Outros dias festivos eram nas férias da
escola, os passados na Colónia (porque tive o privilegio de num ano, o
sindicato a que pertencia o meu pai ter essa regalia). A Colónia era junto aos
Socorros a Náufragos no Castelo da Foz, lá andávamos de babeiros ás riscas e
panamá, brincando no areal da praia dos Ingleses com baldes, pás e ancinhos de
chapa. Os jogos de praia eram nesse tempo, as construções na areia, o “Prego”,
o “Anel” e o “Tesouro dos Piratas”.
Festa? Eram os dias de aniversário,
principalmente os meus inesquecíveis seis anos, quando o meu pai me levou pela
primeira vez ao cinema, ver o “Marcelino Pão e Vinho” no Coliseu com Pablito
Calvo. Depois fomos ao café Palladium (onde quase trilhava os dedos na porta giratória que nunca tinha visto), para comer uma torrada e um copo de leite.
Mas o melhor desse dia foi ao jantar, a minha avó deu-me bife com batatas
fritas e um ovo estrelado. Foi um dia memorável.
No fundo, todos os dias eram de festa nas
brincadeiras de rua com os meninos como eu: Jogando a bola de trapos, a
casquinha, o hóquei com troços de couve, o peão, a sameira., á corda queimada,
ás escondidas, aos Cow-boys, à Cabra cega e aos policias e ladrões.
Quem do meu tempo, não se lembra daquela célebre lengalenga:
Aniki
bó-bó / Aniki baú-bau / Passarinho totó
Cheribau,
Cavaquinho / Salomão, São cristão
Policia, Ladrão
Também brincávamos com as meninas ás “Casinhas”, ás rodinhas cantando o Manel Tim-Tim que era assim:
Ó
Manel tim-tim / Ó Manel tim-tão
Dá-me a canastrinha / Dá co’cu no chããão
Ou a Machadinha que era assim:
Ah
ah ah minha machadinha
Quem
te pôs a mão sabendo que és minha
Sabendo
que és minha, também eu sou tua
Salta
machadinha p’ró meio da rua
Com as “catraias”, também fazíamos jogos como: Farinha olé, Prendinhas do Sr. Abade, Minha mãe dá-me licença? Reis e as Rainhas ou ao Bom Barqueiro. Esta brincadeira consistia em dois de nós de braços levantados e dando as mãos, formar um arco por onde os outros passavam em fila atrelados ás ancas a cantar:
Bom
barqueiro, bom barqueiro / Deixa-me passar
Tenho filhos pequeninos / Não os posso criar
A que os dois barqueiros respondiam:
Passarás,
passarás /Mas algum ficará
Se não for o da frente / Há-de ser o de trás
E fechando o arco, aprisionavam o último da
fila que se posicionava atrás de um dos barqueiros. Assim sucessivamente até
que no final, cada barqueiro com a sua equipa puxavam com força, agarrados às
ancas uns dos outros, até conseguirem separar o arco original.
Éramos felizes, quando corríamos pelas ruas
de número nas costas preso com alfinetes e guiador de arame debruado a fio de
cor. Quando juntávamos cromos de jogadores para colar na caderneta e jogávamos
ao “virinha” com os repetidos. Para isso, batíamos com a mão em concha tentando
virar os cromos e quando o cromo ficava em pé encostado a qualquer coisa, era
“Esquinete”, mas quando alguém cuspia na mão para colar ao cromo, era batota.
Passávamos horas a ditar uns aos outros os repetidos que trazíamos numas
carteirinhas de cartão com fitas de nastro feitas por nós e que dobravam e
abriam para os dois lados. Também com os repetidos metidos numa cova, jogávamos
à “Coca”, atirando contra a parede uma moeda previamente côncava, tentando
ficar o mais perto possível da cova. Também juntávamos os “Vitórias” com a
esperança de obter um carimbado (o cabrito, a cobaia ou bacalhau), que vinham
embrulhados em rebuçados a tostão e que podíamos ganhar uma bola de
couro, quando conseguíamos encher a caderneta. Ás vezes as moedas que
ganhávamos num recado feito ás vizinhas, eram desviadas para a confeitaria, para
comprar cinco tostões de “Raleio” (que eram restos de pasteis e bolos que
ficavam nos tabuleiros), ou então para a compra do Mosquito no quiosque do
Melo.
Era uma festa dos afectos, quando meu pai
nos aconchegava a roupa da cama, beijava-nos a testa afagando-nos o rosto e
dizia: “Portem-se bem, não arreliem a vossa avó que está velhinha e cansada,
ela tem-me ajudado muito a criar-vos, desde que a vossa mãe nos faltou.”
