terça-feira, 27 de outubro de 2020

CHÁVENA COM HISTÓRIA


 



CAPÍTULO 4





GUIMARÃES
 
 
Era uma quarta-feira dia 11 de Agosto, quando Clara entrou ao serviço da família Santos em S. Tiago de Gesta. Além de cozinheira, ajudava a Joaquina nas tarefas da casa e como tinha jeito para as crianças, foi ama de Cecília e da Leonor, que nesta altura já tinham 10 e 6 anos. Embora a mais velha na maior parte do dia, estivesse ocupada com a professora dona Mercedes, no estudo do português, francês, história e piano. Sua patroa, dona Adelaide Albuquerque dos Santos, era uma santa senhora, andava grávida de dois meses e rezava aos céus para que desse à luz um menino que o marido tanto desejava. Clara fazia com a senhora longos passeios em landau pelas redondezas, nas tardes amenas de primavera. Paravam na ermida de Santa Barbara para orar, Clara pedia a São Gonçalo, que guardasse a sua filha de maus caminhos e Adelaide pedia a São Tiago que lhe desse o filho que José tanto queria. Foi num desses passeios, que um dia Dona Adelaide mandou o velho Arménio parar os cavalos e pediu a Clara que lhe fosse buscar um chorão (planta de cultura espontânea a que também se dava o nome de monco-de-peru), para que pudesse trincar, pois era esse seu desejo de mulher grávida. Coisas que o povo leva muito a sério...
 
O tempo passou e no dia 14 de Fevereiro de 1921, com José Medeiros preparado com charutos para os amigos, nervoso de ansiedade e roendo as unhas de desespero, andava pelos corredores à espera de ouvir um choro de criança que fosse o rapaz que tanto queria, gritando por novas a Joaquina e Clara, que ajudavam a parteira e o velho doutor Clemente, naquele acto misterioso de dar à luz. Ao fim de longas horas de ansiedade, ecoou pela casa um choro de criança vinda ao mundo e José no corredor deu saltos de alegria, perguntando aos gritos se era um barão. Até que o bom doutor Clemente saiu do quarto a descer as mangas com cara de desalento, para dar as tristes novidades ao seu amigo de tantas cavaqueiras. Tinha nascido mais uma menina, linda e bem formada, mas... a sua Adelaide não aguentou e Deus tinha-a chamado à sua presença esvaída em sangue e sofrimento. José Meneses era pai pela terceira vez, mas para sua desventura, acabava de ficar viúvo e sem um barão legitimo herdeiro dos seus sonhos. Desde os tempos mais primitivos que o filho (barão) primogénito, ocupava uma posição honrada na família e era aquele que sucedia à chefia da casa. Ele herdava uma porção dupla da propriedade do pai. Como diz o provérbio indiano: “Todo o pai nasce de novo, num filho seu”.
 
Dona Adelaide foi sepultada no jazigo de família no cemitério de S. Tiago e José Medeiros andou um tempo cabisbaixo, bebendo e fumando sem sair do quarto nem para comer. Diariamente um moço de recados, trazia-lhe uma pasta de documentos e o correio que se amontoava, José de Medeiros desmotivado nem os lias, deixando-se abater pelo desânimo. Até que um dia e depois da visita de alguns amigos que à muito notavam sua falta, convenceram-no a enfrentar a vida, quanto mais não fosse, pelas filhas e pelo pessoal da fábrica que ele tanto estimava. José acordou daquele torpor, mandou preparar um banho, vestiu-se elegantemente, beijou as filhas recomendando a Joaquina e Clara a governação da casa e partiu para a fábrica. As preocupações pessoais não se podiam sobrepor ás do trabalho, ergueu a cabeça e atirou-se ao trabalho com afinco.
     
“A guerra tinha terminado há três anos e durante o período, de 1914 a 1918 em que decorreu a 1ª Guerra Mundial, Portugal proclamou a sua aliança com a Inglaterra em 7 de Agosto de 1914 e pediu para entrar nas operações militares contra a Alemanha. Em 17 de Setembro partiu uma primeira expedição para reforçar as colónias em África. Em Fevereiro de 1916 Portugal apresou os barcos alemães que estavam nos seus portos, e a Alemanha declarou-lhe guerra a 9 de Março. Um submarino alemão bombardeou a cidade do Funchal na ilha da Madeira, em Dezembro de 1916, o que causou grande emoção em Lisboa. Foi então que uma expedição portuguesa, o CEP – Corpo Expedicionário Português, partiu para a frente ocidental em 1917, sob o comando do General Tamagnini de Abreu; em 9 de Abril de 1918, ficaram debaixo de forte ataque alemão na batalha de La Lyz, onde morreram muitos portugueses.  O total de efectivos portugueses enviados para a França, entre 1917 e 1918, foi de 55.083. Tivemos 2.086 mortos e 5.524 feridos, o custo do baptismo de fogo, que o governo da República insistiu dar a Portugal para defender o seu Império Colonial”.
     
