LEMBRANDO AMIZADES
1ª PARTE
A TRADIÇÃO
Era uma tradição antiga, os grupos excurcionistas, os
mealheiros nos tascos e os grupos orgranizados com as caixas de 20 amigos,
pequenas formas de guardar dinheiro cotizando durante o ano, para no final se
receber a maquia acomulada. Durante o ano, haviam empréstimos aos sócios a
pequenos juros, que acomulados era lucros a juntar ao bolo final. Eram depois
distribuidos pelo Natal equitativamente pelos 20 sócios, isto num tempo em que
não havia subsídios de forma alguma e eram estes pequenos “bancos” caseiros que
ajudavam. Haviam livros próprios de deve e haver para o efeito. Havia um
tesoureiro e um vogal eleitos para fazer a “escrita”, normalmente pessoas da
confiança de todos.
OS CAROLAS DA
BELA
Para falar aqui dos “Carolas da Bela”, nada
melhor que um artigo publicado a 15 de Setembro de 1998, no jornal “A Voz de
Ermesinde” de minha autoria e que passo a transcrever:
«Se
ainda existissem, faziam no dia 11 de Setembro do ano em curso 20 anos. É
verdade, como o tempo passa... O Lugar da Bela era tão diferente do que é hoje,
meia dúzia de ruas em terra, poucas casas e muitos eucaliptos, um café na rua
principal onde a malta se juntava e foi aí que eu e o Sousa tivemos a ideia,
fundar um grupo de amigos que pagassem pontos negativos do Totobola, juntando
assim algum dinheiro para poder-mos fazer um passeio/almoço de
confraternização. Acordou-se que por cada ponto se pagaria 1$00. Convidamos
mais 10 amigos, o Jaime, o Alfredo, o Simões (já falecido), o Carlos, o Raul, o
Abílio, o Cruz, o Pereira, o Abreu e o Arnaldo que foi o tesoureiro.
Tem a data 17/9, o primeiro boletim
registado, ao fim de 50 boletins tínhamos 4.540$00 que deu para no dia 11/8/79
partir-mos em passeio rumo a Amarante. Foi um convívio maravilhoso, muitos
outros se fizeram durante anos, desde Rally’s Paper’s, passeios com a família,
festas de passagem d’ano, festas de natal, noites de fado, até uma caixa para
cotização e levantamentos de dinheiro. E era tão grande a solidariedade entre
todos, que estou a recordar aquele dia em que todos juntos, pagamos o aluguer
da casa a um dos nossos amigos.
O Grupo mudou de nome algumas vezes,
claro que nem tudo eram “rosas” havia por vezes discordância, pontos de vista
diferentes, um por outro saia, outro entrava com novas ideias, mas o grupo
inicial continuava, chegamos a ser “Os Cartolas” com o Edgar, o Chico Rosas
etc. E em 13/12/85 fomos “A Cambada” com o Gil, o Durão, o Toni, o Gonçalves
etc., etc. Até que terminou tudo em Dezembro de 1993. Alguns mudaram de
residência, outros não concordaram comos estatutos da época, muitos desistiram
simplesmente. Mas tenho a certeza que a maioria sente saudades do grupo, das
grandes tardes bem passadas em agradáveis e salutares convívios, da camaradagem
bonita que existiu, do orgulho que sentíamos quando ouvíamos os outros dizer:
Que grupo unido, que grupo maravilhosos...
Acabou! Tudo tem um fim, ou já não há
Carolas como dantes? Não acredito! Eles andam por aí... E se por acaso se
lembrarem, bebam um copo com um “Viva à amizade”, neste dia 11/9 de aniversário
dos Ex-Carolas.»
Faz hoje, 11 de Setembro de 1998,
20 anos
Claro que ninguém
poderá afirmar em sua opinião, como seria hoje o grupo que começou à 20 anos na
mesa do café Pub Club, se entretanto não tivesse terminado depois de ter
passado por sucessivas mudanças, tantas, que lhe trouxeram o fim
definitivamente. Ou talvez não! Pois ainda hoje existem reminiscências desse
“núcleo” de boa gente, vejam-se os “Pioneiros” que ainda resistem (embora a sua
motivação principal, seja o dinheiro e um ou outro passeio de quando em vez. Motivações
aliás, que quase sempre fundamentaram o grupo, tanto que alguns ao tentar
modificar estes parâmetros, apressaram-lhe o fim), mas é sempre de louvar a
existência deste género de grupos, neste mundo que teima em se tornar global,
onde os verdadeiros valores são distorcidos, onde todos nós assistimos à
destruição das verdadeiras amizades e aos últimos laivos de solidariedade que
sempre nortearam a nossa geração. Quem hoje angariava entre os amigos, a
importância necessária para pagar o aluguer de casa a um deles, num momento de
dificuldade?
