terça-feira, 27 de outubro de 2020

CHÁVENA COM HISTÓRIA


 



CAPÍTULO 1





INTRODUÇÃO

Esta é a saga de duas famílias, com um traço de união entre elas, mas que durante mais de oitenta anos nunca se conheceram e bastou uma simples chávena, para que um dia se encontrassem numa esquina do tempo.

Os verdadeiros nomes dos intervenientes foram alterados e outros inventados por desconhecimento dos mesmos.

A parte final da história, também foi ficcionada. Primeiro, porque é quase desconhecida uma das famílias. Segundo, porque era assim que eu gostava que tivesse acontecido.

 

                                                                                       O Autor

 

 

 

 

 

 

GUIMARÃES

Trata-se de um estojo com mais de cem anos e passou por quatro gerações. É em madeira de nogueira alemã, envernizado e com um lindo fecho de prata. A tampa é adornada em cantos opostos, por dois motivos florais cinzelados, também em prata, destacando-se em diagonal ao centro e em letra gótica, a palavra “Kaffee”, (café em alemão). O interior da caixa é forrado a veludo vermelho e está dividido em seis partes, cada uma guarda uma chávena de porcelana, tendo por dentro da tampa umas presilhas que prendem seis pires, três de cada lado. As peças com belos efeitos decorativos, a bege e verde-mar pintadas à mão, com uma orla em ouro de 18 quilates, foram produzidas na tradicional fábrica de porcelanas Heinrich, na cidade de Selb, na Bavária e têm a marca “Germânia”. Os cinco pires ao centro têm pintado em finíssimas letras pequenas, os nomes dos membros da família: José; Adelaide; Cecília; Leonor e Noémia. O sexto pires, assim como a chávena, não existe... É que... Durante 87 anos, entre 1922 e 2009, este estojo esteve apenas com cinco chávenas, sem nunca se saber que destino levou a que faltava, até que um dia...

    

Este estojo de chávenas de café foi uma das prendas de casamento que Adelaide Coutinho de Albuquerque recebeu, no dia 15 de Agosto de 1906, quando acrescentou ao seu nome “dos Santos”, ao contrair matrimónio na igreja de S. Tiago, matriz da paróquia de S. Tiago de Gesta, em Guimarães, com José Medeiros dos Santos, antigo empregado e na época, gerente da fábrica de lanifícios de seu pai, o eminente industrial do lugar, Armando Coutinho de Albuquerque.

De olhos lindos, esverdeados como a mãe e a longa trança loira enrolada na nuca, de vestido branco, véu e grinalda, Adelaide não cabia em si de contente, naquele dia da Senhora de Assunção, em que finalmente se uniu ao grande amor da sua vida, com quem começou a namorar à quatro anos atrás (primeiro às escondidas), ainda sua mãe era viva, apesar dos maldizentes boatos que corriam no lugar, a cerca das aventuras do mulherengo José de Medeiros. Seu pai, que a princípio se mostrou um pouco relutante em perder a sua princesa, cedeu ao pedido de José Medeiros em lhe dar a sua mão, com a promessa de ficarem a viver lá em casa no solar de Gesta, magnífica e bucólica propriedade herdada da família Albuquerque e que devia o seu nome ao rio que a atravessava, o Gesta.

Armando Coutinho de Albuquerque, sabia do valor e da tenacidade que José sempre punha no trabalho, tinha-o demonstrado várias vezes e mais uma vez agora, ao ser um dos principais e o mais acérrimo impulsionador da introdução em Janeiro desse ano, da energia eléctrica em São Tiago de Gesta e na fábrica que até aí, trabalhava com teares movidos a vapor. Tinha perdido a esposa à três anos atrás e a idade já lhe pesava nos seus 70 anos. Gostava do José Medeiros como um filho e tinha esperança que fazendo dele seu genro, havia de perpetuar a Fábrica de Lanifícios S. Tiago para além da sua existência. Reconhecia nele a fibra de um líder nato e com dotes próprios de quem sabe enfrentar as vicissitudes e comandar com diplomacia. Enfim... José Medeiros era o filho que nunca teve. Conheceu-o, ainda era um rapazinho de doze anos, quando ajudava nos trabalhos de construção do stand com que orgulhosamente a sua fábrica marcou presença no extraordinário certame, que foi a Grande Exposição Industrial de Guimarães em 1884. Nessa época, ainda com 48 anos, andava feliz com o nascimento da sua Adelaide e com o progresso da sua fábrica de lanifícios, construída como o seu poder empreendedor e que empregava já, mais de metade da população de S. Tiago de Gesta, dando um forte incremento à industria local e de Guimarães em geral, que lhe mereceu a atenção do Reino e de Sua Majestade o Rei D. Carlos I, com uma comenda.

O Sr. Armando Coutinho de Albuquerque, sentia orgulho na comenda, até o semanário de Guimarães já lhe chamava: “Comendador Albuquerque”, mas não era coisa que lhe toldasse os sentidos, ou o fizesse esquecer as preocupações que sentia em relação a outras mais importantes. Andava preocupado com a situação que se vivia no país, principalmente com as noticias que chegavam ao norte através do jornal “Vimaranense”, sobre o pedido de demissão de Hintze Ribeiro a D. Carlos e com a nomeação de João Franco para formar o governo. Segunda a noticia, aparentemente algo se passara alguns dias antes, o Rei havia proposto ao chefe do executivo, um certo entendimento com os republicanos, que não colhera as simpatias de Hintze Ribeiro. João Franco, tinha apresentado o seu programa de governo na sede do seu partido em Lisboa, o que era inédito em termos de política portuguesa, dizendo querer governar à inglesa, isto é, com energia, mas dentro do espírito das leis, com mão suave e firme. Proclamava até a tolerância e a liberdade para o país compreender a monarquia. O Comendador Albuquerque, tinha consciência que a Monarquia estava por um fio, desde a 1ª acção militar levada a efeito, com a revolta no Porto a 31 de Janeiro de 1891, já lá iam quinze anos.

 

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