CONTOS E OUTROS

O QUE É O BELO?
Todos os que gostam do amarelo
A Palavra Belo, no dicionário de Língua Portuguesa, significa:
«O que
tem forma agradável ou perfeita e proporções harmónicas; Agradável ao ouvido;
Lindo; Bonito; Esplêndido; Hábil; Bom; Magnifico; Importante; Feliz; Elevado;
Nobre; Generoso; Que apraz à inteligência e ao coração como obra de arte; O que
eleva o espírito: O que é excelente».
O conceito de beleza difere
muito de civilização para civilização. Ninguém no ocidente pensaria em por uma
argola ou um osso atravessado no nariz. No entanto, fazem tatuagens e espetam
piercing’s em toda a parte do corpo. Depois, temos visto nos rituais
futebolísticos, caras pintadas de diversas cores, tal e qual os índios com as
suas pinturas de guerra.
Mas o que é belo, mesmo nos
povos de culturas idênticas, diverge no seu conceito, costuma-se dizer por cá
em jeito de provérbio:
“Se não fossem dos gostos, que
seria do amarelo”. Bem, eu até conheço muito bem, quem adora essa
cor...
A heterogenia dos gostos é
importante, senão andaríamos todos iguais, com as roupas da mesma cor, o mesmo
corte de cabelo ou com os sapatos iguais. Compraríamos os mesmos discos,
tocados e cantados sempre iguais. Leríamos sempre os mesmos livros, escritos
pelas mesmas pessoas. As arquitecturas das cidades seriam monótonas e as
paisagens insípidas.
A arte seria amordaçada, a
alegria ou o prazer de criar não existia, seria posto até em causa o conceito
do feio e bonito, porque tudo era igual, cinzento, pardo e sem graça. O que
seria do Belo? Nada! A palavra podia nem existir?
Mas... que importa o que é Belo se não for compartilhado por (ou com)
alguém? Que interesse tinha aquele vestido de seda azul, magnificamente moldado
ao corpo dela, de generoso decote e com finíssimas alças, de longa abertura
lateral. Que importância tinha além da vaidade dela, se não o vestisse para ser
visto, principalmente por mim? Pelo amor que nos une, pelo segredo da nossa
intimidade, pela cumplicidade dos nossos gostos, sim porque existem gostos
íntimos que devem ser preservados. Aquele vestido no seu corpo, alem de realçar
mais a sua beleza, existia para que fosse compartilhado pelos meus olhos. E
como ele foi compartilhado naquela noite... Enquanto a beijava com ardor,
sentindo a maciez do seu tecido nas palmas das minhas mãos ao afagar-lhe as
nádegas carnudas. Ao sentir a dureza dos seus mamilos quase a romper aquele
fino tecido contra o meu peito em fogo. Depois, foi o deslizar do fecho até ao
fundo das costas e o vestido caiu-lhe aos pés, quando os dois abraçados caímos
na cama em mais um momento de amor das nossas vidas.
É assim em todas as coisas.
Somos muito mais felizes quando as compartilhamos com quem amamos, aquilo que mais
gostamos. Enfim... o que de mais Belo tem a vida.
O Belo é tudo que é agradável à
vista, porque ver é bom, o belo, enche-nos o olhar de alegria e felicidade ás
vezes até ás lágrimas. Haverá coisa mais bela que uma criança rir ainda com
lágrimas de chorar? Quantas vezes uma paisagem, uma pintura, uma gota de
orvalho numa flor, um retrato antigo, a expressão bonita de um rosto ou apenas
um sorriso nos emocionou? Qual o homem que desvia o olhar, ao ver um lindo
corpo de mulher, numas chinelas de salto, suavemente a bambalear as ancas? Quem
não fica extasiado perante uma paisagem tipicamente minhota com seus tons
esverdeados, ou se delicia com os acinzentados do nordeste, e até mesmo,
perante a imensidão duma linda planície alentejana? Quem não se comove com a
beleza de um por-do-Sol, com suas cores de fogo num final de tarde? Quem não se
deslumbra com a despedida da madrugada no patamar de um novo dia, em matizados
fascinantes numa aurora que nos deslumbra antecipando o nascer do sol?