Estávamos em 1921 e embora surgisse uma grave crise financeira na Europa do pós-guerra, outros mercados nasciam para serem conquistados. José de Medeiros iniciou contactos com a América do sul e firmou contactos com o Brasil.
      
“Em Portugal, as greves começaram a constituir palavra de ordem. Em Agosto de 1922, à greve geral contra a carestia de vida, seguiram-se outras levadas a cabo ao longo do ano de 1923. As eleições sucediam-se. António José de Almeida chegou a dar posse a dezasseis chefes de governo. Só entre Janeiro de 1920 e Março de 1921, sucederam-se sete. No ano de 1921, investiu mais seis. O ano de 1922 foi reservado para três governos de António Maria da Silva, conseguindo-se finalmente uma certa acalmia”.
 
Os compromissos com o banco sucediam-se nas datas acordadas e José Medeiros aguentava a investida, chegando a vender alguns bens, como a propriedade de S. Torcato, que tinha comprado anos atrás para as filhas. Segurou os seus operários como pode, dando-lhes confiança e prometendo-lhes melhores dias. Na Europa, a matéria-prima começava a escassear e foi obrigado a importar algodão dos Estados Unidos e da Argentina, para manter a fábrica em elaboração.
Por casa, as empregadas iam tratando das filhas, com a supervisão da Clara, agora mais governanta que criada. José Medeiros começou a olhá-la com mais atenção e chamava-lhe Clarinha na intimidade, sim, porque não levou muito tempo, que José Medeiros começasse a arrastar a asa nas noites em que ficava em casa. Clara era uma mulher bonita e sem o avental e a touca engomada, de blusa de chita aos folhos e com sua longa trança desfeita, José começava a reparar nas suas formas bem femininas, que lhe turvava os sentidos, até ao dia em que não se conteve e a levou para a cama. Clara engravidou e apesar de pensar que era um homem livre, os preconceitos da época não o deixaram assumir um passo mais corajoso. Passava o ano de 1922, a Cecília já tinha 12 anos e a Leonor 8, não iam compreender o seu gesto, tão perto da morte da mãe, apenas tinha passado um ano. A 20 de Maio, depois de arranjar, por intermédio de um cliente amigo, uma casa modesta, mas bem apetrechada de conforto, na freguesia de Vilar no Porto, partiu com a Clara grávida de um mês e de malas cheias para lhe pôr casa, Queria fazer dela uma mulher à sua altura, havia de voltar dali a uns anos a Guimarães, casado e com o seu filho nos braços, sua meninas haviam de compreender. Tinha a convicção que Clara era a mãe do seu rapaz, tinha tanto a certeza disso, que meteu ao bolso, embrulhado em papel de seda, uma chávena e um pires do serviço de café da família e lhe deu para guardar como primeira prenda para o filho. Clara compreendeu a atitude de José Medeiros e acreditava nas suas intenções, era por pouco tempo, talvez dois anos e voltaria casada, depois, tinha grande fé em Santo António, que o filho que trazia no ventre, seria um rapaz.
José de Medeiros, deixou-a na sua nova casa com dinheiro suficiente para o que precisasse, depois de contratar uma tal dona Rosinda para lhe fazer companhia e ajudá-la com a casa, partiu com a ideia que estava a fazer o melhor. Chegado a São Tiago, mandou pintar no quinto pires do estojo de café, o nome da terceira filha, Noémia, que era o nome de sua avó materna de Chaves. Fez crer às filhas e à resmunguenta Joaquina, que Clara tinha regressado a Amarante com graves problemas familiares. Só o fiel motorista Macedo, tinha conhecimento do sucedido, embora Joaquina com a sua experiência de vida, ouvidos atentos e sabedoria intuitiva, também soubesse mais, muito mais que aquilo que o patrão pensava.

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