CAPÍTULO 12
Palmira não aguentou o desaire, entrou em depressão profunda,
adoeceu, deu entrada em neurocirurgia no Hospital de S. João, por fim,
atormentada pela dor e pelo desgosto, faleceu em Janeiro de 1987 com 69 anos,
talvez sem noção da realidade e envolta em sonhos por concretizar. Esteve
sepultada em jazigo durante dez anos, em 1997, foi transladada para um gavetão
do cemitério de Paranhos no Porto. Maciel ainda lhe sobreviveu durante seis
anos, triste, de cadeira de rodas, roído pelo desânimo e pela impotência de não
ter conseguido sobreviver a este desaire. Veio a falecer a 15 de Setembro de
2002, depois de o coração dar sinais de cansaço e não aguentar mais.
Não partiu sem antes ter tido uma pequena oficina no próprio Lar
dos Industriais, onde consertava objectos de outros internos e colaborava na
construção do presépio, cascata e noutras actividades, como nos eventos que o
Lar organizava. Mesmo com a idade que tinha, ainda conseguiu juntar todo o seu
charme para conquistar o coração da telefonista da instituição, que caída de
amores, se casou com ele em 1996. Foi um homem sempre em actividade até ao fim
da sua vida.
Em 2002, com 79 anos de idade, foi o fim de um homem que lutou
como um gigante, mas que aos 58 anos, exactamente com a mesma idade de seu pai
José Medeiros, veio a falir por destino ou (sei lá!) por hereditariedade...
Os bens pessoais foram entregues pela instituição aos filhos,
relógios, alianças, álbuns fotográficos, porta-retratos, etc. Maciel foi
sepultado no cemitério de Leça do Bailio, freguesia onde está instalada a
instituição onde viveu.
Nenhuma das irmãs de Maciel, estiveram presentes no funeral, nem
sabiam que tinham um irmão. Cecília tinha falecido em Guimarães, no ano de 1988
e encontrasse sepultada no cemitério de Santa Barbara em S. Tiago de Gesta,
freguesia que desde 30 de Agosto de 1995, era uma vila e tinha mudado o nome
para Gestagém.
Leonor continuou em Vila do Conde, seu marido chegou a ser um edil
respeitado na Câmara Municipal. Viveram muitos anos na casa onde ainda hoje,
vivem os dois filhos mais novos. O casal já faleceu há alguns anos, tiveram
três filhos e três netos, todos a residirem, ainda hoje, nas Caxinas em Vila do
Conde.
No Porto, à entrada do século XXI, Noémia ainda estava à frente do
estabelecimento de Antiguidades do sogro, que tinha sido do marido. A velha
Noémia com 79 anos de idade e viúva, sentada num cadeirão, com uma manta nas
pernas e a bengala ao lado, cheia de experiência adquirida durante anos, era
ainda quem sabia avaliar uma obra de arte, um quadro ou uma peça de porcelana
com exactidão. Sua filha Eunice, atendia com a simpatia que lhe era peculiar,
os clientes que agora eram bem poucos, comparando com outros anos atrás. Nos
momentos livres, espanava o pó às velhas relíquias espalhadas pelo estabelecimento,
uma delas, era aquela singular e protagonista deste conto, a caixa em Nogueira
alemã do serviço incompleto de chávenas de café que pertenceu a sua avó
Adelaide de Albuquerque. Sua mãe contou-lhe toda a história desse estojo, que
continuava numa prateleira suspenso no tempo, à espera de uma chávena que desde
1922 tinha desaparecido por mistério, ou talvez não...
Noémia veio a falecer em 2002 com 81 anos, foi sepultada no Prado
do Repouso junto do marido. Eunice continuou à frente da Casa de Antiguidades
Meireles, herança de seu avô. Não casou, vive só por cima do estabelecimento na
rua Mousinho da Silveira. A mãe nunca quis organizar as antiguidades que tinha
para venda, gostava de as ter dispersas, estava habituada aos seus lugares.
Eunice com seu gosto pela organização herdado do avô, tentou organizar o caos
entre as velharias. Fez um inventário cuidadoso, organizou um catálogo
pormenorizado por categorias de objectos, mandou fazer uma página na net com
imagens e compras por catálogo, reservou ainda, uma estante só com
preciosidades de família, entre eles, o tal estojo de café alemão com quase 100
anos, prenda de casamento de seus avós.
