sábado, 3 de outubro de 2020

ENQUANTO ME LEMBRO... "MEMÓRIAS" 8


A FESTA DAS EXCURÇÕES
 

 





No Grupo Excursionista lá da rua, “Haja Paz e Harmonia”, era o Sr. Joaquim corcunda que organizava as excursões, cheguei a ir em pequenito a muitos lugares do Minho e Trás-os-Montes. Mais tarde em Vale Formoso, com o Grupo “Estrela de S. Dinis”, onde meu pai foi vice-presidente e o meu primo Arlindo tesoureiro, cheguei a visitar muitas terras do sul, pelo menos até Setúbal e Castelo Branco. Com o grupo, fui pela primeira vez a Lisboa em 1957, mesmo na altura em que foi demonstrada a RTP na Feira Popular em Palhavã.

Esses dias de passeio, eram esperados com grande ansiedade, pois além da festa que proporcionavam, visitavam-se locais que só na escola se ouviam falar e mais uma vez havia roupa nova para estrear...

Normalmente ás sete da manhã, lá estava-mos todos na esquina da Lapa porque a camioneta não entrava na rua. De máquina fotográfica a tiracolo, garrafões e cestos de verga para o picnic, que normalmente constavam de frango assado, bolinhos de bacalhau e regueifa. Lá íamos ao Bom Jesus a Braga, à Senhora dos Remédios a Lamego ou ao Parque de La Salette em Oliveira de Azeméis.                

Durante a viagem era hábito dos excursionistas cantarem até ficarem roucos. Vá-se lá saber porquê! Não havia excursão sem cantorias e que não se ouvisse: 

Ó Rosa arredonda a saia / Ò Rosa arredonda bem

Ó Rosa arredonda a saia / Olha a roda que ela tem... 

Ou então: 

Digo adeus á serra d’Agra / Digo adeus ao S. Lourenço

Não te digo adeus a ti /Porque sabes o qu’eu penso. 


Canções populares, simples e ingénuas como:


Quem m’ensinou a nadar / Foi o peixinho do mar

Foi, foi, foi moreninha / Foi o peixinho do mar. 

Ou então: 

O Mar enrola n’areia / Ninguém sabe o que ele diz

Bate n’areia e desmaia / Porque se sente feliz. 

Haviam naquela época, cantigas de cariz popular, assim como, as lengalengas que em miúdos aprendíamos, por exemplo, quando víamos um caracol: 

Caracol, caracol / Põe os corninhos ao Sol. 

Ou ao vermos uma Joaninha:

Joaninha voa, voa /Que o teu pai está em Lisboa. 


Ou para secar a ardósia na escola, depois de molhada:


Seca aqui, seca acolá / Que amanhã vem o papá.       

Mas nessas excursões, havia sempre alguém que se atrasava na partida, homens que se embebedavam e ficavam a dormir na camioneta com nódoas de vinho na camisa. Crianças com ranho no nariz e os joelhos sujos, que perdiam o boné com o vento quando punham a cabeça de fora da janela e logo se ouvia:

«Raisparta o catraio! Já bais bober!

Muitos homens no dia seguinte, pediam à mulher para telefonar ao patrão, que estavam indispostos e não iam trabalhar. É certo que a maioria não ia para conhecer, nem se dava ao trabalho disso, o importante era passar um bom dia que se resumia a cantar e saber se o vinho da região era bom. Até as fotos que tiravam, não eram a monumentos ou lugares de interesse, limitavam-se a encostarem-se à camioneta em grupo e depois não sabiam dizer onde foi tirada a foto.

Muitos dos passeios que fui mais tarde, eram aqueles pelo rio acima em Batelões, que partiam das escadas da Padeira na Ribeira e eram puxados por barcos a motor até Ribeira d’Abade, aí, desembarcava-se com o farnel para o almoço, arranjava-se um bom lugar para colocar a manta e toca a sentar à fresca. Havia sempre um conjunto de música que abrilhantava a tarde com bailarico, enquanto outros tomavam banho no rio.

Toda esta forma de passeios e excursões, eram uma verdadeira festa e um modo de esquecer por um dia as agruras da vida. Num tempo de vacas magras, também a FNAT, hoje INATEL, organizava excursões para os sócios trabalhadores.

Outros passeios maravilhosos que organizavam lá na rua eram os passeios mistério em que participei já “espigadote”. Estes passeios eram feitos só por uma pessoa que recebia uma pequena importância de cada participante que nunca sabia para onde ia. Era marcada uma hora e local para a abertura do primeiro envelope que estavam numerados, onde se lia qual o destino, por exemplo:

“Apanhem o eléctrico número 7 até S. Mamede”. Depois era só cumprir sucessivamente todos os destinos, desde o local do café, do almoço, visita a locais históricos da cidade, passagem em lugares desconhecidos, etc. Eram rondas salutares de sabedoria, de prazer e convívio entre amigos, autênticas aulas de história onde a expectativa e a surpresa vivida criavam um dia fora do vulgar.   


 

Sem comentários:

Enviar um comentário

ENQUANTO ME LEMBRO...