É NOITE DE NATAL
Olho através
duma fresta da caserna
Chove no
mato, é noite de Natal
Como gostava
de ver a tua alegria
e a de nossos filhos
ao abrirem as prendas que não dei.
Como gostava
de partir convosco
as avelãs, as nozes os pinhões
Acender as
velas na árvore de Natal
por o menino na manjedoura à meia-noite
e jogar contigo o loto até de madrugada.
Como gostava
de acordar amanhã contigo
e beber café com rabanadas,
ter o bolo-rei à nossa mesa de toalha
bordada
Comer o
farrapo-velho bem rugido com muitos alhos
e o anho assado no forno do padeiro.
Faz frio,
chove no mato e nos meus olhos
Bom Natal meus amores!
A CASERNA
Tinha fome
Desenhei duas
flores num aerograma
para o João mandar à namorada
Ele deu-me um
cigarro
e fiquei com fome.
Queria fumar
Escrevi uma
quadra de amor
para o Seixas mandar à namorada
Ele deu-me um
bocado de queijo
e fiquei sem fumar.
LUA DE LUANDA
Ó que luz
bela de ti sai!
Lua dos
namorados te imploro
Ganha asas e
vai
Ao encontro
daquela a quem adoro
Minha
mensageira vai num lampejo
Ainda que não
consigas
Imita uma
boca e dá-lhe um beijo
Tenta dar-lhe
um abraço amigo
Que daqui, de
tão longe, eu não consigo.
ONDA DE INDIFERENTES
Caminhando só
Pelas ruas
cheias de gente e vi.
Risos nas bocas
Euforias nos
olhos
Calma nas
mãos.
Esplanadas cheias
Muitos copos
de cerveja
Alegria nos
diálogos.
Gente indiferente
Ao rapaz que
pedia dois angolares
Pelo cinzeiro
esculpido em madeira.
Tu mesmo passas-te por mim
Nem
respondeste ao meu — Bom-dia!
Caminhavas na
onda dos indiferentes
Aposto que
nem sabias
Quantos
mortos houverem ontem
Em Malange ou
No Vietname.
OLHANDO O “GRAFANIL”
Olho o espaço
vazio
Esse vácuo
que me aterra
Sinto no
corpo um calafrio
Espeto os pés
na terra
Para ter a
certeza do frio
Era verdade
Eu estava na
guerra
Olho então o
céu
Universo
inteiro dorme
Este mundo
não é meu
Aqui há
guerra e fome
O dono desta
terra não sou eu
Eu sou apenas
um homem
Que sente a
raiva que o consome.
NA BAÍA DE LUANDA
Olhando o
entardecer
neste patamar do dia
vejo no mar esconder-se
o Sol com teu sorriso à mistura
Franco,
verdadeiro
como uma fonte de água pura
ouço gargalhadas sonoras
como um eco que perdura.
A felicidade
sai aos beijos
dessa boca doce como amoras.
Se agora
choras
as lágrimas no teu rosto
onde amanhã ser mosto
E um dia,
havemos de rir os dois
desta dor que nos assola.
BAIRRO DO MARÇAL
Hoje
Vi uma
criança brincar
numa rua deserta de borboletas
Comia um naco
de pão
misturado com ranho
Seminua,
mijava num carreiro de formigas
com vergonha do Sol
Olhou a terra
cor dos seus joelhos
Calcou um
malmequer
e cuspiu na sua sombra
Quando passei
Olhou para
mim com olhos de Biafra
E disse:
— Senhô dê-me pão.
Ah! Que vontade de arrasar palácios….
A DOR
Sinto as veias latejarem
de saudade
na ansiedade de te ver
Quando esse
dia chegar
vou correr sem parar
na ânsia dos teus braços
Não quero
perder mais passos
e vou dizer ás pessoas:
“Com licença que vou com pressa
Quero dar ao meu amor
um beijo por cada lágrima
que ela chorou de dor.”
“ Desculpem,
quero passar
Quero dizer-lhe obrigado
por me ter esperado.”
E quando ao pé de ti chegar
não tardes
Rasga o
vestido
e dá-me os seios para beijar.
Para esta dor
da saudade
por fim acabar.
PARA LÁ DO MAR
Já não é desejo o que sinto por ti
É fogo…
Sim fogo
Incêndio que
me vai no peito
Paixão
ardente
Fome…
Sim fome
Ando faminto
do teu corpo
Sedento dos
teus beijos
Vicio…
Sim vício
Tenho vício
de te amar
Vicio de me
dar
Viver…
Sim viver
Porque sem ti
eu morro
Sim morro
Cremado por
dentro.
AQUI LONGE
Vou contando os dias e as horas
que teimam em não passar
torturando-me os sentidos.
Vou entretendo os dedos e as mãos
com cigarros que se queimam p’ra
não me levarem à loucura.
ou escrevendo poemas e cartas
que te mando avidamente
e as respostas demoram tanto...
Vou rezando não sei a quem, pedindo
para que não me deixes
nem te esqueças que eu existo.
Vou acumulando mil desejos
que já nem sei se um dia
os vou concretizar.
Vou, eu juro que vou!
Só quero a
certeza de ter à minha espera
a tua boca, e essa dúvida, tortura-me
ainda mais os sentidos.
QUE GUERRA É ESTA?