As mudanças que se vieram a fazer, ao
longo dos dezasseis anos que o grupo durou, foram sempre com a intenção de
melhorar. Alguns, talvez não fossem compreendidos nos seus propósitos, mas não
creio que houvesse um que fosse, que não quisesse o melhor para o grupo. Mesmo
aqueles que por teimosia ou definições menos democráticas, quiseram ás vezes
impor as suas ideias. Desde os que passaram despercebidos e com ideias parcas,
até àqueles que por manifesta irresponsabilidade lesaram seriamente a maioria
dos membros do grupo. Passando, pelos que deram o melhor que tinham, como a
amizade sincera, ideias produtivas, trabalho e muitas horas em prol bem
colectivo.
Todos sem excepção, guardam com alguma
saudade, os bons momentos que passaram no seio do grupo, desde o começo com “Os
Carolas” em 11 de Setembro de 1978, até ao “CRAC” em 24 de Junho de 1994,
passando pelos “Cartolas” e a saudosa “Cambada” de boa memória, que fazia furor
em qualquer parte por onde passava, desde o Kilumba (com a mesa da má língua),
o Fafe (com a sua mesa no canto do fado), o Monge (com as suas celebres sextas
à noite), o Coelho (com o seu cabrito e não só) ou o Moreira (com os seu
memoráveis banhos no lago).
Quem de todos nós, não tem um bom
momento desses para contar aos netos, para exemplo de como se podem passar boas
horas de alegria e de sã camaradagem, no seio de um grupo de homens amigos, que
nunca deixaram más lembranças ou fizeram desacatos pelos lugares por onde
passaram, antes pelo contrário! Semearam amizades e colheram alegrias. Apesar
de tudo e como diz a cantiga, valeu a pena. Porque “Tudo vale a pena, quando a
alma não é pequena”, como disse um dia o nosso Fernando Pessoa.
Para que conste e a memória não nos
atraiçoe, vai aqui cronologicamente descrito com o maior rigor possível,
(recorrendo-me de arquivos guardados ao longo dos anos e que vou de vez arrumar
no baú das recordações), as passagens ou os momentos mais relevantes, desses
anos áureos dos sucessivos grupos por onde passaram quase uma centena de
amigos. Mas… Foi assim que tudo começou no dia…
11-Set.1978
Numa mesa do café Pub-Club e duma
conversa entre o Manuel e o Sousa nasce a ideia de fazer uma sociedade do
Totobola. Cada ponto perdido valia 1$00, e tinha por finalidade ao fim de um
ano, fazer um almoço entre todos. O Sousa dá-lhe o nome “Os Carolas”. É
elaborada uma lista de 12 amigos que vêem a ser os fundadores:
Manuel Carvalho (que
recebe as cotas)
António Sousa
Arnaldo França (que guarda
o dinheiro)
Adelino da Cruz
António Simões
Alfredo Carvalho
Raul Silva
António Pereira
José Carlos
Jaime Pereira
Abílio do Carmo
António Abreu (que desiste
à 2ª semana)
05-Ago.1979
Regista-se o 50º boletim do
Totoloto e temos em caixa 4.540$00. (uma fortuna na época!) O Raul tinha sido o
que menos pagou no ano: 317$00, o Sousa foi o que mais pagou: 377$00.Foi então
criado um troféu para o “Cristo” que veio a ser entregue no fim do almoço,
entre aplausos e uma lagrimazita do Sousa. O Carlos conhecia o “Coelho” em
Amarante, marcou-se o almoço e a data.
11-Ago.1979
Partimos pela manhã rumo a
Amarante, dos 11 elementos só 9 vão comer o Cabrito assado, por motivos
profissionais o Abílio e o Cruz não nos acompanham. Tudo corre bem, desde os
“martinis” pela manhã, ao “Bate” na mesa de pedra debaixo da ramada do Coelho,
passando pelo Jogo da Malha, enquanto o Pereira dormia no seu Fiat 600 e o
Arnaldo amarrava a empregada à perna da mesa.