A natureza é pródiga em
mostrar-nos o que existe de mais Belo, basta
estar-mos mais atentos e ser-mos sensíveis ao que nos rodeia, reparar como a
vida é bela e vale a pena ser vivida. Apesar de tanta desgraça, carências e
calamidades, geradas muitas vezes por essa natureza que muito amamos e a quem
pertencemos (como disse São Francisco de Assis: “Somos pó das mesmas
estrelas”), é nessa mãe que encontramos lenitivo para continuar na luta pela
sobrevivência, a vida é sempre bela apesar da incompreensão, inveja e ódio, gerados
por sentimentos de ganância e da busca do poder.
Como escreveu Máximo Gorky no
seu maravilhoso livro “Ganhando o meu pão”: (...
a vida aí está para ser vivida...)
O Belo também é tudo que é
agradável aos ouvidos, porque ouvir é lindo, enche-nos de alegria, tristeza ou
melancolia, ouvir uma melodia que nos dá a sensação de voar. Faz-nos recordar
lugares ou pessoas, momentos belos passadas com alguém. Que sensação
maravilhosa de paz nos transmite, ouvir o murmurar das águas num riacho ou o
chilrear dum pássaro? Há momentos mais agradáveis que ouvir o enrolar das
ondas, o soprar do vento ou a chuva a tamborilar nas vidraças duma janela? E
então aquele gargalhar sonoro, franco e puro de uma criança! É fascinante.
O Belo também é sentir os
aromas, como aquele cheirinho bom da terra molhada depois da chuva. O cheiro a
maresia á beira-mar. A mescla de cheiros de uma manhã de verão. O cheirinho bom
a maçãs e melão na fruteira da sala. O aroma gostoso a banana assada numa praia
de São Tomé. O cheiro a sardinha assada numa noite de S. João. O perfume a
alfazema nos lençóis lavados. Ou aquele cheiro dela quando faz amor...
O Belo ainda nos fascina através dos sentidos e acorda-nos para as
sensações. O Belo está nas pontas dos dedos, ao sentir as mais diversas
texturas, desde a pele de um pêssego ás nervuras de uma folha de begónia.
Sentir a areia morna da praia, ou a frescura da relva acabada de regar debaixo
dos pés nus. Sentir a leveza do “Organdi”, a lisura agradável do “Cetim” ou a
suavidade da “Seda”. É tão bom sentir o felpo duma toalha de banho no corpo
molhado. Que sensação boa é sentir nos dedos a textura inigualável de uma
pétala de flor, a maciez dum seio de mulher, ou o fofo conforto de uma camisola
de lã vestida no inverno.
Belo é sentir os lábios dela
roçarem os meus; È sentir as pestanas tremerem quando lhe beijo os olhos; É
sentir o gosto a salgado duma lágrima de felicidade lambida no rosto dela. Tudo
o que é “Belo” é uma festa para os sentidos, tem poesia e o Belo, também é: como diz o dicionário da
Lello: (…“Um conjunto de qualidades que
despertam um sentimento elevado e especial de prazer e admiração, é a suprema
perfeição, a que aspiramos mas que se não atinge) …
E depois...
Para que tira ela o avental, alisa a saia, compõe o cabelo e passa o
batom nos lábios, mesmo à hora de eu chegar a casa depois de mais um dia de
trabalho?
Para que cozinha com amor o
meu prato favorito, põe uma toalha bordada na mesa, com guardanapos a condizer,
flores e castiçais com velas acesas, tantas vezes ao jantar?
Para que põe aquele CD da Elis
Regina que tanto gostamos de ouvir, baixa a luz ao entrar no quarto toda
cheirosa abrindo o robe de seda preto, e se vem deitar a meu lado de body
rendado e o cabelo solto?
