O ANJO VERMELHO
ANTES DO SEGUNDO
Só
se faz dezoito anos uma vez. Esse dia do meu aniversário ficou-me na memória
para sempre. Minhas amigas mais chegadas e colegas da faculdade estiveram
presentes. O professor Maciel não faltou e foi o centro das atenções de todas,
pelo seu charme e simpatia (a eterna sedução da aluna pelo professor!). Mas foi
minha mãe a que mais desfrutou da atenção dele, tinham muito que recordar, não
se viam há muitos anos. Minha mãe deixou a casa dele, com quase vinte anos e
grávida de mim. O professor Maciel, já lá não vivia, tinha abandonado a casa
paterna meses antes, aquando da sua ida para Coimbra estudar e por lá ficou até
há pouco tempo.
Notei
uma aura de cumplicidade entre eles, mas que na altura não dei muita
importância, até minha mãe me dizer passados dias, que o professor voltava no
próximo domingo para almoçar. Com a curiosidade normal de uma filha que nem
conheceu o pai, perguntei a minha mãe se estava com algum interesse numa futura
relação entre eles. Não que estivesse algo contra (embora confesso, a sua
presença me perturbava os sentidos), mas não queria de forma alguma ser uma
entrave ao seu relacionamento, afinal minha mãe ainda era nova e a tempo de
refazer a sua vida. Minha mãe confessou-me que na verdade, sentia uma certa
afeição por ele desde os tempos em que era moça.
–
Achas mal minha filha, que assuma esta relação? Sabes que para mim, és a pessoa
mais importante do mundo e não gostava que a paz desta casa fosse alterada, a
não ser para bem da nossa felicidade. – Disse a minha mãe com a ternura que lhe
era habitual.
Que
lhe havia de dizer? Mesmo sabendo que nada iria ser igual a partir desse
momento.
–
Não desistas mãezinha, afinal desde que meu pai, (que nunca cheguei a conhecer)
morreu, nunca mais tiveste ninguém por companhia a não ser eu, agradeço que
tenhas vivido só para mim, mas agora compreendo muito bem, que possas abrir teu
coração a alguém que te ame e te faça feliz.
E
foi assim que começaram as visitas do Maciel, cada vez mais assíduas até ao dia
em que ficou de vez. Estávamos em Julho de 1970. Eu estava a acabar o curso e o
Salazar tinha acabado de morrer. A guerra no ultramar estava no auge e a
primavera marcelista apenas tinha mudado os nomes às coisas, ou seja: As moscas
mudaram a merda era a mesma.
Eu
vivia obcecada pelo curso na esperança de obter a bolsa de estudos que me
levaria a Londres. Confesso que também queria sair de casa, não me sentia bem
naquele triângulo familiar, haviam olhares do Marcelo que me perturbava os
sentidos, arrepiavam-me os mamilos e faziam-me sonhar com amores proibidos.
Houve mesmo uma noite em que minha mãe ficou a fazer balanço até mais tarde na
boutique, que quase ia acontecendo uma catástrofe se eu não tivesse feito um
esforço enorme para me conter. A última coisa que eu queria, era provocar uma
onda de desconfiança em minha mãe, assim, o meu afastamento era mais que
necessário.
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