Também era uma festa, aquelas manhãs de
domingo no verão, em que ia com meu pai e meu irmão no 17 até á praia do Molhe,
brincávamos na areia enquanto ele lia o jornal no banco de pedra que ainda lá
está no paredão. Voltávamos à hora de almoço cheios de apetite para o cozido.
Durante estes passeios de eléctrico, o nosso pai
contava-nos acontecimentos sobre os lugares por onde passávamos, ensinando-nos
muitas coisas. Lembro-me, ao passar no Pinheiro Manso, nos falar do ciclone de
Fevereiro de 1947 (um sábado), que derrubou um enorme pinheiro manso que lá havia.
Disse-nos ainda: Que a primeira linha de eléctrico do Porto, foi a da
Restauração em 1895; Que em 1855 teve inicio na cidade a iluminação pública a
gás; Que só em 1888 foi inaugurada a rede de distribuição de energia a
particulares e que a rede de esgotos só foi instalada no Porto em 1907.
Contava-nos feitos históricos, como a dos obeliscos que estão no jardim do
Passeio Alegre, que vieram da Quinta da Prelada e por entre eles passaram os
7.500 soldados do exército liberal, os bravos do Mindelo. Eram lições de
história, esses passeios com meu pai. Tenho a certeza que foi ele que incutiu
em mim, este interesse, admiração e amor pela minha cidade.
Vi desaparecer ao longo do tempo, muitos
locais da minha infância, onde joguei à bola, como a Quinta Amarela nas Antas.
Onde vi o circo como o Campo do Luso. Onde vi ciclismo como o Estádio do Lima.
Salas onde mais tarde vi cinema, como o Central Cine da Carcereira, o Odéon
Cafés que foram pontos de encontro na baixa
portuense, autênticas tertúlias de amigos em tempo de liberdade proibida, como
o Palladium onde se jogava ténis de mesa, bilhar, damas e até tinha barbearia.
O Astória, sala de visitas para quem chegava ao Porto pela estação de S. Bento.
O monumental café Imperial que é hoje a MacDonal’s (mudança directamente relacionada,
com a perda de influência do Porto enquanto centro de negócios, se até bancos,
companhias de seguros e outras instituições foram deslocadas para Lisboa!) O
Rialto frequentado por Egito Gonçalves, Papiniano Carlos, Daniel Filipe,
Rebordão Navarro. Na mesma Praça de D. João I, havia o Odin que veio para S.
Brás e era o café dos salgueiristas, muitos, muitos cafés que faziam parte do
património cultural desta cidade.
Cafés que também tinham engraxadores (ás
vezes bufas) e tabacarias onde não se vendiam isqueiros a quem não tivesse
licença. Era um Porto amordaçado, mas que a nossa imaginação não deixava
morrer, como no café Cidade Nova
Também existiu esplanada da “CUFP” que
acabou (quando a fábrica da cerveja mudou para a Maia e é agora a UNICER), era ali
junto à Praça da Galiza, onde se bebiam aquelas canecas gigantes de cerveja (as
Girafas) e era muito frequentada pela malta que estudava como eu à noite, na
escola industrial Infante D. Henrique.
Para os “Pregos em pão”, a malta tinha o
café Pereira no Marquês. Para as Francesinhas, além da Regaleira (casa onde
nasceram na década de 60 no Bonjardim), havia o Mucaba em Gaia e o café
Portugal á entrada da rua
O Porto sempre foi especial na sua gastronomia, não se pode esquecer que foi nesta cidade que nasceram também o Bacalhau à Gomes Sá, criado pelo portuense José Luís Gomes de Sá Júnior falecido em 1926. E claro, temos as afamadas Tripas à Moda do Porto de onde herdamos o nome de “Tripeiros” desde que demos ao Infante todas as carcaças das reses para a campanha de Ceuta e só ficamos com as tripas para comer.
Mas voltando aos cafés antigos, mesmo os
cafés que ainda resistem, como o Aviz, o Ceuta, o Progresso, o Estrela, ou
ainda o Guarany, o Majestic e a Brasileira (recentemente remodelados), o
Piolho, o Embaixador e outros, sentem imensas dificuldades, pois já pouca gente
mora na cidade e ao fim da tarde, quando encerram todos os estabelecimentos, o
Porto fica um deserto. Salva-se a “Movida” aos fins-de-semana.
Longe vai o tempo em que o Sérgio Godinho
(que também nasceu no Porto) cantava ao contrário:
Ai, eu estive quase morto no deserto
E o Porto aqui tão perto...
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