quarta-feira, 28 de outubro de 2020

LEMBRANDO AMIZADES


 



1ª PARTE





A TRADIÇÃO
 
 
Era uma tradição antiga, os grupos excurcionistas, os mealheiros nos tascos e os grupos orgranizados com as caixas de 20 amigos, pequenas formas de guardar dinheiro cotizando durante o ano, para no final se receber a maquia acomulada. Durante o ano, haviam empréstimos aos sócios a pequenos juros, que acomulados era lucros a juntar ao bolo final. Eram depois distribuidos pelo Natal equitativamente pelos 20 sócios, isto num tempo em que não havia subsídios de forma alguma e eram estes pequenos “bancos” caseiros que ajudavam. Haviam livros próprios de deve e haver para o efeito. Havia um tesoureiro e um vogal eleitos para fazer a “escrita”, normalmente pessoas da confiança de todos.
 
 
 
 
 
OS CAROLAS DA BELA
 
       
Para falar aqui dos “Carolas da Bela”, nada melhor que um artigo publicado a 15 de Setembro de 1998, no jornal “A Voz de Ermesinde” de minha autoria e que passo a transcrever:
 
«Se ainda existissem, faziam no dia 11 de Setembro do ano em curso 20 anos. É verdade, como o tempo passa... O Lugar da Bela era tão diferente do que é hoje, meia dúzia de ruas em terra, poucas casas e muitos eucaliptos, um café na rua principal onde a malta se juntava e foi aí que eu e o Sousa tivemos a ideia, fundar um grupo de amigos que pagassem pontos negativos do Totobola, juntando assim algum dinheiro para poder-mos fazer um passeio/almoço de confraternização. Acordou-se que por cada ponto se pagaria 1$00. Convidamos mais 10 amigos, o Jaime, o Alfredo, o Simões (já falecido), o Carlos, o Raul, o Abílio, o Cruz, o Pereira, o Abreu e o Arnaldo que foi o tesoureiro.     
       Tem a data 17/9, o primeiro boletim registado, ao fim de 50 boletins tínhamos 4.540$00 que deu para no dia 11/8/79 partir-mos em passeio rumo a Amarante. Foi um convívio maravilhoso, muitos outros se fizeram durante anos, desde Rally’s Paper’s, passeios com a família, festas de passagem d’ano, festas de natal, noites de fado, até uma caixa para cotização e levantamentos de dinheiro. E era tão grande a solidariedade entre todos, que estou a recordar aquele dia em que todos juntos, pagamos o aluguer da casa a um dos nossos amigos.
        O Grupo mudou de nome algumas vezes, claro que nem tudo eram “rosas” havia por vezes discordância, pontos de vista diferentes, um por outro saia, outro entrava com novas ideias, mas o grupo inicial continuava, chegamos a ser “Os Cartolas” com o Edgar, o Chico Rosas etc. E em 13/12/85 fomos “A Cambada” com o Gil, o Durão, o Toni, o Gonçalves etc., etc. Até que terminou tudo em Dezembro de 1993. Alguns mudaram de residência, outros não concordaram comos estatutos da época, muitos desistiram simplesmente. Mas tenho a certeza que a maioria sente saudades do grupo, das grandes tardes bem passadas em agradáveis e salutares convívios, da camaradagem bonita que existiu, do orgulho que sentíamos quando ouvíamos os outros dizer: Que grupo unido, que grupo maravilhosos...
        Acabou! Tudo tem um fim, ou já não há Carolas como dantes? Não acredito! Eles andam por aí... E se por acaso se lembrarem, bebam um copo com um “Viva à amizade”, neste dia 11/9 de aniversário dos Ex-Carolas.»
 
            Faz hoje, 11 de Setembro de 1998, 20 anos
 

 
 
