CHÁVENA COM HISTÓRIA
CAPÍTULO 4
GUIMARÃES
Era uma quarta-feira dia 11 de Agosto, quando Clara entrou ao
serviço da família Santos em S. Tiago de Gesta. Além de cozinheira, ajudava a
Joaquina nas tarefas da casa e como tinha jeito para as crianças, foi ama de
Cecília e da Leonor, que nesta altura já tinham 10 e 6 anos. Embora a mais
velha na maior parte do dia, estivesse ocupada com a professora dona Mercedes,
no estudo do português, francês, história e piano. Sua patroa, dona Adelaide
Albuquerque dos Santos, era uma santa senhora, andava grávida de dois meses e
rezava aos céus para que desse à luz um menino que o marido tanto desejava.
Clara fazia com a senhora longos passeios em landau pelas redondezas, nas
tardes amenas de primavera. Paravam na ermida de Santa Barbara para orar, Clara
pedia a São Gonçalo, que guardasse a sua filha de maus caminhos e Adelaide
pedia a São Tiago que lhe desse o filho que José tanto queria. Foi num desses
passeios, que um dia Dona Adelaide mandou o velho Arménio parar os cavalos e
pediu a Clara que lhe fosse buscar um chorão (planta de cultura espontânea a
que também se dava o nome de monco-de-peru), para que pudesse trincar, pois era
esse seu desejo de mulher grávida. Coisas que o povo leva muito a sério...
O tempo passou e no dia 14 de Fevereiro de 1921, com José Medeiros
preparado com charutos para os amigos, nervoso de ansiedade e roendo as unhas
de desespero, andava pelos corredores à espera de ouvir um choro de criança que
fosse o rapaz que tanto queria, gritando por novas a Joaquina e Clara, que ajudavam
a parteira e o velho doutor Clemente, naquele acto misterioso de dar à luz. Ao
fim de longas horas de ansiedade, ecoou pela casa um choro de criança vinda ao
mundo e José no corredor deu saltos de alegria, perguntando aos gritos se era
um barão. Até que o bom doutor Clemente saiu do quarto a descer as mangas com
cara de desalento, para dar as tristes novidades ao seu amigo de tantas
cavaqueiras. Tinha nascido mais uma menina, linda e bem formada, mas... a sua
Adelaide não aguentou e Deus tinha-a chamado à sua presença esvaída em sangue e
sofrimento. José Meneses era pai pela terceira vez, mas para sua desventura,
acabava de ficar viúvo e sem um barão legitimo herdeiro dos seus sonhos. Desde os tempos mais primitivos que o filho (barão)
primogénito, ocupava uma posição honrada na família e era aquele que sucedia à
chefia da casa. Ele herdava uma porção dupla da propriedade do pai. Como
diz o provérbio indiano: “Todo o pai nasce de novo, num filho seu”.
Dona Adelaide foi sepultada no jazigo de família no cemitério de
S. Tiago e José Medeiros andou um tempo cabisbaixo, bebendo e fumando sem sair
do quarto nem para comer. Diariamente um moço de recados, trazia-lhe uma pasta
de documentos e o correio que se amontoava, José de Medeiros desmotivado nem os
lias, deixando-se abater pelo desânimo. Até que um dia e depois da visita de
alguns amigos que à muito notavam sua falta, convenceram-no a enfrentar a vida,
quanto mais não fosse, pelas filhas e pelo pessoal da fábrica que ele tanto
estimava. José acordou daquele torpor, mandou preparar um banho, vestiu-se
elegantemente, beijou as filhas recomendando a Joaquina e Clara a governação da
casa e partiu para a fábrica. As preocupações pessoais não se podiam sobrepor
ás do trabalho, ergueu a cabeça e atirou-se ao trabalho com afinco.
“A
guerra tinha terminado há três anos e durante o período, de 1914 a 1918 em que
decorreu a 1ª Guerra Mundial,
Portugal proclamou a sua aliança com a Inglaterra em 7 de Agosto de 1914 e pediu para entrar nas operações
militares contra a Alemanha. Em 17 de Setembro partiu uma primeira expedição
para reforçar as colónias em África. Em Fevereiro de 1916 Portugal apresou os barcos alemães que
estavam nos seus portos, e a Alemanha
declarou-lhe guerra a 9 de Março. Um submarino alemão bombardeou a
cidade do Funchal na ilha da Madeira, em Dezembro de 1916, o que causou grande
emoção em Lisboa. Foi
então que uma expedição portuguesa,
o CEP – Corpo Expedicionário Português, partiu
para a frente ocidental em 1917, sob o comando do General Tamagnini de Abreu; em 9 de Abril de 1918, ficaram debaixo de forte ataque alemão na batalha de La
Lyz, onde morreram muitos portugueses. O total
de efectivos portugueses enviados para a França, entre 1917 e 1918, foi de 55.083. Tivemos 2.086 mortos e 5.524 feridos, o custo do baptismo de fogo, que o governo da
República insistiu dar a Portugal para defender
o seu Império Colonial”.