Que guerra é
esta?
Quem me
separou
dos meus amores
Quem me
obrigou
a estar longe dos meus filhos.
Que pátria é
esta
que me obriga a defender
uma terra que nem é minha!
Mas que merda
de guerra é esta
de certeza não é minha!
Porque fui
deportado
sem ser julgado?
Porque fui
degredado?
eu apenas sou soldado
E sou, porque
fui obrigado.
ANDO
Ando… Ando
Neste trilho
sem fim
Á procura de mim
Olhando… Olhando
Atento aos
medos
com cigarro nos desos
Pensando…Pensando
Que terra é
esta, que terra
que ando a fazer nesta guerra
Chorando…Chorando
por dentro da saudade
ando nesta ansiedade
Até quando...
Até quando...
AUSÊNCIA
Sim meu amor
Aqui também
há Sol
Luar,
estrelas e flores.
Sim mau amor
Aqui também
há chuva
Mar, ondas e
vento.
Sim meu amor
Aqui também
há risos
Música e
bebedeiras
E há armas,
sangue e morte
Lágrimas, dor
e saudade
Mas sabes meu
amor?
Também existe
a tua ausência.
ILHA DE LUANDA
O Sol vai-se ao fim da tarde
Mas de manhã
volta sempre
A lua vai-se
ao fim da madrugada
Mas à noite
volta sempre
A onda
desfaz-se na areia
Mas o mar
trá-la sempre de volta
Tem fé meu amor
Parti daí um
dia
Mas um dia,
hei-de voltar
Para sempre.
SAUDADE EM LUANDA
Saudade
E um
mal-estar permanente
É sentir dor
sem estar doente
É sentir frio
e o vazio de alguém
É passear a
alma sem ninguém
Saudade
São sete
letras uma expressão
São sete
chagas no coração
É numa
palavra haver um drama
É viver longe
de quem de ama
Saudade
Quem a sente,
por vezes sente
Que quase
fica demente
E vive a
chorar por dentro
A DISTÂNCIA
Insuficiente para separar nosso amor
é a distância enorme que nos separa
Surges em
minha lembrança a cada instante
basta fechar os olhos para te ver
Olho a foto
que me enviaste
e sorris para mim
Tu sabes que
a distancia não importa
que sempre no meu coração estarás
e nele sempre viverás.
SE SOUBESSES…
Se soubesses...
Quanto me dói
o ciúme
Que tenho da
Lua, das estrelas
Porque te
vêm, eu não!
Se soubesse...
Quanto me dói
o sonho
Pois só nele
te vejo
E não estás
aqui, realmente.
Se soubesses...
Quanto me dói
o corpo
Reprimindo o
desejo do teu
Sofrendo de
saudade…
NOSSOS TRÊS AMORES
Ò Sol!
Diz-me como
está
Aquele
lourinho tão reguila
Que deixei
com a mãe.
Ò Vento!
Diz-me como
vai
Aquela
moreninha de olhos brilhantes
Que deixei
com a mãe.
Ò mar!
Diz-me como
está
Aquele anjo
que quase não conheci
E deixei com
a mãe.
Que grande responsabilidade a tua
Que grande
irresponsabilidade a minha.
MEUS FILHOS
Para além da distância
que os meus olhos alcançam
estais vós.
Para aquém da
distância
que vossos olhos alcançam
estou eu.
São apenas
espaços
que se hão-de encurtar
São finos
traços
que se hão-de apagar
por muito vos amar
Quando voltar
Havemos de
ter um Natal inesquecível
Eu, vós e a
vossa mãe
Prometo.
SINTO TANTA FALTA
Sinto tanta falta
dum sorriso, dum afago
nesta tristeza que trago
nesta solidão que me mói.
Sinto tanta
falta
dos teus braços do teu corpo
só eu sei quanto sofro
por não te ter e quanto dói.
Sinto tanta
falta
que a mim mesmo eu minto
que o tempo passa depressa
Sinto tanta
falta
do teu beijo que pressinto
que é demais a minha pressa.
ENVIO-TE UM POEMA
Hei-de
fazer-te um poema
nas pétalas duma flor
com tinta de mel e sangue
Vou buscar
raios ao Sol
brilho ás estrelas e
trago as ondas
e areia quente da praia
Trago o
orvalho das manhãs
e a neblina das madrugadas
ponho-lhe risos de criança
e orno-o com borboletas
pulverizo-o com jasmim
Depois,
dou-lhe um beijo
e mando-to pelo vento.
SOL DISTANTE
O Sol aquece o mundo
mas tenho frio de ti
O Sol ilumina
o mundo
mas minha alma é breu
O Sol seca as bocas
tenho sede dos teus beijos
Do Sol tenho
ciúmes
porque ele vê-te eu não
E no entanto
tu és o meu Sol.
ADEUS LUANDA
Vou partir
Levo as mãos
vazias
Mas levo a
recordação
Dos beijos
dela
Da cor
maravilhosa dos seus olhos
Das noites de
calor que passamos na varanda.
Vou partir
Levo as mãos vazias
Mas levo a
recordação
Do teu
pôr-do-sol
Da tua terra
vermelha
Da tua baía
Da “Biker”
Da
“Portugália”
Do “B.O.”
Adeus, até um dia
Obrigado.
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