    Claro que ninguém poderá afirmar em sua opinião, como seria hoje o grupo que começou à 20 anos na mesa do café Pub Club, se entretanto não tivesse terminado depois de ter passado por sucessivas mudanças, tantas, que lhe trouxeram o fim definitivamente. Ou talvez não! Pois ainda hoje existem reminiscências desse “núcleo” de boa gente, vejam-se os “Pioneiros” que ainda resistem (embora a sua motivação principal, seja o dinheiro e um ou outro passeio de quando em vez. Motivações aliás, que quase sempre fundamentaram o grupo, tanto que alguns ao tentar modificar estes parâmetros, apressaram-lhe o fim), mas é sempre de louvar a existência deste género de grupos, neste mundo que teima em se tornar global, onde os verdadeiros valores são distorcidos, onde todos nós assistimos à destruição das verdadeiras amizades e aos últimos laivos de solidariedade que sempre nortearam a nossa geração. Quem hoje angariava entre os amigos, a importância necessária para pagar o aluguer de casa a um deles, num momento de dificuldade?
       As mudanças que se vieram a fazer, ao longo dos dezasseis anos que o grupo durou, foram sempre com a intenção de melhorar. Alguns, talvez não fossem compreendidos nos seus propósitos, mas não creio que houvesse um que fosse, que não quisesse o melhor para o grupo. Mesmo aqueles que por teimosia ou definições menos democráticas, quiseram ás vezes impor as suas ideias. Desde os que passaram despercebidos e com ideias parcas, até àqueles que por manifesta irresponsabilidade lesaram seriamente a maioria dos membros do grupo. Passando, pelos que deram o melhor que tinham, como a amizade sincera, ideias produtivas, trabalho e muitas horas em prol bem colectivo.                 
      Todos sem excepção, guardam com alguma saudade, os bons momentos que passaram no seio do grupo, desde o começo com “Os Carolas” em 11 de Setembro de 1978, até ao “CRAC” em 24 de Junho de 1994, passando pelos “Cartolas” e a saudosa “Cambada” de boa memória, que fazia furor em qualquer parte por onde passava, desde o Kilumba (com a mesa da má língua), o Fafe (com a sua mesa no canto do fado), o Monge (com as suas celebres sextas à noite), o Coelho (com o seu cabrito e não só) ou o Moreira (com os seu memoráveis banhos no lago).
       Quem de todos nós, não tem um bom momento desses para contar aos netos, para exemplo de como se podem passar boas horas de alegria e de sã camaradagem, no seio de um grupo de homens amigos, que nunca deixaram más lembranças ou fizeram desacatos pelos lugares por onde passaram, antes pelo contrário! Semearam amizades e colheram alegrias. Apesar de tudo e como diz a cantiga, valeu a pena. Porque “Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”, como disse um dia o nosso Fernando Pessoa.
        Para que conste e a memória não nos atraiçoe, vai aqui cronologicamente descrito com o maior rigor possível, (recorrendo-me de arquivos guardados ao longo dos anos e que vou de vez arrumar no baú das recordações), as passagens ou os momentos mais relevantes, desses anos áureos dos sucessivos grupos por onde passaram quase uma centena de amigos. Mas… Foi assim que tudo começou no dia…
 
 
11-Set.1978
Numa mesa do café Pub-Club e duma conversa entre o Manuel e o Sousa nasce a ideia de fazer uma sociedade do Totobola. Cada ponto perdido valia 1$00, e tinha por finalidade ao fim de um ano, fazer um almoço entre todos. O Sousa dá-lhe o nome “Os Carolas”. É elaborada uma lista de 12 amigos que vêem a ser os fundadores:
      
       Manuel Carvalho (que recebe as cotas)  
       António Sousa
       Arnaldo França (que guarda o dinheiro)
       Adelino da Cruz
       António Simões
       Alfredo Carvalho
       Raul Silva
       António Pereira
       José Carlos
       Jaime Pereira
       Abílio do Carmo 
       António Abreu (que desiste à 2ª semana)         
 
05-Ago.1979
Regista-se o 50º boletim do Totoloto e temos em caixa 4.540$00. (uma fortuna na época!) O Raul tinha sido o que menos pagou no ano: 317$00, o Sousa foi o que mais pagou: 377$00.Foi então criado um troféu para o “Cristo” que veio a ser entregue no fim do almoço, entre aplausos e uma lagrimazita do Sousa. O Carlos conhecia o “Coelho” em Amarante, marcou-se o almoço e a data.
 
11-Ago.1979
Partimos pela manhã rumo a Amarante, dos 11 elementos só 9 vão comer o Cabrito assado, por motivos profissionais o Abílio e o Cruz não nos acompanham. Tudo corre bem, desde os “martinis” pela manhã, ao “Bate” na mesa de pedra debaixo da ramada do Coelho, passando pelo Jogo da Malha, enquanto o Pereira dormia no seu Fiat 600 e o Arnaldo amarrava a empregada à perna da mesa.
Restavam 240$00 e no regresso, paramos no Cortiço em Baltar para o lanche. O Pereira e o Arnaldo descolam-se da malta no Fiat 600 direitos à Bela, quando chegamos já eles bebiam cerveja na esplanada do Pub-Club.
 
