quinta-feira, 8 de outubro de 2020

MAIANGA "NOVELA" 1


1º CAPITULO


 
 
Assistia ao telejornal da manhã, num dia quente de Julho de 2016, no conforto do meu sofá, quando uma notícia me deixou consternado, ao ouvir o nome de Nádia Santos. O jornalista informava:
 
«Pelo menos 30 pessoas morreram, na sequência de um acidente com um avião militar no aeroporto de Huambo em Angola. O aparelho, que transportava 16 pessoas, pertencia à Força Aérea Nacional, terá embatido no solo quando tentava descolar. O avião transportava para Luanda altas patentes das Forças Armadas Angolanas, tendo escala prevista na localidade de Catumbela. Entre os mortos, estão dois generais, um coronel e a subsecretária das finanças Nádia Santos. Uma missão do Instituto Nacional de Aviação Civil de Angola (INAVIC) está a caminho do local para investigar as causas do acidente».
 
A Nádia era minha neta, mas só a conheci há poucos anos, quando o meu neto Joel nos apresentou. É esquisito, eu sei, mas vou tentar contar como tudo aconteceu.
 
O Joel e a Nádia eram colegas de curso na Faculdade de Economia da Universidade do Porto. A Nádia nasceu em Luanda e tinha vindo estudar ao abrigo de um acordo cultural de intercâmbio entre os governos de Angola e Portugal. Era uma mulher linda e de inteligência invulgar, o que a fez ingressar mais tarde, no elenco governativo do seu país. Naquela altura nem sonhavam que eram parentes, mas davam-se bem, estudavam muitas vezes juntos e chegou quase a haver um certo romance entre eles, não fora o namoro de alguns anos que o Joel tinha com a Clarinha. A Nádia vivia na rua da Saudade no Porto em casa de uma velha senhora, ao abrigo do programa de intercâmbio de estudantes em residências particulares. Tinha uma bolsa de estudo dada pelo governo Angolano e tinha solicitado no Consulado Português em Luanda, um visto para cinco anos de estudante do ensino superior para estudar em Portugal.
Angola precisava de gente nova para levar o país rumo ao progresso, depois de tantos anos de guerra: Treze com a guerrilha colonial contra Portugal, que terminara felizmente com o 25 de Abril de 74, e onde eu estive de 70 a 72. Depois, foi a terrível guerra fratricida, entre facções que antes, tinham lutado lado a lado para alcançar a independência, esta guerra durou mais de quinze anos, provocando a morte a milhares de angolanos, com um milhão e setecentos mil refugiados, que atravessaram as fronteiras.    
Toda a parte leste de Angola ficou arrasada, a zona do (hoje) Huambo, foi palco de ataques sucessivos durante anos seguidos. A ganância pela riqueza do solo, onde abundam os diamantes, levou à fuga de famílias inteiras, á morte e estropiamento de milhares de crianças vítimas das minas fatais. E foram tantas… Que levou a boa princesa Diana, a criar uma fundação para auxílio às crianças de África e principalmente de Angola, e à desminilização dos terrenos.   
Na época colonial, o povo português nunca usufruiu dessa riqueza dos diamantes pertencente a uma empresa estrangeira, a tal que muitos anos antes tinha assinado com o governo fascista de Salazar, permissão para a sua exploração, em troca de favores. Mais a norte, no mar de Cabinda, acontecia o mesmo, mas desta feita, com o petróleo, que desde 1955 (ano da sua descoberta no vale do Kwanza). Em parceria com o governo colonial a Petrofina criou a Fina Petróleos de Angola (Petrangol) e construiu a refinaria de Luanda para processamento do crude.
Foram aos milhares, as pessoas sacrificadas por essa ganância desabrida do poder. Primeiro foram os portugueses, com quase 10.000 de mortos, (conforme atestam as lápides gravadas no moral do Forte do Bom Sucesso em Belém, junto ao Monumento dos mortos do Ultramar). Ainda com quase 5.000 estropiados, que ficaram mutilados e condenados a viverem em cadeiras de rodas, ou afectados psiquicamente pelo que viram e viveram. Nada melhor para demonstrar o que digo, que assistir aos filmes/documentos: “Inferno” e “Monsanto”, “A Guerra” grande série documental de autoria do jornalista Joaquim Furtado que passou na RTP, ou ler os três volumes da “Guerra do Ultramar” editados pelo Círculo dos Leitores com crónicas arrepiantes do escritor João de Melo.                             
É muito difícil para a juventude de hoje, (que nem é obrigada a fazer o serviço militar), sentir o pânico de saber que ao chegar aos 20 anos (tão bonitos e insubstituíveis para um jovem), saber que a partir do dia em que era chamado para a vida militar, estava iminente a sua mobilização para uma guerra sem verdade, como mais tarde escrevi e o fadista Augusto Fernandes cantou:
 
Também andei com o vento / Nessa guerra sem verdade
Se demorava mais tempo / Eu morria de saudade. 

Sem comentários:

Enviar um comentário

ENQUANTO ME LEMBRO...