Os filhos de Maciel viveram durante muito tempo numa grande crise,
ficaram desempregados quando a fábrica fechou e mesmo depois de voltarem a
trabalhar, ainda andaram anos a pagar dívidas particulares, deixadas por seu
pai na época em que tentava por todos os meios salvar a fábrica. Como sócios,
embora minoritários, foram responsabilizados por diversas dividas que não
podiam pagar. Alberto Castro, depois de enveredar pela profissão de vendedor de
automóveis, abraçou a profissão de motorista de transportes de longo curso,
trabalhou até 2008 e veio a ficar desempregado com a nova crise mundial que
assolou o mundo, com o aumento de combustíveis. Tinha casado em Agosto de 1974,
com Dulce Moreira, que também ficou desempregada mais tarde, desestabilizando a
vida por completo, com muito esforço conseguiram recompô-la ao fim de alguns
anos. Tinham duas filhas, a Liana que é agora gerente de um supermercado e a
Luana que estudou economia e está á frente do sector económico de um hospital
particular em Valongo.
Marcelo Castro, o “barão” da família, na sequencia directa de José
Meneses (avô), Maciel Castro (pai) e depois de sua descendência o filho Telmo
Castro, agarrou-se à sua arte no desenho e conseguiu entrar para os quadros de
uma empresa de publicidade, no ano seguinte à “Mirita” encerrar. Trabalhou
nessa firma 26 anos como desenhador, até finais de 2005, ano em a firma fechou
e foi lançado no desemprego, precisamente ao fazer 58 anos. Tal como seu pai e
seu avô, esta idade, era definitivamente uma perseguição para a sua família,
seria?
Tinha conquistado por mérito próprio um lugar de destaque na
firma. Era trabalhador, responsável e criativo, podia ter alcançado mais, muito
mais, não fora as politiquices familiares entre sócios da firma, favorecendo
sobrinhos, primos e cunhados, que não sabiam nada de publicidade, com lugares
de chefia, em detrimento de colaboradores que deram o seu melhor desde a
fundação da firma, quando passaram por grandes dificuldades como falta de
instalações adequadas, mas que souberam superar com uma grande dose de
improvisação. Marcelo, com a inteligência que possuía, aos quarenta anos, conseguiu
enveredar pelos meandros da informática, quando apareceram os primeiros
programas de desenho e corte de vinil em máquinas (chamadas plotter’s),
processo que veio dinamizar e aumentar extraordinariamente a produção neste
sector da publicidade, em que a sua firma foi pioneira, no entanto, mais uma
vez não souberam reunir em seu redor quem estava esclarecido, nem sequer
cogitaram a possibilidade de darem formação profissional a quem trabalhava
nesse sector, na ânsia de terem lucros gastando pouco, deixando ao arbítrio de
cada um, o desafio de aprenderem ou serem postos de lado. Marcelo ganhou o
desafio e foi o primeiro a ter à sua mesa um computador. Mesmo assim, sempre se
sentiu desaproveitado, sabia que podia dar muito mais à empresa, não fora os
obstáculos que surgiram depois, como a inveja dos colegas por saberem da
diferença de ordenados e dos próprios patrões que a reboque da crise, deixaram
a empresa degradar-se e no entanto, chegaram a ganhar os quatro (dois sócios e
dois filhos) 2.000 contos mensais, enquanto 12 empregados ganhavam 1.600. Um a
um foram abandonando a firma em busca de melhor vida, até que em Setembro de
2005, Marcelo foi convidado a abandonar a firma com vista a uma reestruturação.
Fez um acordo com a firma e entrou para o Instituto do Desemprego com uma
pequena indemnização paga às prestações, que aliás, ficaram por liquidar com o
fecho da firma logo a seguir.
No ano de 2006, o infortúnio veio a ser mais desastroso por outros
motivos, Marcelo e Matilde criaram mais rugas no rosto e mais cabelos brancos,
pelo sofrimento e desgostos que passaram com os desaires simultâneos de seus
três filhos.
Num dia de Novembro desse ano, os noticiários da TV, diziam assim
numa notícia de última hora:
“Várias
pessoas saíram hoje para a rua em pânico, em várias cidades do Litoral, devido
ao sismo com epicentro a 160 quilómetros da costa noroeste da região norte, mas
também houve quem não notasse o abalo. O tremor de terra de 5,8 graus na escala
de Richter, que se registou às 17h36, foi mais sentido na zona do Porto, mais
próximo do epicentro. — Isto tremeu tudo, alguns objectos em cima das
secretárias quase que caíam—, disse à agência Lusa Margarida Maurício,
funcionária da Junta de Freguesia de Ermesinde, cidade onde o abalo sísmico foi
sentido com alguma intensidade”.
Foi nesse dia, que uma das prateleiras da cristaleira de Matilde
caiu e tudo que ela tinha se partiu, foi um serviço completo de copos entre
outras coisas, mas o pior, é que ao cair, bateu em cima dum serviço de chá em
porcelana que ficou em cacos, mas... por milagre ou qualquer coisa
inexplicável, as canecas de recordação dos dois casamentos do pai de Marcelo
ficaram intactas, mais ainda, foram elas que protegeram a tal chávena de
porcelana da avó Clara.
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