Fui um “ganapo” feliz e apesar de tudo e tenho saudade da minha rua, da minha cidade, das coisas simples como os dias festivos que durante o ano aconteciam. Romarias como a da Sr.ª. da Lapa, que ainda hoje ocorre sempre no 1º domingo de Maio. No meu tempo de menino, a festa da Lapa tinha as suas barraquinhas do pão de Avintes, cavacas de Paranhos, caladinhos da Areosa e biscoitos de Valongo. Nunca faltavam as tendas de brinquedos pintados de anilina, como os ciclistas na roda de madeira, que ao andar tocavam uma campainha, as raquetes onde duas galinhas depenicavam movidas pelos pesos que faziam de pêndulos, as espingardas de madeira que disparava um pau movido por uma mola e muitos modelos de carrinhos para as meninas levarem as bonecas de pano. E ainda os brinquedos de folheta, camionetas, motas, cornetas, carros dos bombeiros fogões e máquinas de costura. Brinquedos característicos da zona de Ermesinde, fabricados com o aproveitamento das latas (folha de flandres), de conserva e outras.
Havia todos os anos duas cestas de madeira,
que balouçavam encostadas às traseiras do Quartel-general no largo da Lapa.
Também nunca faltava junto á fonte de Salgueiros, as barraquinhas de comes e
bebes com mesas improvisadas e bancos corridos de madeira, que vendiam iscas,
chouriço, vinho e pirolitos (limonada com uma bola de vidro). Por entre as
árvores da rua do Paraíso, havia o homem com banca de dados e três copos de
madeira para jogar à sorte, sempre pronto a fugir á polícia. Lá estava o “propagandista”
que juntavam muita gente á sua volta, para ver a menina que fazia
contorcionismo segurando na testa copos de groselha. Tudo para vender a “Pomada
santa de jibóia” que curava todos os males. Outro circense que não faltava, era
o homem que deitava fogo pela boca enquanto as pessoas atiravam moedas.
Quem nunca faltava nas festas era o tiro ao
alvo, em terreno delimitado por uma corda presa ao chão por quatro escápulas de
ferro e as espingardas de pressão, que apenas disparavam umas setinhas coloridas
para um alvo pendurado numa árvore. O prémio máximo era sempre um galo que
nunca premiava ninguém e que permanecia atado ao chão, indiferente ao seu
destino.
Toda engalanada com faixas de cetim azul e
vermelho e lindas flores em todos os altares, era muito visitada nesse dia a
Igreja da Nossa Sr.ª. da Lapa, hoje com mais de 250 anos de existência. Foi
construída no mesmo local (na raiz do Monte de Santo Ovídio, em Germalde), onde
em tempos tinha existido uma capela em honra de Nossa Sra. da Lapa, erigida
pelo reverendo Ângelo Ribeiro de Sequeira, natural de S. Paulo do Brasil. Desta
capela resta a sua fachada que fica contigua ao muro da parte sul do cemitério.
A igreja actual, foi projectada pelo arquitecto José Figueiredo Seixas e a
primeira pedra foi colocada a 17 de Julho de 1756, mas a sua conclusão só se
verificou em 1863.
Além de possuir no coro alto o maior órgão
da Península Ibérica da autoria do alemão Georg Jann, a igreja da Lapa guarda
numa urna de prata no mausoléu da capela-mor, onde se pode ver gravadas as
bandeiras de Portugal e do Brasil e ainda na parte superior, as armas do Duque
de Bragança, o coração que D. Pedro IV doou á cidade que sofreu com ele o cerco
de 1833, cujo a essa heróica resistência das gentes do Porto e das tropas de D.
Pedro, se deve a vitória da causa liberal em Portugal.
O cerco do Porto durou mais de um ano, de
Julho de
O cofre com a urna de prata, é aberta de 4
em 4 anos por funcionários da câmara, para que se proceda à mudança do líquido
da jarra de cristal onde o coração se encontra inserido.
É com orgulho que a cidade do Porto ostenta
no seu brasão esta relíquia régia. Para aqueles que nunca repararam nesse
brasão (que também faz parte do emblema do F.C.P.) o coração encontra-se
representado ao centro do escudo.
Da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa,
instituída em 1755 pelo Papa Bento XIV, fazem parte além da Igreja e do
Hospital, o colégio da Lapa onde Ramalho Ortigão foi professor de francês e o
pai, Joaquim da Costa Ramalho director.
Também Eça de Queirós foi aluno interno após
a morte da mãe. Aliás, neste lugar da cidade viverem muitos homens de letras, o
próprio Ramalho Ortigão residia na Quinta de Germalde na Lapa, Antero de
Quental ali perto no Campo da Regeneração e até o filosofo Oliveira Martins na
Casa de Pedra na rua das Águas Férreas. O Colégio era um lugar para as elites e
por isso, eu nunca o poderia frequentar. Apenas fui crismado na igreja e lá fiz
a comunhão solene.
A minha escola primária foi feita na Escola
nº 61
Não se pode concordar com alguns métodos de
ensino dessa época, no entanto hoje, passou-se de um extremo para outro. Nem
tudo que se aprendia era muito importante, como as Linhas do Caminho-de-ferro,
mas saber as Serras, Rios e seus afluentes, a História de Portugal, Ciências do
corpo humano e a Tabuada, foi fundamental para a malta do meu tempo. Por isso
se diz que a 4ª classe antiga é igual ao 7º ano hoje. Aquela cantoria para
aprender a tabuada era eficaz, assim como a vantagens dos livros passarem de
irmãos para irmãos.
A primeira saca que tive para levar os
cadernos, o livro, a lousa, a pena e caneta de aparo, era de pano e tinha
bordado: “Segue sempre o bom caminho”. Depois tive uma de cartão com uma fita
para pôr ao tiracolo, castanha por fora e a azulada por dentro, a tampa era
ovalada e tinha um fecho cromado.
Das coisas que mais gostava, além das aulas
em geral, era daquela sopa e do pão escuro feito na Legião Portuguesa, que
davam lá na escola. O que menos apreciava era o óleo de fígado de bacalhau que
nos obrigavam a tomar, e de aos sábados de manhã ter que cantar o hino da
mocidade, mas pior ainda, só as casas de banho que eram daquelas de cócoras.
O exame de prova oral e escrita da 4ª classe,
foi feita na escola de Sto. Ildefonso que já não existe (hoje é o edifício da
Junta), na esquina de Gonçalo Cristóvão com o Largo do Bonjardim. Ao lado,
havia a escola Raul Dória que foi demolida para dar lugar ao edifício JN. A
escola
Depois de mais este passeio pela memória,
volto à Irmandade da Lapa para vos falar do Cemitério privado que é dos
primeiros da cidade e foi inaugurado em 1838. Já em
Numa situação de transição, foi preciso
estabelecer um cemitério interino, por detrás da capela-mor da Igreja da Lapa.
O cemitério actual foi começado a construir em 1835 e nele repousam os restos
mortais de Camilo Castelo Branco, Almeida Garrett, Coronel Pacheco, Soares dos
Passos, entre outras figuras célebres desta cidade das camélias, das
sardinheiras e acácias, a nossa: “Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do
Porto”.
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