sábado, 3 de outubro de 2020

ENQUANTO ME LEMBRO... "MEMÓRIAS" 9


OUTRAS FESTAS
 

 





Uma das festa religiosas, que muito me emocionavam (nesses tempos), era a Páscoa, pelo seu ritual litúrgico, desde o compasso que levava a cruz ás casas, passando pelas colchas coloridas nas janelas, aos “verdes” espalhados pelo chão, até ao anho assado na padaria e pelas amêndoas, ao pão-de-ló, do folar dos padrinhos (os ramos era dados no domingo anterior). Mas a recordação que mais me ficou na memória, eram as limpezas que se faziam. A rua de cima a baixo, tinha paus aos lados das casas a fazer de guardas e então lavavam-se os passeios, enceravam-se os móveis, esfregavam-se os soalhos (com aquele sabão amarelo), caiavam-se os muros e as casas que ficavam lindas e brancas, algumas com rodapés de cor, tudo para receber o compasso naquele domingo de alegria pela ressurreição de Cristo. Nós, os miúdos, corríamos ao toque das sinetas, que anunciavam a chegada da Primavera, atrás daqueles homens de opa de cetim vermelho que traziam a cruz. Aleluia! Aleluia! Dizia o padre ao entrar, enquanto nos espargia de água benta. Toda a família o esperava de joelhos para beijar o Senhor na cruz.     

Todos os anos, antes da Páscoa, havia a queima do Judas ao fundo da rua. Um boneco de palha ardia pendurado por arames, enquanto alguém destacado para tal, falava sobre a sua traição a Cristo, evocando subtilmente alguma pessoa da rua, que fosse mais sovina.  

Outras festividades ocorriam durante o ano na cidade: O Senhor do Padrão no Carvalhido, o Senhor do Calvário na Ramada Alta, o Senhor da Boa Fortuna na Vitória e muitas outras romarias. Mas haviam aquelas que minha avó nunca faltava. Logo em Março, era a festa dos Lázaros, que ocorria no Jardim de S. Lazaro, junto á igreja do Recolhimento de Nossa Senhora da Esperança e se estendia até á Av. Rodrigues de Freitas. Recordo-me dos fotógrafos ambulantes, aqueles que tinham cenários pintados com Cow-boys, para metermos a cabeça. Barraquinhas de bugigangas, cestos, louça e o doce de Teixeira.

Depois da Lapa, vinha em 22 de Maio a Santa Rita em Ermesinde. Logo pela manhã apanhávamos o 9 até ao Alto da Maia e depois lá íamos a pé até à romaria com o farnel para comer numa sombra, lá não faltava a regueifa de Valongo e muita cerejas, que se vendiam em cestos ou em rocas (ramos de cerejas) de enfeitar. Pelo caminho viam-se bandos de peregrinos vindos dos mais diversos lugares, até pescadores de Matosinhos que caminhavam descalços para pagar as suas promessas. A rua enchia-se de mendigos com sua maleitas (tal como se viam na estação de comboios pela festa da Sra. da Hora) a pedirem esmola, Haviam barracas de comes e bebes à fresca que vendiam limonadas e pirolitos, pelas bouças de eucaliptos e carvalhos circundantes, haviam pessoas sentadas em mantas comendo o seu farnel. Mulheres vendiam tremoços ao copo, enquanto outras com as regueifas enfiadas no braço, vendiam a regueifa do Lino da Travagem.

Por entre a música dos altifalantes, ouviam-se nos carrosséis chamar as pessoas para os carrinhos de choque, enquanto no “poço da morte” o convite não parava: “Entrar meus senhores, entrar!” Rapazes invadiam as barracas de matraquilhos. A Sta. Rita era uma enorme romaria e ainda hoje, lugar de muita crença e peregrinação. Para estes festejos, vinham os feirantes depois do Senhor de Matosinhos.

Estas festas de Matosinhos decorriam durante uma semana, com as suas celebrações religiosas e muitas actividades lúdicas. Á noite a bela igreja do Senhor do Bom Jesus de Matosinhos ficava toda iluminada. Nos coretos, bandas de música animavam as ruas onde não faltavam, as tradicionais barraquinhas com a sardinha e outros petiscos do lugar. O fogo dos bonecos e o esplendoroso fogo preso, era um ponto alto destas festas, onde não faltavam a tradicional feira da louça.

Em Agosto, chegavam as festas da Senhora da Saúde no Campo Lindo em Paranhos. Eram grandiosas estas festas, com uma grande feira da louça onde não faltavam os assobios de barro, assadeiras e canecas. Muitos carrosséis como a “Roda dos Cavalinhos” e muitas barraquinhas espalhadas pelo jardim d’Arca d’Água. A procissão era um ponto alto dos festejos assim como as bandas de música no coreto.

