O ANJO VERMELHO
QUATRO
Depois
de fazer a entrega de todos os livros e filmes, como era desejo de Maciel,
queimou todas as fotos que tiraram juntos e fez desaparecer tudo que fosse suscetível de comprometer a sua relação. Era sua intenção, guardar todos
aqueles anos como uma bela recordação. Agora que a outra metade da laranja não
existia, iria pôr um ponto final naquele romance de amor e escrever a palavra
fim.
Meteu
num saco de viagem alguns peças antigas e o álbum de família, alguns livros e
pequenos quadros, documentos pessoais mais importantes como se de um espólio se
tratasse. Diria lá em casa que o saco lhe foi entregue pelo hotel. Para isso,
tinha marcado à duas semanas atrás, um quarto em nome de Maciel Canavarro (que
ele nunca ocupou), mas que tornava mais convincente a sua história, uma vez que
até uma etiqueta do Hotel em questão consegui para colocar no saco.
Depois
Helga cobriu os quadros, para mais tarde os levar para galeria que
habitualmente comercializava as obras do artista. Cobriu os móveis e sofás com
panos. Tinha contactado a instituição de S. Vicente de Paulo e levado caixas de
roupa dele e dela, combinando o dia para lhe desocuparem o apartamento de todos
os móveis.
Olhou
em volta e aquela casa parecia-lhe agora habitada por fantasmas. Sentou-se à
escrivaninha pronta a rever as contas e o saldo do banco. O Apartamento estava
em seu nome e logo o poria à venda, para isso, já tinha contactado uma agência
imobiliária, assim como todos os direitos de autor das obras de Osmar Wilson,
que também doaria à tal associação cultural, através da SPA. As contas da luz,
água, gás, Internet e telefone estavam em dia, iria a seguir dar baixa de todas
estas coisas para evitar complicações futuras.
Faltava
agora “limpar” o computador. Como tinha conhecimento da palavra-chave para
aceder a todas as pastas, com facilidade entrou digitando a palavra HELGA.
Começou por abrir a pasta de “As minhas fotos” e depois de as ver uma a uma,
apagou-as. Muitas delas eram fotos antigas e de ambos, tiradas com a máquina
automática assente no tripé aos pés do divã da sala. Algumas tinham anos. Era
uma mania dele, guardar estas fotos que gostava de as ver e rever sem nunca se
cansar. Algumas delas eram maravilhosamente ousadas, e irradiavam a paixão
fervorosa que os unia, mas eram também e principalmente muito, mas mesmo muito
comprometedoras.
—
Era-mos tão loucos naquele tempo… Se aquelas fotografias caíssem nas mãos de
alguém, era um desastre. — Pensava Helga. Maciel tinha uma imaginação
prodigiosa e a nossa sexualidade era vivida em plena. Tudo era permitido
até ao limite do respeito por nós próprios e um pelo outro. A moral de muita
gente ainda não aceita este aspecto da sexualidade, por isso muitos casais não
são felizes principalmente porque não falam, não contam um ao outro as suas
fantasias, as suas obsessões, os seus prazeres mais íntimos às vezes tão
simples de realizar. Quando duas pessoas se amam de verdade, não deve haver
barreiras ou limites no desfrutar desse amor.
Era
já fim de tarde, quando finalmente apagou a última foto, eram as que tinham
tirado em Paris à nove anos atrás. Apagou também a pasta, foi ainda à
“Reciclagem” e teclou em “Delete”, apagando definitivamente aquele passado
feito de fotografias digitais. Voltaria no dia seguinte para levar os quadros e
continuar a “limpeza” ao computador.
Em
casa houve da parte do filho Diogo, já com 18 anos, uma certa curiosidade em
saber como tudo se tinha passado em relação à morte do “avô”. É verdade que mal
o conhecia, tinha perto de dois anos quando o Maciel “partiu para o
estrangeiro”, mas tinha curiosidade, nada que Helga não tivesse previsto, assim
como, aproveitava para que Dário também ficasse “esclarecido”.
Helga
contou-lhes como Maciel tinha chegado em segredo e depois de se hospedar num
hotel, deu imediatamente entrada no hospital, com um AVC. Talvez tivesse
regressado com a ideia legítima de morrer na sua terra. Helga continuou com a
mentira que inventara, dizendo que só teve conhecimento do seu falecimento por
um telefonema do hotel, uma vez que encontraram nas coisas dele o seu contacto.
Maciel tinha deixado uma carta para o caso de uma fatalidade, onde dizia que
não queria incomodar ninguém, pois era desejo dele, que a cerimónia fúnebre
fossem o mais simples possível e sem publicidade. O que a levou a tratar de
tudo sozinha, uma vez que o marido se encontrava ausente em Roma, apenas o
editor de Maciel lhe prestou a ajuda burocrática e necessária nestas ocasiões.
Restava aquele saco que lhe foi entregue pelo próprio hotel, pois era a única
bagagem do escritor desaparecido, tirando uma mala de roupa que logo se desfez,
entregando-a a uma instituição de caridade da cidade.
Ficou
assim esclarecido todo o mistério da morte de Maciel. Dário absorvido pelo seu
trabalho, nunca mais pensou no assunto mas… Diogo não ficou muito convencido da
explicação da mãe, apenas por um pormenor que foi a grande falha de Helga nesta
enorme mentira. Naquele saco não havia, um passaporte, um postal, uma foto do
local onde Maciel tinha vivido, nada que “disse-se”, por onde andou tantos
anos.
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