Uma das festa religiosas, que muito me
emocionavam (nesses tempos), era a Páscoa, pelo seu ritual litúrgico, desde o
compasso que levava a cruz ás casas, passando pelas colchas coloridas nas
janelas, aos “verdes” espalhados pelo chão, até ao anho assado na padaria e
pelas amêndoas, ao pão-de-ló, do folar dos padrinhos (os ramos era dados no
domingo anterior). Mas a recordação que mais me ficou na memória, eram as
limpezas que se faziam. A rua de cima a baixo, tinha paus aos lados das casas a
fazer de guardas e então lavavam-se os passeios, enceravam-se os móveis,
esfregavam-se os soalhos (com aquele sabão amarelo), caiavam-se os muros e as
casas que ficavam lindas e brancas, algumas com rodapés de cor, tudo para
receber o compasso naquele domingo de alegria pela ressurreição de Cristo. Nós,
os miúdos, corríamos ao toque das sinetas, que anunciavam a chegada da
Primavera, atrás daqueles homens de opa de cetim vermelho que traziam a cruz.
Aleluia! Aleluia! Dizia o padre ao entrar, enquanto nos espargia de água benta.
Toda a família o esperava de joelhos para beijar o Senhor na cruz.
Todos os anos, antes da Páscoa, havia a queima do Judas ao fundo da rua. Um boneco de palha ardia pendurado por arames, enquanto alguém destacado para tal, falava sobre a sua traição a Cristo, evocando subtilmente alguma pessoa da rua, que fosse mais sovina.
Outras festividades ocorriam durante o ano
na cidade: O Senhor do Padrão no Carvalhido, o Senhor do Calvário na Ramada
Alta, o Senhor da Boa Fortuna na Vitória e muitas outras romarias. Mas haviam
aquelas que minha avó nunca faltava. Logo em Março, era a festa dos Lázaros,
que ocorria no Jardim de S. Lazaro, junto á igreja do Recolhimento de Nossa
Senhora da Esperança e se estendia até á Av. Rodrigues de Freitas. Recordo-me
dos fotógrafos ambulantes, aqueles que tinham cenários pintados com Cow-boys,
para metermos a cabeça. Barraquinhas de bugigangas, cestos, louça e o doce de
Teixeira.
Depois da Lapa, vinha em 22 de Maio a Santa
Rita
Por entre a música dos altifalantes,
ouviam-se nos carrosséis chamar as pessoas para os carrinhos de choque,
enquanto no “poço da morte” o convite não parava: “Entrar meus senhores,
entrar!” Rapazes invadiam as barracas de matraquilhos. A Sta. Rita era uma
enorme romaria e ainda hoje, lugar de muita crença e peregrinação. Para estes
festejos, vinham os feirantes depois do Senhor de Matosinhos.
Estas festas de Matosinhos decorriam durante
uma semana, com as suas celebrações religiosas e muitas actividades lúdicas. Á
noite a bela igreja do Senhor do Bom Jesus de Matosinhos ficava toda iluminada.
Nos coretos, bandas de música animavam as ruas onde não faltavam, as
tradicionais barraquinhas com a sardinha e outros petiscos do lugar. O fogo dos
bonecos e o esplendoroso fogo preso, era um ponto alto destas festas, onde não
faltavam a tradicional feira da louça.
Em Agosto, chegavam as festas da Senhora da
Saúde no Campo Lindo
Também com o calor de Agosto, vinha o S.
Bartolomeu na Foz, com o célebre cortejo dos vestidos de papel, que findava no
banho purificador na praia dos Ingleses. Depois, chegava sempre no primeiro
domingo de Setembro, as festas de Santa Clara no Bonfim, onde se levavam as
criancinhas para que a Santa desse “falinha”. Era a festa dos melões e da
melancia, que minha avó cortava ás fatias e comíamos sentados no passeio da Rua
Barros Lima, junto ao bairro das Eirinhas que quase já não existe.