Também com o calor de Agosto, vinha o S. Bartolomeu na Foz, com o célebre cortejo dos vestidos de papel, que findava no banho purificador na praia dos Ingleses. Depois, chegava sempre no primeiro domingo de Setembro, as festas de Santa Clara no Bonfim, onde se levavam as criancinhas para que a Santa desse “falinha”. Era a festa dos melões e da melancia, que minha avó cortava ás fatias e comíamos sentados no passeio da Rua Barros Lima, junto ao bairro das Eirinhas que quase já não existe. 

Fora da cidade, também conheci com minha avó as festas da Senhora da Hora, Senhor da Pedra em Miramar, a Senhora do Rosário (ou festa da nozes) em Gondomar, aliás neste concelho, ainda conheci as festas de S. Bento das Peras em Rio Tinto e o Senhor dos Aflitos na Triana e ainda na Maia, a Senhora do Bom Despacho.

Além de todas estas festas religiosas a que a minha avó não faltava e que sempre me levava com a pura intenção, além da diversão, de me incutir o respeito pelo culto dos santos, mas as mais ansiadas por mim eram as do S. João e o Carnaval. 

O Carnaval era divertido, pelas brincadeiras, pelas partidas que se faziam sem ninguém levar a mal. Haviam aquelas bisnagas redondas em baquelite, que cabiam na palma da mão, para molhar quem passava. Os estalinhos com chumbinhos embrulhados em papel. Ampolas de cheiro que ao partirem espalhavam um odor pestilento em redor. Haviam também os pirilampos, umas tiras de cartão com fulminantes, que raspados na parede estalavam no meio das mãos em concha. Os chapéus coloridos de papel crepe. Cornetas em cone coloridas e as “Línguas da Sogra” que ao soprar, alem de assobiarem, se distendiam com uma pena colorida na ponta e voltavam a enrolar impelidas por uma mola. Haviam as máscaras de cartão com caretas medonhas e óculos com grandes narizes e peludos bigodes, serpentinas e balões.

Nós, os rapazes, atava-mos linha preta aos batentes e ficávamos escondidos a bater ás portas até irritar o vizinho. Colava-mos moedas ao chão para nos rirmos ao longe das pessoas que não conseguiam apanhá-las. Porta-moedas vazios atirados ao chão, com uma linha que puxava-mos ao ser apanhados. Enfim, eram partidas inofensivas, mas que serviam para nos fazer rir dos incautos. De tudo o que compunha as festas de Carnaval, aquilo que eu mais gostava era do cortejo dos Fenianos. Os carros alegóricos, artisticamente e coloridamente decoradas, sempre com uma intenção subtil de sátira ao governo, criticando por entrelinhas a situação em que se vivia na país, sempre contornando a policia politica e a atenção da censura. A maior parte destes carros, eram promovidos por empresas que aproveitavam para fazer publicidade aos seus produtos, como a pasta medicinal Couto.

Componentes mascarados, caricaturando grotescamente as figuras públicas, atirando montes de serpentinas e confettis coloridos. Cabeçudos, fantoches e fanfarras de fardas coloridas, bandas de música e Zés Pereiras alegravam as ruas por onde passavam. No dia do corso, minha avó levava-nos sempre para o mesmo local, sentávamo-nos no muro da igreja de Fradelos na esquina de Sá da Bandeira com a rua Guedes de Azevedo, o cortejo passava em direcção ao largo do Bonjardim, Gonçalo Cristóvão, descia Camões terminando na Trindade junto á sede do Clube dos Fenianos. O dia do cortejo era um dia diferente e mesmo o comércio, fechava para ver passar pelas ruas a festa do Entrudo.  

Cheguei a assistir na cidade a outros cortejos, como o do circo onde estrelava a trapezista Pinita Del Ouro, que se exibia no Pavilhão do Palácio de Cristal, mo Circo “Arraiola Paramés”. Este desfile era monumental pelos animais que trazia para a rua, elefantes, cavalos e jaulas de tigres e leões puxados por tractores. Artistas de circo com suas vestes coloridas, desde malabaristas, acrobatas, ilusionistas, etc., exibiam-se em plena rua com suas artes e habilidades, atraindo a criançada.  

Contou-me o meu pai, que já em 1934, tinha visto algo parecido com o desfile de animais da selva e carros alegóricos dedicados à História da Expansão Colonial Portuguesa, quando foi o final dessa Exposição organizada pelo Estado. Era como se o império desfilasse, mostrando momentos da história de Portugal, povos de terras distantes, neste país que tinha como principal fundamento a trilogia: “Deus, Pátria e Família”. Esta exposição teve lugar nos jardins do palácio de Cristal, onde para o efeito chegou a ser implantada uma estátua ao espírito colonial português. Esta estátua que esteve desmontada muitos anos nas oficinas da câmara, acabou por ser reconstruída e de novo implantada mas desta vez, na praça do Império, ao fundo da Av. Marechal Gomes da Costa, por ordem da Câmara presidida por Paulo Valada.

 

 


 

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