Estávamos em 1921 e embora surgisse uma grave crise financeira na
Europa do pós-guerra, outros mercados nasciam para serem conquistados. José de
Medeiros iniciou contactos com a América do sul e firmou contactos com o
Brasil.
“Em
Portugal, as greves começaram a
constituir palavra de ordem. Em Agosto de 1922, à greve geral contra a carestia
de vida, seguiram-se outras levadas a cabo ao longo do ano de 1923. As eleições
sucediam-se. António José de Almeida chegou a dar posse a dezasseis chefes de
governo. Só entre Janeiro de 1920 e Março de 1921, sucederam-se sete. No ano de
1921, investiu mais seis. O ano de 1922 foi reservado para três governos de
António Maria da Silva, conseguindo-se finalmente uma certa acalmia”.
Os compromissos com o banco sucediam-se
nas datas acordadas e José Medeiros aguentava a investida, chegando a vender
alguns bens, como a propriedade de S. Torcato, que tinha comprado anos atrás
para as filhas. Segurou os seus operários como pode, dando-lhes confiança e
prometendo-lhes melhores dias. Na Europa, a matéria-prima começava a escassear
e foi obrigado a importar algodão dos Estados Unidos e da Argentina, para
manter a fábrica em elaboração.
Por casa, as empregadas iam tratando das filhas, com a supervisão
da Clara, agora mais governanta que criada. José Medeiros começou a olhá-la com
mais atenção e chamava-lhe Clarinha na intimidade, sim, porque não levou muito
tempo, que José Medeiros começasse a arrastar a asa nas noites em que ficava em casa. Clara era uma
mulher bonita e sem o avental e a touca engomada, de blusa de chita aos folhos
e com sua longa trança desfeita, José começava a reparar nas suas formas bem
femininas, que lhe turvava os sentidos, até ao dia em que não se conteve e a
levou para a cama. Clara engravidou e apesar de pensar que era um homem livre,
os preconceitos da época não o deixaram assumir um passo mais corajoso. Passava
o ano de 1922, a Cecília já tinha 12 anos e a Leonor 8, não iam compreender o
seu gesto, tão perto da morte da mãe, apenas tinha passado um ano. A 20 de
Maio, depois de arranjar, por intermédio de um cliente amigo, uma casa modesta,
mas bem apetrechada de conforto, na freguesia de Vilar no Porto, partiu com a
Clara grávida de um mês e de malas cheias para lhe pôr casa, Queria fazer dela
uma mulher à sua altura, havia de voltar dali a uns anos a Guimarães, casado e
com o seu filho nos braços, sua meninas haviam de compreender. Tinha a
convicção que Clara era a mãe do seu rapaz, tinha tanto a certeza disso, que
meteu ao bolso, embrulhado em papel de seda, uma chávena e um pires do serviço
de café da família e lhe deu para guardar como primeira prenda para o filho.
Clara compreendeu a atitude de José Medeiros e acreditava nas suas intenções,
era por pouco tempo, talvez dois anos e voltaria casada, depois, tinha grande
fé em Santo António,
que o filho que trazia no ventre, seria um rapaz.
José de Medeiros, deixou-a na sua nova casa com dinheiro
suficiente para o que precisasse, depois de contratar uma tal dona Rosinda para
lhe fazer companhia e ajudá-la com a casa, partiu com a ideia que estava a
fazer o melhor. Chegado a São Tiago, mandou pintar no quinto pires do estojo de
café, o nome da terceira filha, Noémia, que era o nome de sua avó materna de
Chaves. Fez crer às filhas e à resmunguenta Joaquina, que Clara tinha
regressado a Amarante com graves problemas familiares. Só o fiel motorista
Macedo, tinha conhecimento do sucedido, embora Joaquina com a sua experiência
de vida, ouvidos atentos e sabedoria intuitiva, também soubesse mais, muito
mais que aquilo que o patrão pensava.
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