O ANJO VERMELHO
ANTES DO PRIMEIRO
Tinha
dezassete anos, lembro-me bem, foi no dia em que minha mãe foi chamada à
secretaria da faculdade, tinha sido indeferido o pedido de subsídio para ajuda
nas propinas. Vivíamos com dificuldades, a mãe ganhava pouco no seu trabalho de
balconista numa boutique da baixa. Apesar dos seus trinta e seis anos, tinha
uma aparência muito jovem e era muito bonita. Nesse dia, combinamos que eu
esperava por ela na biblioteca da universidade, enquanto isso, lia um livro
sobre a origem e interpretação dos nomes. Fiquei a saber que Helga tinha origem
na mitologia germânica, que representava a divindade do mel e da luxúria e que
tinha sido consumida no seu próprio calor quando fazia amor com o seu amado.
Depois dizia: “Helga, símbolo do mel, lembra-nos doçura, feminilidade.
Essencialmente sedutora adora a paz e o belo. É impetuosa e ao mesmo tempo
sonhadora, passa frequentemente da exaltação à depressão, nesta, isola-se na
sua torre de marfim em longa reflexão. Discreta, prefere ouvir os outros a quem
tem necessidade de ajudar e consolar”.
Foi
neste dia, enquanto lia, que reparei num trintão de feições elegantes e de
têmporas já cãs, que não tirava os olhos de mim. Seria professor? Nunca o tinha
visto por ali. Levantei-me para entregar o livro e passei rente a ele:
—
Desculpe, é professor na faculdade?
–
Sou a partir de amanhã, na substituição de um colega nas aulas de português. E
você é aluna?
–
Helga Ramalho, aluna do 6º ano – Disse decidida a conhecê-lo, estendendo a mão
para o cumprimentar.
–
Maciel Canavarro, futuro professor da Faculdade de Ciências do Porto. Muito
prazer.
–
Não diga que pertence aos Canavarros da Foz?
–
Sim é essa a minha origem, mas sou a chamada ovelha negra da família. Vivo só e
por minha conta desde os meus dezanove anos. Tenho leccionado em Coimbra onde
vivi muitos tempo, até ter conhecimento desta vaga na minha cidade. Mas…Conhece
a minha enfadonha família?
–
Minha mãe já lá trabalhou em nova, foi criada de servir, deve lembrar-se dela!
Chama-se Mariana, Mariana Ramalho.
–
Você é filha da Mariana? Cheguei a ter uma paixoneta por ela, era muito bonita
e na altura empregada interna. Como está ela, não a vejo há muitos anos…
–
Veja In
loco. Aqui está ela! — Minha mãe acabava de entrar como combinado,
íamos juntas para casa.
–
Mãe conhece o professor Maciel Canavarro? Ainda recordo como minha mãe ficou
perturbada com a presença dele. Cumprimentou-o atrapalhada e apenas consegui
dizer:
–
Como está? E depois: – Vamos filha, temos muito que fazer.
–
Espere Mariana – Disse o professor. – Deixe-me dar-lhe os parabéns, tem uma
filha muito bonita e você ainda está uma mulher muito atraente.
–
Mãe podia convidar o professor para os meus anos no próximo sábado!
–
Se tu quiseres, não me incomoda nada! Mas... penso que o senhor professor não
se vai dar a esse incómodo. Havia nas suas palavras um pouco de recusa, mas
mesmo assim atrevi-me:
–
Que diz professor? Posso contar com a sua ajuda para apagar as minhas dezoito
velas? – Disse eu brincando com a situação
–
Se a sua mãe não se opõe, lá estarei! Faço muito gosto e ainda relembrar com a
Mariana alguns dos bons momentos passados naquela casa. Fique com o meu
telefone e ligue-me a dizer-me a hora e o local. Foi um prazer conhecê-la. E a
si revê-la Mariana e até sábado. Minha mãe não falou mais no assunto, até
chegarmos a casa e eu perguntar:
—
Conheces-te bem o Prof. Maciel? Tentou fugir à pergunta, respondendo:
—
Nem por isso, era um rapazinho naquela altura.
—
Mas devem ter quase a mesma idade, não?
—
E se fosses tratar de brunir alguma roupa, uma vez que não tens nada p’ra
estudar?
Pronto,
definitivamente estava a fugir à questão, só não descobri porquê, mas alguma
coisa era…
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