terça-feira, 6 de outubro de 2020

PALAVRAS SENTIDAS "POEMAS" 4

 4ª FASE

 

É NOITE DE NATAL

Olho através duma fresta da caserna

Chove no mato, é noite de Natal

 

Como gostava de ver a tua alegria

     e a de nossos filhos

     ao abrirem as prendas que não dei.

Como gostava de partir convosco

     as avelãs, as nozes os pinhões

Acender as velas na árvore de Natal

     por o menino na manjedoura à meia-noite

     e jogar contigo o loto até de madrugada.

 

Como gostava de acordar amanhã contigo

    e beber café com rabanadas, 

    ter o bolo-rei à nossa mesa de toalha bordada

Comer o farrapo-velho bem rugido com muitos alhos

    e o anho assado no forno do padeiro.

 

Faz frio, chove no mato e nos meus olhos

Bom Natal meus amores!

 

 

A CASERNA EM DOIS ACTOS

Tinha fome

Desenhei duas flores num aerograma

     para o João mandar à namorada

Ele deu-me um cigarro

     e fiquei com fome.

 

Queria fumar

Escrevi uma quadra de amor

     para o Seixas mandar à namorada

Ele deu-me um bocado de queijo

     e fiquei sem fumar.

 

 

LUA DE LUANDA

 

Ó que luz bela de ti sai!

Lua dos namorados te imploro

Ganha asas e vai

Ao encontro daquela a quem adoro

 

Minha mensageira vai num lampejo

Ainda que não consigas

Imita uma boca e dá-lhe um beijo

Tenta dar-lhe um abraço amigo

Que daqui, de tão longe, eu não consigo.

 

 

 

ONDA DE INDIFERENTES

 

Caminhando só

Pelas ruas cheias de gente e vi.

Risos nas bocas

Euforias nos olhos

Calma nas mãos.

Esplanadas cheias

Muitos copos de cerveja

Alegria nos diálogos.

Gente indiferente

Ao rapaz que pedia dois angolares

Pelo cinzeiro esculpido em madeira.

Tu mesmo passas-te por mim

Nem respondeste ao meu — Bom-dia!

Caminhavas na onda dos indiferentes

Aposto que nem sabias

Quantos mortos houverem ontem

Em Malange ou

No Vietname.

 

 

OLHANDO O “GRAFANIL”

 

Olho o espaço vazio

Esse vácuo que me aterra

Sinto no corpo um calafrio

Espeto os pés na terra

Para ter a certeza do frio

Era verdade

Eu estava na guerra

 

Olho então o céu

Universo inteiro dorme

Este mundo não é meu

Aqui há guerra e fome

O dono desta terra não sou eu

Eu sou apenas um homem

Que sente a raiva que o consome.

 

 

 

NA BAÍA DE LUANDA

 

Olhando o entardecer

       neste patamar do dia

       vejo no mar esconder-se

       o Sol com teu sorriso à mistura

Franco, verdadeiro

       como uma fonte de água pura

       ouço gargalhadas sonoras

       como um eco que perdura.

A felicidade sai aos beijos

       dessa boca doce como amoras.

Se agora choras

       as lágrimas no teu rosto

       onde amanhã ser mosto

E um dia, havemos de rir os dois

       desta dor que nos assola.

 

 

BAIRRO DO MARÇAL

Hoje

Vi uma criança brincar

     numa rua deserta de borboletas

Comia um naco de pão

     misturado com ranho

Seminua, mijava num carreiro de formigas

     com vergonha do Sol

Olhou a terra cor dos seus joelhos

Calcou um malmequer

     e cuspiu na sua sombra

Quando passei

Olhou para mim com olhos de Biafra

E disse:

— Senhô dê-me pão.

Ah! Que vontade de arrasar palácios….

 

 

A DOR

Sinto as veias latejarem

        de saudade

        na ansiedade de te ver

 

Quando esse dia chegar

        vou correr sem parar

        na ânsia dos teus braços

Não quero perder mais passos

        e vou dizer ás pessoas:

 “Com licença que vou com pressa

        Quero dar ao meu amor

        um beijo por cada lágrima

        que ela chorou de dor.”

“ Desculpem, quero passar

        Quero dizer-lhe obrigado

        por me ter esperado.”

E quando ao pé de ti chegar

        não tardes

Rasga o vestido

        e dá-me os seios para beijar.

Para esta dor da saudade

       por fim acabar.

 

 

PARA LÁ DO MAR

Já não é desejo o que sinto por ti

É fogo…

Sim fogo

Incêndio que me vai no peito

Paixão ardente

Fome…

Sim fome

Ando faminto do teu corpo

Sedento dos teus beijos

Vicio…

Sim vício

Tenho vício de te amar

Vicio de me dar

Viver…

Sim viver

Porque sem ti eu morro

Sim morro

Cremado por dentro.

 

 

AQUI LONGE

Vou contando os dias e as horas

            que teimam em não passar

            torturando-me os sentidos.

Vou entretendo os dedos e as mãos

           com cigarros que se queimam p’ra

           não me levarem à loucura.

ou escrevendo poemas e cartas

           que te mando avidamente

           e as respostas demoram tanto...

Vou rezando não sei a quem, pedindo

            para que não me deixes

            nem te esqueças que eu existo.

Vou acumulando mil desejos

           que já nem sei se um dia

           os vou concretizar.

Vou, eu juro que vou!

Só quero a certeza de ter à minha espera

          a tua boca, e essa dúvida, tortura-me

          ainda mais os sentidos.