26-Ago.1979
Novo ano começa para “Os Carolas”, 4 elementos saem, o Arnaldo o Pereira o Cruz e o Raul, por não concordarem com as novas directrizes do grupo. Entram nesta data o Chico Rosas o Miguel Martins e o Manuel Teixeira (novo proprietário do Pub-Club). O grupo é agora de 10 elementos e o ponto no Totobola subiu para 2$50.
 
28-Jun.1980
No pátio Tony a malta junta-se para festejar com a família o S. Pedro, convida-se mais amigos para uma sardinhada e são distribuídas tarefas, assim:
        Manuel Carvalho – Sardinhas
        António Simões – Garrafão de Vinho
        José Carlos – Refrigerantes
        António Sousa – Azeite e vinagre
        Alfredo Carvalho – Pimentos
        Manuel Teixeira – Cervejas
        Abílio do Carmo – Guardanapos
        Jaime Pereira – Discos e Cassetes
        Chico Rosas – Carvão
        António José (Tony) – Pátio, chapa e tijolos
        António Pereira – Aparelhagem de som, tigelas
        Arnaldo França – Azeitonas (oferta)
        Edgar D’Almeida – Cebolas
        Mário Tobias – Broa
        José Vaz – Caldo-verde
        Carlos Bernardo – Garrafão de Vinho
 
Gastamos 1.760$00 que foram divididos por todos.
 
18-Jul.1980
Eram 11 horas da noite nessa sexta-feira de calor no pátio do Tony. “Os Carolas” reuniram para escolher o local e a data do passeio e almoço desse ano. Ficou aprovado que íamos ao Gerez almoçar ao Abadia e na volta, o remate era em Matosinhos. Além dos 10 amigos do grupo, mais 4 nos acompanhavam como “atrelados”. O Edgar, o Pereira, o Tony e o Arnaldo. Programam-se os meios de transporte, assim, o Carlos levava 5, o Alfredo 3, o Jaime mais 3 e o Manuel (do café) os restantes, só que este não  aparece no dia e hora marcados e a malta é distribuída pelos carros do Alfredo e do Jaime. O saldo geral é de 14.236$00.
 
31-Jul.1980
O Jornal de Noticias publica a notícia do nosso passeio, depois de termos oferecido 200$00 para a obra “Todo o homem é meu irmão”. O Simões escreve uma letra para o hino dos “Carolas”, tiram-se fotocópias para levar ao passeio.
 
09-Ago.1980
Partimos pela manhã para Braga em direcção ao Gerez, mas antes, tiramos fotos da partida à porta do Pub-Club. Fica registado para a posterioridade o Carlos, Manuel, Tony, Simões, Alfredo, Jaime, Abílio, Edgar, Pereira, Chico (magoado de uma perna), Miguel, Arnaldo e o Sousa (magoado num dedo da mão). No pequeno-almoço em Braga, o trio Abílio, Tony e Sousa preferem panados. No restaurante Abadia o bacalhau é magnífico e tem como sobremesa especial, um grupo de espanhóis que se juntam a nós nas cantorias. O Sousa recebe pela 2ª vez o prémio do “Cristo”. Tiram-se fotos e compram-se recordações no S. Bento. Perde-se muito tempo e começam certos desentendimentos, mas ainda se vai ao Parque do Gerez ao chã Hipericão. O tempo começa a ser apertado e pára-se em Braga para jantar no restaurante City-Rio, o Simões não janta e só em Famalicão se volta a parar para tal, a hora é tardia e chega-se à Bela com uma desilusão no ar. Cheira a fim…
 
16-Ago.1980
É um sábado, de tarde marca-se uma reunião em Freamunde no restaurante “Magalhães”. Houve votação para a expulsão do Simões que talvez não estivesse inserido no espírito do grupo, seguiram-se muitas cisões, saem o Manuel do café e o Simões. Por solidariedade com o familiar, os cunhados Carlos e Miguel pedem o afastamento. Avizinha-se o fim do grupo, “Os Carolas” desmoronaram-se.      
 

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