!
O teu clube até perdeu!
1970
(Dia em que uma mãe estrangulou o
filho)
Não quero que as flores nasçam
hoje diante de mim.
Recuso-me
ouvir os pássaros cantar
e quero que as árvores se vistam de
luto.
O Sol que não
venha hoje
e os homens venham descalços
sentir o silêncio das pedras.
Quero que
todos os olhos de mulher
chorem lágrimas até inundar esta terra
onde há mães que estrangulam os filhos
Ah quem dera!
Que a pílula
fosse de graça
neste país onde o aborto é proibido
e os cardeais vivem em estado de graça
1971 - DESABAFO
Rasga o peito
Mostra o
coração
e deixa-o falar pela boca
Ele que
proclame de viva voz
a liberdade e a paz
Deixa-o ser o
porta-voz
do que sentes meu hipócrita
Abre os
braços
e faz deles um asilo
de multidões sedentas de paz e amor
Juntas as
mãos e reza ao teu Deus
para que em vez de chuva caía pão
E mate a fome
às bocas cansadas
de pedir liberdade.
1972 - VERMELHO
Hoje vi uma
borboleta enorme
num jardim de Luanda
De asas
lindas, vermelhas
como a cor da nossa bandeira
O Sol escondia-se, enorme
na baía de Luanda
Redondo,
muito vermelho
como a cor da nossa bandeira
1973 - NATAL ADIADO
Mãos que se
juntam
e em coro perguntam
não sabem a quem
pela paz que não vem
Arredada a
esperança
perdeu a criança
o sorriso que tinha
e vagueia sozinha
Porque na
terra rasgada
de sangue manchada
há gente que dorme
com olhos de fome
Não eras tu
que querias
que todos os dias
fosse Natal?
1974 – 25 DE ABRIL
Ò Luciano! Ò Franco!
Ò Couto! Ò
Elias!
Dai-me as
vossas mãos
Ò Daniel! Ó
Jeremias
Ò Pinheiro! Ò
Castilho!
Venham também
Vamos voltar agora
(voluntariamente)
a ser militares outra vez
Vamos por
cravos nas G3
Que ciúmes eu tenho
de não ser militar neste dia...
Mas vou pôr
um cravo no galhardete
do pelotão de artilharia
que trouxe de Angola
Viva a
liberdade!
1974 – 1º DE MAIO
Finalmente
nas ruas vi gente!
sem PIDE ou agente
para mandar “dispersar”.
Finalmente
nas ruas vi povo!
sem o Estado Novo
para nos mandar calar.
Finalmente
nas ruas vi gente!
de mãos dadas, contente
na minha cidade.
Finalmente
nas ruas vi gente!
lançando a semente
para a liberdade.
Dá-me o teu
braço amigo operário
anda daí amigo agrário
vamos à frente, mete-me o braço.
Dá-me o teu
braço ó pescador
Venha daí senhor professor
vamos à frente, mete-me o braço.
E tu que nos olhas dessa varanda
não dizes nada? Anda!
ou então, grita, faz desacato
porque hoje é o 1º de Maio
de mil novecentos e setenta e quatro.
ENQUANTO…
Enquanto houverem crianças
com
a fome pendurada na boca
Enquanto houverem barracas
com
gente dentro que sonha
Enquanto houverem mulheres humilhadas
por monstros possessivos à
solta
Enquanto houverem homens com lágrimas
porque não lhes dão trabalho
Enquanto houverem velhos abandonados
a
viveram num canto por decreto
Enquanto houverem grandes barrigas
com charutos e anéis nos dedos
Enquanto houverem corruptos e usurário
vivendo em liberdade injustamente
Enquanto a balança da justiça
pender sempre para o lado dos ricos
Enquanto os operários não compreenderem
as
palavras escritas nas paredes
Abril será sempre, uma revolução incompleta
VINGO-ME
Vingo-me
Vingo-me de
mim
Quando dou
aos meus filhos
os “Legos” para brincarem.
Vingo-me de mim
Ao vê-los
comer batatas fritas com bife
Igual ao que
minha avó me deu
quando fiz seis anos.
Vingo-me de mim
Quando os
vejo ler à luz do candeeiro
Mas não de
petróleo como era o meu.
Vingo-me de mim
Quando eles
ligam o aquecedor na sala
E não aquecem
as mãos no borralho.
Vingo-me
Nessas
alturas vingo-me
De tudo que
não tive.
SÓIS
Hoje não sei porquê…
Acordei
feliz!
Passo na rua
e dou a todos
Os sóis que
me queimam o bolso
— Olá minha
gente!
— Bom dia
operário!
— Boa tarde
pedinte!
— Olá menino
da escola!
— Boa noite
prostituta!
Dou a todos
os sóis que trago no bolso
De alguns,
recebo luas
Que importa!
As luas
também são belas
E quem me
dera pendurar muitas no céu
Só para
enganar as mulheres e os poetas.
CONSCIÊNCIA
— Porque choras filho?
— Porque o
pai bateu na mãe
— Não filho,
não bati, só ralhei
— Não batas,
não pai?
— Não, não
bato. Agora vai nanar, vá
Anda consciência, bate-me!
Ò então
Dá-me
dinheiro para pagar ao senhorio
Ela gastou-o!
MAGIA
Magia…
Só pode ser magia
O frio, o calor
A amizade, o amor
O receber, o dar
O rir, o cantar
Magia…
Só pode ser magia
Haver até nesse dia
Tristeza, alegria
Dor, caridade
Mentira e verdade
Magia…
Só pode ser magia
Ou então é dia de Natal
Porque do céu chovem esperanças
E ouvem-se os risos das crianças.
MANIFESTO
Nossas vidas meus amigos
São feitas de riscos, de perigos
Vivemos na
corda bamba
Remamos
contra a maré
num rio que não tem pé
Para alcançar
a outra banda
Já ninguém tem a certeza
Até mesmo a
natureza
anda connosco zangada
A esperança
já não é verde
Já não se
ganha nem perde
chegou ao fim a jogada
Agora das duas uma
Ou morremos
na espuma
num mar sem fé e salgado
Ou damos na
mesa um murro
Soltamos à
vida um urro
e lutamos lado a lado
Chega de esperança perdida
Nem tudo é
mau nesta vida
ainda há Sol, estrelas e mar
Com justiça
amor e pão
Vamos todos
dar a mão
que ainda há muito p’ra lutar.
QUERER E NÃO QUERER
Queria tanto
Que a fraternidade invadisse o mundo
matasse a vaidade
e a enterrasse bem fundo
E que o aroma
das floras
exalasse de paz a atmosfera
e que impregnada de amor
nascesse uma nova era.
Não queria
Que a fome matasse os olhos das crianças
e os abutres pairassem
sobre os corpos sem esperança
E nunca ninguém partisse sem concretizar
todos os ideais que têm vindo a sonhar.
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