Restavam 240$00 e no regresso,
paramos no Cortiço em Baltar para o lanche. O Pereira e o Arnaldo descolam-se
da malta no Fiat 600 direitos à Bela, quando chegamos já eles bebiam cerveja na
esplanada do Pub-Club.
26-Ago.1979
Novo ano começa para “Os
Carolas”, 4 elementos saem, o Arnaldo o Pereira o Cruz e o Raul, por não
concordarem com as novas directrizes do grupo. Entram nesta data o Chico Rosas
o Miguel Martins e o Manuel Teixeira (novo proprietário do Pub-Club). O grupo é
agora de 10 elementos e o ponto no Totobola subiu para 2$50.
28-Jun.1980
No pátio Tony a malta junta-se
para festejar com a família o S. Pedro, convida-se mais amigos para uma
sardinhada e são distribuídas tarefas, assim:
Manuel Carvalho – Sardinhas
António Simões – Garrafão de Vinho
José Carlos – Refrigerantes
António Sousa – Azeite e vinagre
Alfredo Carvalho – Pimentos
Manuel
Teixeira – Cervejas
Abílio
do Carmo – Guardanapos
Jaime Pereira – Discos e Cassetes
Chico Rosas – Carvão
António José (Tony) – Pátio, chapa e
tijolos
António Pereira – Aparelhagem de som,
tigelas
Arnaldo França – Azeitonas (oferta)
Edgar D’Almeida – Cebolas
Mário Tobias – Broa
José Vaz – Caldo-verde
Carlos Bernardo – Garrafão de Vinho
Gastamos 1.760$00 que foram
divididos por todos.
18-Jul.1980
Eram 11 horas da noite nessa
sexta-feira de calor no pátio do Tony. “Os Carolas” reuniram para escolher o
local e a data do passeio e almoço desse ano. Ficou aprovado que íamos ao Gerez
almoçar ao Abadia e na volta, o remate era em Matosinhos. Além
dos 10 amigos do grupo, mais 4 nos acompanhavam como “atrelados”. O Edgar, o
Pereira, o Tony e o Arnaldo. Programam-se os meios de transporte, assim, o
Carlos levava 5, o Alfredo 3, o Jaime mais 3 e o Manuel (do café) os restantes,
só que este não aparece no dia e hora
marcados e a malta é distribuída pelos carros do Alfredo e do Jaime. O saldo
geral é de 14.236$00.
31-Jul.1980
O Jornal de Noticias publica a
notícia do nosso passeio, depois de termos oferecido 200$00 para a obra “Todo o
homem é meu irmão”. O Simões escreve uma letra para o hino dos “Carolas”,
tiram-se fotocópias para levar ao passeio.
09-Ago.1980
Partimos pela manhã para Braga em
direcção ao Gerez, mas antes, tiramos fotos da partida à porta do Pub-Club.
Fica registado para a posterioridade o Carlos, Manuel, Tony, Simões, Alfredo,
Jaime, Abílio, Edgar, Pereira, Chico (magoado de uma perna), Miguel, Arnaldo e
o Sousa (magoado num dedo da mão). No pequeno-almoço em Braga, o trio Abílio,
Tony e Sousa preferem panados. No restaurante Abadia o bacalhau é magnífico e
tem como sobremesa especial, um grupo de espanhóis que se juntam a nós nas
cantorias. O Sousa recebe pela 2ª vez o prémio do “Cristo”. Tiram-se fotos e
compram-se recordações no S. Bento. Perde-se muito tempo e começam certos
desentendimentos, mas ainda se vai ao Parque do Gerez ao chã Hipericão. O tempo
começa a ser apertado e pára-se em Braga para jantar no restaurante City-Rio, o
Simões não janta e só em Famalicão se volta a parar para tal, a hora é tardia e
chega-se à Bela com uma desilusão no ar. Cheira a fim…
16-Ago.1980
É um sábado, de tarde marca-se
uma reunião em Freamunde no restaurante “Magalhães”. Houve votação para a
expulsão do Simões que talvez não estivesse inserido no espírito do grupo,
seguiram-se muitas cisões, saem o Manuel do café e o Simões. Por solidariedade
com o familiar, os cunhados Carlos e Miguel pedem o afastamento. Avizinha-se o
fim do grupo, “Os Carolas” desmoronaram-se.
Sem comentários:
Enviar um comentário