 

 

 

QUE GUERRA É ESTA? 

 

Que guerra é esta?

Quem me separou

           dos meus amores

Quem me obrigou

           a estar longe dos meus filhos.

Que pátria é esta

           que me obriga a defender

           uma terra que nem é minha!

Mas que merda de guerra é esta

          de certeza não é minha!

Porque fui deportado

          sem ser julgado?

Porque fui degredado?

         eu apenas sou soldado

E sou, porque fui obrigado.

 

 

ANDO

Ando… Ando

Neste trilho sem fim

           Á procura de mim

Olhando… Olhando

Atento aos medos

          com cigarro nos desos

Pensando…Pensando

Que terra é esta, que terra

          que ando a fazer nesta guerra

Chorando…Chorando

         por dentro da saudade

         ando nesta ansiedade

Até quando... Até quando...



AUSÊNCIA 

Sim meu amor

Aqui também há Sol

Luar, estrelas e flores.

Sim mau amor

Aqui também há chuva

Mar, ondas e vento.

Sim meu amor

Aqui também há risos

Música e bebedeiras

E há armas, sangue e morte

Lágrimas, dor e saudade

Mas sabes meu amor?

Também existe a tua ausência.

 

 

 

 ILHA DE LUANDA

O Sol vai-se ao fim da tarde

Mas de manhã

         volta sempre

A lua vai-se ao fim da madrugada

Mas à noite

         volta sempre

A onda desfaz-se na areia

Mas o mar

         trá-la sempre de volta

Tem fé meu amor

Parti daí um dia

Mas um dia, hei-de voltar

Para sempre.

 

 

 

 SAUDADE EM LUANDA

 

 Saudade

E um mal-estar permanente

É sentir dor sem estar doente

É sentir frio e o vazio de alguém

É passear a alma sem ninguém

Saudade

São sete letras uma expressão

São sete chagas no coração

É numa palavra haver um drama

É viver longe de quem de ama

Saudade

Quem a sente, por vezes sente

Que quase fica demente

E vive a chorar por dentro

 

 

A DISTÂNCIA

Insuficiente para separar nosso amor

         é a distância enorme que nos separa

Surges em minha lembrança a cada instante

         basta fechar os olhos para te ver

Olho a foto que me enviaste

         e sorris para mim

Tu sabes que a distancia não importa     

         que sempre no meu coração estarás

         e nele sempre viverás.

 

 

 

SE SOUBESSES…

Se soubesses...

Quanto me dói o ciúme

Que tenho da Lua, das estrelas

Porque te vêm, eu não!

Se soubesse...

Quanto me dói o sonho

Pois só nele te vejo

E não estás aqui, realmente.

Se soubesses...

Quanto me dói o corpo

Reprimindo o desejo do teu

Sofrendo de saudade…

 

 

NOSSOS TRÊS AMORES 

Ò Sol!

Diz-me como está

Aquele lourinho tão reguila

Que deixei com a mãe.

Ò Vento!

Diz-me como vai

Aquela moreninha de olhos brilhantes

Que deixei com a mãe.

Ò mar!

Diz-me como está

Aquele anjo que quase não conheci

E deixei com a mãe.

Que grande responsabilidade a tua

Que grande irresponsabilidade a minha.

 

 

 

MEUS FILHOS 

Para além da distância

         que os meus olhos alcançam

         estais vós.

Para aquém da distância

         que vossos olhos alcançam

         estou eu.

São apenas espaços

         que se hão-de encurtar

São finos traços

         que se hão-de apagar

         por muito vos amar

Quando voltar

Havemos de ter um Natal inesquecível

Eu, vós e a vossa mãe

Prometo.

 

 

SINTO TANTA FALTA

Sinto tanta falta

          dum sorriso, dum afago

          nesta tristeza que trago

          nesta solidão que me mói.

Sinto tanta falta

          dos teus braços do teu corpo

          só eu sei quanto sofro

          por não te ter e quanto dói.

Sinto tanta falta

          que a mim mesmo eu minto

          que o tempo passa depressa

Sinto tanta falta

          do teu beijo que pressinto

          que é demais a minha pressa.

 

 

 

ENVIO-TE UM POEMA

 

Hei-de fazer-te um poema

            nas pétalas duma flor

            com tinta de mel e sangue

Vou buscar raios ao Sol

            brilho ás estrelas e

            trago as ondas

            e areia quente da praia

Trago o orvalho das manhãs

            e a neblina das madrugadas

            ponho-lhe risos de criança

           e orno-o com borboletas

           pulverizo-o com jasmim

Depois, dou-lhe um beijo

            e mando-to pelo vento.

 

 

SOL DISTANTE

O Sol aquece o mundo

      mas tenho frio de ti

O Sol ilumina o mundo

      mas minha alma é breu

O Sol seca as bocas

      tenho sede dos teus beijos

Do Sol tenho ciúmes

      porque ele vê-te eu não

E no entanto

      tu és o meu Sol.

 

 

 

ADEUS LUANDA

Vou partir

Levo as mãos vazias

Mas levo a recordação

Dos beijos dela

Da cor maravilhosa dos seus olhos

Das noites de calor que passamos na varanda.

Vou partir

Levo as mãos vazias

Mas levo a recordação

Do teu pôr-do-sol

Da tua terra vermelha

Da tua baía

Da “Biker”

Da “Portugália”

Do “B.O.”

Adeus, até um dia

Obrigado.


 

Sem comentários:

Enviar um comentário

ENQUANTO ME LEMBRO...