Para que me levanto
devagarinho ao domingo, preparo sumo de laranja e torradas, e levo-lhe ao
quarto num tabuleiro com uma flor que tiro da jarra da sala, e a beijo até ela
acordar?
Para que lhe compro uma
prenda, mesmo sem ser dia dos namorados, de aniversário ou anos de casados?
Para que lhe telefono do meu trabalho tantas
vezes, só para ouvir a sua voz e dizer-lhe que a amo, que tenho saudades de não
a ver desde aquele dia de manhã?
Para que lhe compro uma peça
de lingerie (acanhado ao falar com a menina que me atende), e depois fico todo
o dia a pensar, se ela vai gostar e como vai ficar no seu corpo?
Para que a convido para
almoçar no restaurante que mais gosta, e adoro ver-lhe nos olhos a satisfação
de saborear a sobremesa que mais adora?
Porquê? Porque é bom
compartilhar-mos o Belo da vida com quem amamos. Porque o amor é feito de
partilha e cumplicidade. E a felicidade é feita de pequeninas coisa e é Belo vivê-las
com quem mais gostamos.
Belos são também... Aquele momentos em que lemos juntos o livro do Boris
Pasternak e depois vimos o filme porque é dos nossos preferidos, quase fetiche,
o “Doutor Jivago”. Admiramos aquelas imensidões de neve que David Lean tão bem
filmou. Emocionamo-nos com a doçura de Lara. Sofremos nas cenas mais emotivas
ao lado de Tónia. Admiramos juntos esses monstros da sétima arte, como o Omar
Sharif, Julie Christie e a Geraldine Chaplin. Elegemo-lo como o nosso filme de
culto. Faz parte da nossa lista, dos melhores dez filmes do mundo. São Belos os
momentos que passamos a ver filmes que tanto gostamos: Cinema Paraíso; Clube
dos Poetas Mortos; A Cor Púrpura; Perfume de Mulher; O Piano; Lourence da
Arábia; Madame X. West Side Story e tantos outros… São tardes passadas sentados
no chão da sala, encostados ao sofá, com os cortinados corridos comendo
pipocas. Deixamos para rever nas férias os filmes dos actores que mais
gostamos; Paul Newman; Melanie Griffith; Clint Eastwood; Sigourney Weaver, Al
Pacino e tantos outros.
E quando a alma nos pede Fado,
passamos Belas horas a ouvir os fados que mais gostamos do: Fernando Maurício;
Fernanda Maria; Francisco Martinho; Lucília do Carmo; Camané; Maria da Nazaré; Artur
Batalha; Amália e tantos outros. Vestimo-nos a rigor, apagamos a luz e
acendemos as velas, pomos uma toalha aos quadradinhos na mesa, assamos chouriço
e bebemos vinho maduro tinto, para a noite de fado ser mais verdadeira.
E quando nos chega a saudade
dos anos sessenta, dos bailes na garagem e das músicas desse tempo? Que Belo
que é passar horas a ouvir canções de: Paul Anka; Beatles; Clif Richard;
Roberto Carlos; Elis Regina; Nelson Ned; Frank Sinatra; Silvie Vartan e tantos
outros. Ela veste aquele vestido laranja ás flores, põe uma flor no cabelo. Eu
tento (mas já não me servem na cinta), vestir aquela calça boca-de-sino, que há
muitos anos tenho guardado junto com a camisa de nylon preta. Depois, os dois
de fita no cabelo, passámos a tarde a dançar feitos loucos.
A felicidade é Bela nem que se
tenha que a inventar!... Sonhar!... Imaginar que se é feliz, ate ás vezes
escrever ficcionando, a forma como adoraríamos de viver. Viver é Belo, mas a
vida tem que ser compartilhada com alguém, de preferência com quem amamos!.. Ou
pelo menos: …”Que cante a mesma canção”… Como diz o Carlos Tê. Com alguém que
goste de nós, ou até faça de conta que gosta das mesmas coisas que nós
gostamos. Porque viver, até iludindo a solidão, é Belo, e dá cá um gozo...
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