terça-feira, 20 de outubro de 2020

O ANJO VERMELHO

 




ANTES DO SEGUNDO

 



Só se faz dezoito anos uma vez. Esse dia do meu aniversário ficou-me na memória para sempre. Minhas amigas mais chegadas e colegas da faculdade estiveram presentes. O professor Maciel não faltou e foi o centro das atenções de todas, pelo seu charme e simpatia (a eterna sedução da aluna pelo professor!). Mas foi minha mãe a que mais desfrutou da atenção dele, tinham muito que recordar, não se viam há muitos anos. Minha mãe deixou a casa dele, com quase vinte anos e grávida de mim. O professor Maciel, já lá não vivia, tinha abandonado a casa paterna meses antes, aquando da sua ida para Coimbra estudar e por lá ficou até há pouco tempo.
Notei uma aura de cumplicidade entre eles, mas que na altura não dei muita importância, até minha mãe me dizer passados dias, que o professor voltava no próximo domingo para almoçar. Com a curiosidade normal de uma filha que nem conheceu o pai, perguntei a minha mãe se estava com algum interesse numa futura relação entre eles. Não que estivesse algo contra (embora confesso, a sua presença me perturbava os sentidos), mas não queria de forma alguma ser uma entrave ao seu relacionamento, afinal minha mãe ainda era nova e a tempo de refazer a sua vida. Minha mãe confessou-me que na verdade, sentia uma certa afeição por ele desde os tempos em que era moça.
– Achas mal minha filha, que assuma esta relação? Sabes que para mim, és a pessoa mais importante do mundo e não gostava que a paz desta casa fosse alterada, a não ser para bem da nossa felicidade. – Disse a minha mãe com a ternura que lhe era habitual.
Que lhe havia de dizer? Mesmo sabendo que nada iria ser igual a partir desse momento.
– Não desistas mãezinha, afinal desde que meu pai, (que nunca cheguei a conhecer) morreu, nunca mais tiveste ninguém por companhia a não ser eu, agradeço que tenhas vivido só para mim, mas agora compreendo muito bem, que possas abrir teu coração a alguém que te ame e te faça feliz. 
E foi assim que começaram as visitas do Maciel, cada vez mais assíduas até ao dia em que ficou de vez. Estávamos em Julho de 1970. Eu estava a acabar o curso e o Salazar tinha acabado de morrer. A guerra no ultramar estava no auge e a primavera marcelista apenas tinha mudado os nomes às coisas, ou seja: As moscas mudaram a merda era a mesma.
Eu vivia obcecada pelo curso na esperança de obter a bolsa de estudos que me levaria a Londres. Confesso que também queria sair de casa, não me sentia bem naquele triângulo familiar, haviam olhares do Marcelo que me perturbava os sentidos, arrepiavam-me os mamilos e faziam-me sonhar com amores proibidos. Houve mesmo uma noite em que minha mãe ficou a fazer balanço até mais tarde na boutique, que quase ia acontecendo uma catástrofe se eu não tivesse feito um esforço enorme para me conter. A última coisa que eu queria, era provocar uma onda de desconfiança em minha mãe, assim, o meu afastamento era mais que necessário.
 
 

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