terça-feira, 20 de outubro de 2020

O ANJO VERMELHO




ANTES DO PRIMEIRO





 
Tinha dezassete anos, lembro-me bem, foi no dia em que minha mãe foi chamada à secretaria da faculdade, tinha sido indeferido o pedido de subsídio para ajuda nas propinas. Vivíamos com dificuldades, a mãe ganhava pouco no seu trabalho de balconista numa boutique da baixa. Apesar dos seus trinta e seis anos, tinha uma aparência muito jovem e era muito bonita. Nesse dia, combinamos que eu esperava por ela na biblioteca da universidade, enquanto isso, lia um livro sobre a origem e interpretação dos nomes. Fiquei a saber que Helga tinha origem na mitologia germânica, que representava a divindade do mel e da luxúria e que tinha sido consumida no seu próprio calor quando fazia amor com o seu amado. Depois dizia: “Helga, símbolo do mel, lembra-nos doçura, feminilidade. Essencialmente sedutora adora a paz e o belo. É impetuosa e ao mesmo tempo sonhadora, passa frequentemente da exaltação à depressão, nesta, isola-se na sua torre de marfim em longa reflexão. Discreta, prefere ouvir os outros a quem tem necessidade de ajudar e consolar”.     
Foi neste dia, enquanto lia, que reparei num trintão de feições elegantes e de têmporas já cãs, que não tirava os olhos de mim. Seria professor? Nunca o tinha visto por ali. Levantei-me para entregar o livro e passei rente a ele:  
— Desculpe, é professor na faculdade?
– Sou a partir de amanhã, na substituição de um colega nas aulas de português. E você é aluna?
– Helga Ramalho, aluna do 6º ano – Disse decidida a conhecê-lo, estendendo a mão para o cumprimentar.
– Maciel Canavarro, futuro professor da Faculdade de Ciências do Porto. Muito prazer.
– Não diga que pertence aos Canavarros da Foz?
– Sim é essa a minha origem, mas sou a chamada ovelha negra da família. Vivo só e por minha conta desde os meus dezanove anos. Tenho leccionado em Coimbra onde vivi muitos tempo, até ter conhecimento desta vaga na minha cidade. Mas…Conhece a minha enfadonha família?
– Minha mãe já lá trabalhou em nova, foi criada de servir, deve lembrar-se dela! Chama-se Mariana, Mariana Ramalho.
– Você é filha da Mariana? Cheguei a ter uma paixoneta por ela, era muito bonita e na altura empregada interna. Como está ela, não a vejo há muitos anos…
– Veja In loco. Aqui está ela! — Minha mãe acabava de entrar como combinado, íamos juntas para casa.
– Mãe conhece o professor Maciel Canavarro? Ainda recordo como minha mãe ficou perturbada com a presença dele. Cumprimentou-o atrapalhada e apenas consegui dizer:
– Como está? E depois: – Vamos filha, temos muito que fazer.
– Espere Mariana – Disse o professor. – Deixe-me dar-lhe os parabéns, tem uma filha muito bonita e você ainda está uma mulher muito atraente.
– Mãe podia convidar o professor para os meus anos no próximo sábado! 
– Se tu quiseres, não me incomoda nada! Mas... penso que o senhor professor não se vai dar a esse incómodo. Havia nas suas palavras um pouco de recusa, mas mesmo assim atrevi-me: 
– Que diz professor? Posso contar com a sua ajuda para apagar as minhas dezoito velas? – Disse eu brincando com a situação
– Se a sua mãe não se opõe, lá estarei! Faço muito gosto e ainda relembrar com a Mariana alguns dos bons momentos passados naquela casa. Fique com o meu telefone e ligue-me a dizer-me a hora e o local. Foi um prazer conhecê-la. E a si revê-la Mariana e até sábado. Minha mãe não falou mais no assunto, até chegarmos a casa e eu perguntar:
— Conheces-te bem o Prof. Maciel? Tentou fugir à pergunta, respondendo:
— Nem por isso, era um rapazinho naquela altura.
— Mas devem ter quase a mesma idade, não?
— E se fosses tratar de brunir alguma roupa, uma vez que não tens nada p’ra estudar?
Pronto, definitivamente estava a fugir à questão, só não descobri porquê, mas alguma coisa era… 

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