Fora da cidade, também conheci com minha avó
as festas da Senhora da Hora, Senhor da Pedra em Miramar, a Senhora do Rosário
(ou festa da nozes) em Gondomar, aliás neste concelho, ainda conheci as festas
de S. Bento das Peras
Além de todas estas festas religiosas a que a minha avó não faltava e que sempre me levava com a pura intenção, além da diversão, de me incutir o respeito pelo culto dos santos, mas as mais ansiadas por mim eram as do S. João e o Carnaval.
O Carnaval era divertido, pelas
brincadeiras, pelas partidas que se faziam sem ninguém levar a mal. Haviam
aquelas bisnagas redondas em baquelite, que cabiam na palma da mão, para molhar
quem passava. Os estalinhos com chumbinhos embrulhados
Nós, os rapazes, atava-mos linha preta aos
batentes e ficávamos escondidos a bater ás portas até irritar o vizinho.
Colava-mos moedas ao chão para nos rirmos ao longe das pessoas que não
conseguiam apanhá-las. Porta-moedas vazios atirados ao chão, com uma linha que
puxava-mos ao ser apanhados. Enfim, eram partidas inofensivas, mas que serviam
para nos fazer rir dos incautos. De tudo o que compunha as festas de Carnaval,
aquilo que eu mais gostava era do cortejo dos Fenianos. Os carros alegóricos,
artisticamente e coloridamente decoradas, sempre com uma intenção subtil de
sátira ao governo, criticando por entrelinhas a situação em que se vivia na
país, sempre contornando a policia politica e a atenção da censura. A maior
parte destes carros, eram promovidos por empresas que aproveitavam para fazer
publicidade aos seus produtos, como a pasta medicinal Couto.
Componentes mascarados, caricaturando grotescamente as figuras públicas, atirando montes de serpentinas e confettis coloridos. Cabeçudos, fantoches e fanfarras de fardas coloridas, bandas de música e Zés Pereiras alegravam as ruas por onde passavam. No dia do corso, minha avó levava-nos sempre para o mesmo local, sentávamo-nos no muro da igreja de Fradelos na esquina de Sá da Bandeira com a rua Guedes de Azevedo, o cortejo passava em direcção ao largo do Bonjardim, Gonçalo Cristóvão, descia Camões terminando na Trindade junto á sede do Clube dos Fenianos. O dia do cortejo era um dia diferente e mesmo o comércio, fechava para ver passar pelas ruas a festa do Entrudo.
Cheguei a assistir na cidade a outros
cortejos, como o do circo onde estrelava a trapezista Pinita Del Ouro, que se
exibia no Pavilhão do Palácio de Cristal, mo Circo “Arraiola Paramés”. Este
desfile era monumental pelos animais que trazia para a rua, elefantes, cavalos
e jaulas de tigres e leões puxados por tractores. Artistas de circo com suas
vestes coloridas, desde malabaristas, acrobatas, ilusionistas, etc., exibiam-se
em plena rua com suas artes e habilidades, atraindo a criançada.
Contou-me o meu pai, que já em 1934, tinha
visto algo parecido com o desfile de animais da selva e carros alegóricos
dedicados à História da Expansão Colonial Portuguesa, quando foi o final dessa
Exposição organizada pelo Estado. Era como se o império desfilasse, mostrando
momentos da história de Portugal, povos de terras distantes, neste país que
tinha como principal fundamento a trilogia: “Deus, Pátria e Família”. Esta exposição
teve lugar nos jardins do palácio de Cristal, onde para o efeito chegou a ser
implantada uma estátua ao espírito colonial português. Esta estátua que esteve
desmontada muitos anos nas oficinas da câmara, acabou por ser reconstruída e de
novo implantada mas desta vez, na praça do Império, ao fundo da Av. Marechal
Gomes da Costa, por ordem da Câmara presidida por Paulo Valada.
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